FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
WirelessBrasil
Setembro 2016 Índice Geral
16/09/16
• As propostas para alterações na Lei Geral de
Telecomunicações - por Flávia Lefèvre Guimarães
Em outubro de 2015, o Deputado Daniel Vilela do PMDB/GO apresentou o Projeto de
Lei 3.453/2015, cujo objetivo é modificar a Lei Geral de Telecomunicações (LGT),
para permitir que a Anatel altere a modalidade de licenciamento de serviço de
telecomunicações de concessão para autorização.
O projeto introduz dispositivos na LGT estabelecendo que a alteração dos
contratos de concessão do serviço de telefonia fixa comutada (STFC) – único
serviço hoje prestado em regime público – por meio da substituição por
autorizações deve ser precedida da análise de três aspectos:
a) a constatação de efetiva competição;
b) comprovação do cumprimento de metas de universalização e
c) a apuração do valor econômico do acervo de bens vinculados às concessões de
acordo com metodologia e critérios estabelecidos pelo Poder Concedente, no caso,
a União Federal.
O PL propõe que, para se apurar o valor econômico do acervo de bens vinculados à
concessão devem ser considerados os bens reversíveis e outros bens relativos à
prestação de outros serviços prestados sob o regime privado, “na proporção de
seu uso para o STFC”.
No último dia 29 de agosto, o Ministério da Ciência Tecnologia, Inovação e
Comunicações divulgou comunicado por meio do qual informa que acompanha com
interesse o PL 3.453/2015.
A afirmação do MCTIC no sentido de que “acompanha com interesse o PL 3.453/2015”
é extremamente preocupante por duas razões. Primeiro, porque entendemos que o
Ministério deveria estar conduzindo diretamente o processo de revisão do modelo
regulatório do setor de telecomunicações, tendo como lastro estudos profundos e
interlocução com os agentes envolvidos, a fim de definir diretrizes para um
planejamento de longo prazo de forma consistente e democrática.
Qualquer proposta de alteração do atual modelo deveria se dar sobre bases
sólidas; entretanto, o PL 3.453/2015 propõe mudanças casuísticas e pontuais,
incoerentes com outras disposições da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) e,
mais, insuficientes para garantir que o setor se desenvolverá de modo
sustentável e de acordo com a finalidade de inclusão digital, estabelecida
expressamente com a edição do Marco Civil da Internet (art. 27, inc. I).
É certo que a configuração jurídica definida pela LGT já foi bastante distorcida
por força de fatos ocorridos desde a sua edição em 1997, tais como e
principalmente a alteração do Plano Geral de Outorgas, ocorrido em 2008, para
viabilizar a incorporação da Brasil Telecom pela OI, ou a alteração do art. 86,
da Lei Geral de Telecomunicações em 2011 com a Lei 12.485, permitindo que as
concessionárias prestassem outros serviços além do serviço de telefonia fixa
comutada (STFC), ou o desrespeito, chancelado pela ANATEL, à proibição de
subsídios cruzados entre modalidades de serviços e, ainda, o fato de que até
hoje as tarifas do STFC não são reguladas pelo custo (a ANATEL estabeleceu que
apenas em 2019 o modelo de custos será aplicado).
Os fatos acima implicaram em que o setor tenha evoluído em sentido contrário a
um dos principais pilares da LGT, qual seja: a competição. Para corroborar esta
afirmação, importante considerar os gráficos abaixo divulgados pela própria
ANATEL:
Na região III, que corresponde ao Estado de São Paulo, onde está concentrado
mais de 45% do mercado de telecomunicações, duas empresas basicamente concentram
o marketshare da banda larga fixa – Claro e Telefônica detêm mais de 80% do
mercado.
Os pequenos provedores classificados como “Outros” no gráfico não chegam a 10% e
apresentam uma queda significativa de 2008 para cá.
Na Região II – área de concessão da OI – temos esta empresa com aproximadamente
35% do marketshare, num movimento de forte e constante declínio, certamente por
força de sua gestão temerária que a levou à dívida superior a R$ 64 bilhões e ao
pedido de recuperação judicial. Por outro lado, Claro e Telefônica ascendem na
curva, enquanto os pequenos e médios provedores vão perdendo mercado, assim como
na Região II.
Esse cenário é negativo para o desenvolvimento das telecomunicações, na medida
em que é inquestionável que a concentração e oligopólios são desestímulos para
investimentos em qualidade e modicidade de preços e tarifas.
Os contratos de concessão do STFC
O setor hoje está num momento de impasse. As metas de universalização dos
serviços de telefonia fixa praticamente já estão cumpridas há mais de dez anos,
com exceção de algumas localidades rurais, e os contratos de concessão do STFC
têm data de término estabelecida somente para dezembro de 2025.
Por outro lado, o entendimento do Tribunal de Contas da União tem sido no
sentido de que a introdução de novas obrigações relacionadas à banda larga está
vedada, na medida em que a ampliação do objeto dos contratos de concessão
representaria desrespeito aos princípios da licitação.
O TCU, ainda quanto aos contratos de concessão, tem entendido que há uma
situação de completo descontrole por parte da ANATEL sobre o acervo de bens
vinculados às concessões, especialmente quanto aos bens reversíveis, como ficou
expresso no Acórdão 3311/2015, onde se constata que o valor destes bens alcança
o montante de R$ 108 bilhões, como assumiram as próprias concessionárias durante
a auditoria realizada para instruir o processo.
O TCU também constatou neste ano um descontrole por parte da ANATEL quanto às
obrigações relacionadas aos contratos de concessão, conforme matéria publicada
no Valor Econômico em 22 de agosto de 2016:
Indicadores da Anatel protegem as teles, diz TCU
"Uma ampla auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) detectou
grande variedade de falhas na atuação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Uma das mais graves envolve os indicadores de qualidade da telefonia móvel, que
deveriam refletir majoritariamente a satisfação dos consumidores, mas que seriam
constituídos e divulgados de forma seletiva, atenuando os problemas na prestação
dos serviços."
Para se ter uma visão completa da conjuntura das concessões da telefonia fixa,
fundamental levarmos em conta a situação da OI, que detém a posse das redes de
transporte e acesso, assim como da última milha das telecomunicações em 97% do
território nacional.
A gestão temerária e o envolvimento em processos de corrupção, inclusive de
acionista internacional, como é o caso da Portugal Telecom, já indicavam há mais
de cinco anos que a ANATEL deveria ter adotado medidas fiscalizatórias para
preservar os aspectos econômicos da concessão. Todavia, a ANATEL quedou-se
inerte ou, pior, ficou missa em alguns casos ou mesmo atuou para viabilizar
operações que puseram em risco a concessão e contribuíram para que a situação
chega-se ao que temos hoje.
O art. 110, inc. III, da Lei Geral das Telecomunicações, estabelece que poderá
ser decretada intervenção na concessionária, por ato da Agência, em caso de
desequilíbrio econômico-financeiro decorrente de má administração que coloque em
risco a continuidade dos serviços.
Sendo assim e levando em conta a situação financeira de dívida e do confessado
comprometimento da qualidade da prestação dos serviços objeto da concessão, a
ANATEL e mesmo o Ministério das Comunicações, há muito já deveriam ter promovido
a devida intervenção na OI.
O Tribunal da Contas da União (TCU), por meio de decisão recente, desautorizou a
assinatura do termo de ajustamento de conduta entre OI e ANATEL, cujo objeto
contempla a troca de multas por descumprimento de obrigações relativas à
concessão por investimentos no montante de mais de R$ 3 bilhões.
Fonte: Agência Brasil
[07/07/16]
TCU barra acordo de troca de multas por serviços da OI com a Anatel
- por Sabrina Craide
“Em despacho, o ministro do TCU Bruno Dantas pede que a Anatel esclareça dúvidas
relativas ao impacto do pedido de recuperação judicial da empresa sobre o TAC.
“Parece quase impossível que uma empresa em recuperação judicial possa honrar
com os compromissos de investimento assumidos no termo de ajustamento de
conduta, na ordem de bilhões de reais, o que lança sérias dúvidas sobre a
legitimidade dos TACs sob discussão em face do pedido de recuperação judicial da
Oi”, argumenta o ministro no despacho.
Dantas também questiona se a Anatel realizou a gestão dos riscos envolvidos e se
a agência teve o zelo de avaliar se a Oi teria condições de cumprir as
obrigações de investimentos decorrentes do TAC”.
Portanto, a nota divulgada recentemente pelo novo governo no sentido de que
pretende “acompanhar com atenção o desenvolvimento da situação da OI”, não é
suficiente para garantir a preservação de acervo fundamental para o papel
estratégico que as telecomunicações desempenham para a economia, desenvolvimento
social e cultural e para a democratização das comunicações.
As propostas do PL 3.453/2016
As alterações na Lei Geral de Telecomunicações propostas pelo PL 3.43/2015 não
são suficientes para atender as demandas de todos os agentes do setor – grandes
empresas concessionárias, pequenas e médias empresas de telecomunicações e
provedoras de internet e consumidores brasileiros.
As propostas, se postas em prática, poderiam até representar uma resposta
casuística e pontual para o impasse enfrentado hoje pelos contratos de concessão
do STFC, mas nem de longe resolveriam de forma consistente e profunda os
problemas que têm emperrado o desenvolvimento da infraestrutura de banda larga e
crescimento na penetração do serviço de acesso à internet.
A proposta, ademais, contraria dispositivos da Constituição Federal, que atribui
a União Federal a exploração dos serviços de telecomunicações e a garantia do
acesso em caráter universal, como está disposto nos arts. 21, inc. XI e 175.
A proposta contraria também a própria LGT, na medida em que não altera
paradigmas estabelecidos, como a obrigatoriedade de que os serviços essenciais
estejam obrigatoriamente sujeitos também ao regime público (art. 65, § 1º), de
modo a viabilizar a atuação regulatória do poder público como a definição de
metas de universalização, qualidade e continuidade, bem como regulação de
tarifas; ou a proibição de subsídios cruzados entre modalidades de serviços; ou,
ainda e principalmente, as disposições que obrigam concessionárias prestadoras
de serviços prestados no regime público a compartilharem a capacidade de suas
redes.
As propostas, além dos entraves referidos, se posta em prática, significará uma
vantagem competitiva inadmissível no quadro de concentração que se revela pelos
dados da ANATEL apresentados acima, na medida em que permite que as atuais
concessionárias se apropriem de um acervo de bens bilionário; só em redes de
transporte e acesso temos R$ 71 bilhões, de acordo com documento da agência;
falamos de redes implantadas em todo o território nacional e suas obras de
engenharia civil.
Importante destacar que já há dois anos que a tecnologia G.FAST está homologada
pela União Internacional das Telecomunicações – ITU-T G.9700 e G.9701, aprovado
em 04 Abril de 2014. Esta tecnologia permite a associação das redes de par de
cobre com fibra ótica para provimento em banda larga de alta capacidade (https://en.wikipedia.org/wiki/G.fast).
Ou seja, estamos falando de redes de valor fundamental para políticas públicas
voltadas para a inclusão digital. Sendo assim, retirar o regime público para a
exploração dessas redes significará que o Estado estará renunciando ao poder de
regular e fiscalizar que tem hoje.
Merece destaque também que a grande vantagem que se atribuiria às
concessionárias decorre não só da troca em si desses bens pelo compromisso de
investimentos em redes privadas de fibra ótica, mas também do fato de que esses
bens foram avaliados em R$ 108 bilhões, mas o governo fala em R$ 17 bilhões para
a operação.
Ou seja, diante do quadro que se apresenta, nada indica que seja oportuna e
conveniente alterar-se aspectos pontuais da LGT, que representará um improviso
regulatório incapaz de conferir um ambiente seguro para o desenvolvimento de
setor estratégico para o país.
E, mais, considerando as inconsistências regulatórias apontadas pelo TCU como
vimos acima, se o PL traz disposições que pretendem que sejam feitas: a) a
constatação de efetiva competição; b) comprovação do cumprimento de metas de
universalização e c) a apuração do valor econômico do acervo de bens vinculados
às concessões de acordo com metodologia e critérios estabelecidos pelo Poder
Concedente, no caso, a União Federal, a análise desses três aspectos está
prejudicada, de modo que a mudança proposta ocorreria num ambiente de profundo
descontrole.
As propostas do PL 6.789/2013
O PL 6.789/2013 também se propõe a alterar a LGT, com vista a estimular o
desenvolvimento do setor de telecomunicações e novos investimentos.
Sem prejuízo de propostas relevantes pelo aspecto do direito do consumidor, como
é o caso da introdução de dispositivo que veda a alteração unilateral dos
contratos firmados entre usuários e operadoras de telecomunicações, ou as
previsões a respeito dos planos pre-pagos, entre outros, entendemos que no que
diz respeito ao do FUST o PL compromete gravemente os objetivos de
universalização.
A orientação deste PL é principalmente no sentido de liberar as operadoras de
obrigações fiscais e de contribuírem para fundos públicos. O PL introduz
dispositivos na Lei 10.865/2004, isentando as teles de pagarem PIS/PASEP e
COFINS.
Entretanto, sabemos que benefícios fiscais que não estejam associados a
políticas de universalização, não implicam necessariamente em investimentos em
localidades com consumidores com baixa capacidade financeira. O resultado do
RPNBL é prova desta afirmação, na medida em que as empresas privadas
beneficiárias priorizam as áreas com concentração de mercado corporativo e
consumidores com alta renda.
Por outro lado, as propostas deste PL relativas ao FUST não estão em consonância
com o papel que a Constituição Federal atribuiu ao Poder Público com relação às
telecomunicações (art. 21, inc. XI e art. 175).
Isto porque o PL propõe alterações na Lei 9.998/2008, que institui o FUST, para
permitir que este recurso seja liberado também para serviços prestados em regime
privado por meio de subsídios diretos ou indiretos para financiar programas
governamentais voltados a ampliar o acesso às telecomunicações, sem, no entanto,
estabelecer a obrigatoriedade de contrapartidas ou obrigações de
compartilhamento da capacidade das redes privadas implantadas com este recurso.
Porém, considerando que no regime privado não temos garantias para que o Poder
Público defina planos e locais de investimento, a proposta deste PL está
permitindo subsídio direto para aquisição de patrimônio privado, sem garantias
de que os investimentos reverterão para o cumprimento de políticas públicas para
inclusão digital.
Ainda com relação ao FUST este PL estabelece que os percentuais de contribuição
para o FUST serão reduzidos na mesma proporção “da relação entre o total não
aplicado e as receitas” do fundo.
Ou seja, a sociedade será punida pela irresponsabilidade do Poder Público que,
como atestou recentemente o TCU, desde a criação do FUST usou apenas 1% do total
recolhido. Sendo assim, a medida proposta ao invés de compelir o Poder Público a
atuar no sentido de alcançar a universalização, introduz um mecanismo que
desestimula a utilização do FUST.
As propostas da PROTESTE
Como é sabido, o foco no momento das privatizações do Sistema Telebrás foi a
telefonia fixa.
Entretanto, naquela época já se vislumbrava a importância do serviço de
comunicação de dados, como se pode concluir do documento editado pelo Ministério
das Comunicações em 1995, no bojo do Programa de Recuperação e Ampliação do
Sistema de Telecomunicações e do Sistema Postal - PASTE, que já indicava a
necessidade de fortes investimentos em infraestrutura de comunicação de dados de
alta capacidade, capaz de suportar as novas demandas da “Sociedade da
Informação”.
Porém, ocorreu que, desde o processo de preparação para as privatizações,que se
deu pela cisão parcial da Telebrás e a criação de empresas controladoras das
concessionárias regionais (Decreto 2.546, de 14 de abril de 1998), o setor das
telecomunicações mergulhou num caminho de perda pelo Estado de seu papel de
titular das redes e dos serviços de telecomunicações, de indutor das políticas
públicas e definidor da destinação e aproveitamento das infraestruturas e redes
públicas, que são e sempre serão patrimônio da sociedade brasileira, no sentido
mais lato deste conceito, nos termos do que está expresso no inc. XI, do art. 21
e arts. 174 e 175 da CF.
A LGT estabeleceu dois regimes de prestação de serviço: público e privado, de
acordo com os quais apenas os serviços prestados em regime público estariam
sujeitos à obrigações de universalização e continuidade, bem como que apenas a
telefonia fixa seria tratada sob o regime público.
Em virtude desta opção regulatória, o Poder Concedente perdeu a possibilidade de
estabelecer metas de universalização e de continuidade para serviços que são
essenciais e estratégicos, como é o caso do serviço de comunicação de dados
(art. 69, LGT).
Entretanto, a Constituição Federal não diz em momento algum que o Estado poderia
abrir mão de sua atribuição de garantir a continuidade de serviços públicos.
Vejamos, nesse sentido, o que dispõe o art. 175, da Constituição Federal (CF):
“Art. 175. INCUMBE AO PODER PÚBLICO, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PÚBLICOS.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços
públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as
condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
Um bom exemplo para demonstrar a inconveniência de se retirar obrigações de
universalização e continuidade dos serviços prestados em regime privado é a
telefonia móvel que, apesar de possuir mais de 270 milhões de linhas
habilitadas, ainda há localidades sem acesso ao serviço – cobertura de sinal,
justamente por não terem sido impostas para as operadoras metas para a expansão
das redes.
A despeito de a LGT permitir que, no caso de serviços prestados em regime
privado, os agentes econômicos não estejam submetidos à obrigação de
universalização e continuidade, o certo é que determinou também e de forma
expressa no art. 65 que:
“Art. 65. Cada modalidade de serviço será destinada à prestação:
I - exclusivamente no regime público;
II - exclusivamente no regime privado; ou
III - concomitantemente nos regimes público e privado.
§ 1º Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de
serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres
de universalização”.
Devemos, então, interpretar a LGT de acordo com a CF. Assim, se a CF determina
que a LEI disporá sobre a organização dos serviço e a LGT nos garantiu que,
tratando-se de serviços de interesse social e essenciais, as garantias de
universalização e continuidade sempre estarão presentes, e, portanto,
necessariamente os serviços que são essenciais já deveriam ter sido incluídos no
regime público, por meio de decreto, como está previsto no art. 18, inc. I, da
mesma LGT.
Nesse sentido, importante ressaltar que o art. 207, da LGT, já determina que o
serviço de comunicação de dados fosse contratado por meio de concessão, a
despeito do que constou no art. 64, de acordo com o qual apenas a telefonia fixa
e suas respectivas modalidades estariam sujeitas regime público:
Art. 207. No prazo máximo de sessenta dias a contar da publicação desta Lei, as
atuaisprestadoras do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do
público em geral,inclusive as referidas no art. 187 desta Lei, BEM COMO DO
SERVIÇO DOS TRONCOS E SUAS CONEXÕES internacionais, DEVERÃO PLEITEAR A CELEBRAÇÃO
DE CONTRATO DE CONCESSÃO, que será efetivada em até vinte e quatro meses a contar
da publicação desta Lei”.
O serviço de troncos, por meio do qual se operava a comunicação de dados deveria
ter sido contratada por meio de concessão. Porém, literalmente nas vésperas da
privatização do Sistema Telebrás – 27 de julho de 1998, foram assinadas com as
concessionárias do STFC autorizações do SRTT – Serviço de Rede de Transporte de
Telecomunicações que, posteriormente a edição da Resolução 272/2001, migraram
para autorizações do Serviço de Comunicação Multimídia.
Estas autorizações violaram não só o art. 207, mas também o art. 86, da mesma
LGT, que, até a edição da Lei do SEAC – 12.485/2011, proibia que as
concessionárias do STFC prestassem outros serviços além do que configurava o
objeto da concessão.
De qualquer forma e considerando que o mercado assim se desenvolveu durante
todos estes anos, merece destaque o que está disposto no § 1º, do art. 9º, da
CF, estabelecendo que:
“A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o
atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”.
Isto porque, em abril de 2014, foi editada a Lei 12.965, por meio da qual se
institucionalizou o Marco Civil da Internet, cujos arts. 4º e 7º, estabelecem o
seguinte:
“Art. 4º. A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:
I - do DIREITO DE ACESSO À INTERNET A TODOS;
“Art. 7º. O ACESSO À INTERNET É ESSENCIAL ao exercício da cidadania, e ao
usuário são assegurados os seguintes direitos”.
Claro, então, que os dois dispositivos legais transcritos acima impõem aos
Poderes Públicos formulação e implantação de políticas públicas que atendam o
direito de universalidade e o caráter essencial do serviço de conexão à
internet.
Sendo assim, se o serviço de conexão à internet é essencial e deve ser
universal, a infraestrutura que lhe dá suporte deve ser tratada de modo a
garantir o cumprimento das finalidades legais e, portanto, se até 2014 se
questionava a extensão do regime público para o que se denomina de “banda larga”
(= comunicação de dados – art. 69, LGT, ou SCM – Resolução 614/2013), hoje não
se pode mais questionar esta alternativa.
Isto porque, no atual modelo estabelecido pela LGT, o Poder Público tem poderes
limitados quanto aos serviços prestados em regime privado e, mais, estes
serviços não podem estar sujeitos a obrigações de universalização, nem a
controle tarifário; e as propostas de lei em questão tornam ainda pior essa
situação.
Por conseguinte e partindo da conclusão de que o foco do Poder Público, pelas
razões expostas acima, deve estar voltado para o serviço de comunicação de dados
(=banda larga, denominado pela ANATEL de SCM), o Poder Executivo deve estender o
regime público para a implantação de infraestrutura de suporte para a conexão à
internet.
Especialmente porque este é o caminho que respalda a aplicação de recursos
públicos para novos contratos de parceria com a iniciativa privada,
especialmente os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (FUST), que hoje arrecada aproximadamente R$ 2,5 bilhões por
ano.
Outra vantagem decorrente do caminho acima apontado é não depender do tempo e
incertezas relativos ao processo legislativo no Congresso Nacional, de modo a
viabilizar a universalização da banda larga a curto prazo.
A Campanha Banda Larga é um Direito Seu!, em 2013 submeteu documento ao
Ministério das Comunicações, contemplando de forma detalhada as orientações
apontadas acima, propondo resumidamente, sem prejuízo de todos os termos e
garantias dos contratos de concessão do STFC hoje em vigor, com termo previsto
para 2025:
- a regulação por camadas: infraestrutura, serviços e aplicações; a aplicação do
art. 65, da LGT, possibilitando investimentos públicos;
- celebração de novos contratos de concessão par implantação de redes de
transporte (backbone e backhaul) para serem comercializadas principalmente no
atacado, em localidades em que não haja competição por falta de interesse dos
agentes econômicos, que devem estar sujeitas ao regime público, com a capacidade
reservada prioritariamente para políticas públicas de inclusão digital, sem
feriado regulatório;
- atuação da Telebrás como indutora e gestora das redes públicas integrando os
pequenos provedores.
Regime privado x regime público
Não questionamos que seria conveniente e necessária a revisão do modelo, mas não
neste momento de vulnerabilidade política, posto que a mudança necessária
demanda debates e aprofundamento que não conseguiremos neste cenário.
Entendemos que as mudanças se fazem necessárias especialmente por conta de dois
elementos estabelecidos com a LGT e que, ao nosso ver, são extremamente
prejudiciais para o desenvolvimento do setor e garantia de universalização num
país com as características sócio econômicas do Brasil, quais sejam:
- existência de regimes público e privado (art. 65, LGT);
- impedimento de subsídios cruzados (§ 2º, do art. 103, da LGT).
Como vimos acima, os serviços de telecomunicações são atribuição exclusiva da
União e, por isso, são considerados públicos. Sendo assim, o fato de existir um
regime que abrange serviços sobre os quais o poder regulatório é limitado, em
certa medida fere a previsão constitucional de acordo com a qual “incumbe ao
Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação do serviço público”.
Os efeitos da aplicação do modelo de dois regimes se mostraram prejudiciais para
a sociedade como um todo. Veja-se que, a despeito de haver no Brasil
aproximadamente 270 milhões de linhas móveis (Serviço Móvel Pessoal), mais de
75% delas opera no sistema pré-pago, com uma média mensal de recarga de R$ 7,00
(sete reais) fora impostos, na medida em que o preço ainda é muito alto para o
padrão de renda da maioria da população brasileira.
Além disso e como consequência, o tráfego de voz na rede móvel, de acordo com
pesquisas, é um dos mais baixos do planeta.
Os dados a respeito do serviço de conexão à internet também não são animadores,
seja pela qualidade, pelo preço e pela penetração da respectiva infraestrutura,
como demonstram os dados de 2014, publicado pelo Núcleo de Informação e
Coordenação do Ponto BR – NIC.br.
De acordo com a TIC Domicílios de 2014, quando trata dos motivos para não se ter
internet nos domicílios: “mostra-se que a relevância dos fatores de custo está
intimamente associada à renda. Fatores de acessibilidade de custo foram citados
por mais da metade dos respondentes que se encontram na base da pirâmide de
renda, chegando a zero para aqueles que se encontram no topo. (...)
Curiosamente, a disponibilidade tem relação inversa com a renda, o que indica
que a cobertura continua sendo um desafio mesmo em mercados com grande potencial
de demanda” (pág. 65).
De acordo com o Relatório da ANATEL sobre a qualidade da banda larga fixa,
relativo ao primeiro semestre de 2015, o desempenho das empresas vem caindo
significativamente de 2012 para cá, a despeito do crescimento do número de
acessos fixos contratados. Veja-se:
Pelo aspecto da penetração da infraestrutura, levantamento feito pelo NIC.br com dados de 2015 mostra que incentivos fiscais, como o REPNBL (regime especial para recolhimento de tributos para investimentos em fibra associados ao plano nacional de banda larga), por exemplo, voltado para a implantação de redes de fibra ótica, isolados e desassociados de políticas públicas visando garantir o acesso pelos cidadãos não são eficientes. Veja-se o mapa de velocidade de provimento, que revela a existência de implantação de redes de fibra ótica:
Ou seja, o regime privado é altamente benéfico para as operadoras de serviço,
pois as libera de obrigações de universalização e continuidade e do controle do
preço por meio de tarifas. Porém, é extremamente limitador para o poder
regulatório por parte do Poder Público e um empecilho para a democratização das
telecomunicações, especialmente dos serviços de dados, como se pode concluir do
mapa acima.
Por outro lado, de acordo com o mesmo levantamento do NIC.br, as infraestruturas
– redes de transporte e acesso – associadas aos contratos de concessão do STFC,
cujas principais metas de universalização estão cumpridas desde dezembro de
2005, estão distribuídas de forma democrática por todo país, com exceções a
algumas localidades de áreas rurais, servindo, inclusive, de suporte para
conexão à internet em quase 50% dos acessos fixos (pág. 323).
Este fato certamente se deve ao regime público, pois haviam metas de
universalização fortes para serem cumpridas de julho de 1998 a dezembro de 2005,
como condição para que as concessionárias pudessem prorrogar os contratos de
concessão, o que de fato ocorreu com a assinatura dos novos contratos vigorando
até dezembro de 2025.
Subsídios Cruzados
Como já foi dito acima, a LGT proíbe subsídios cruzados entre modalidades de
serviços, o que, de acordo com nosso entendimento, associado à existência dos
regimes público e privado, é extremamente prejudicial para a democratização dos
serviços de telecomunicações.
Isto porque, a despeito de serem proibidos os subsídios, o certo é que um volume
robusto da receita resultado da exploração do STFC – especialmente a assinatura
básica – foi utilizado em investimentos em infraestruturas que servem de suporte
para outros serviços prestados em regime privado.
De acordo com o teor de Nota Técnica
427/PBCPD/PVCPC/CMLCE/PBCP/CMLC/SPB/SPV/SCM, emitida pela ANATEL em 05 de
dezembro de 2008, com objetivo de instruir o processo de revisão do Plano Geral
de Outorgas, por conta da incorporação da Brasil Telecom pela OI:
Quanto aos
investimentos, pode-se depreender do gráfico abaixo que os investimentos no
serviço local tiveram seu pico no ano de 2001 e vêm mantendo um nível estável,
em torno de 2 bilhões de reais por ano (provavelmente para manter o nível de
operação).
A modalidade Longa Distância vem tendo investimentos decrescentes Além disso, o
gráfico evidencia um comportamento de tendência, no limite, a zero.
Por outro lado, verificamos que os investimentos em Dados tiveram seu montante
mais expressivo no ano de 2005, o que evidencia uma expansão do serviço prestado
em regime privado nos últimos anos.
É possível, ainda, inferir, a partir dos dados disponíveis abaixo, que o
montante global de investimentos realizados no serviço de Dados corresponde a um
percentual de 80% do total de investimentos realizados na Concessão Local, fato
que indica que grande parte dos resultados das empresas foi utilizada no
"financiamento" de um serviço prestado em regime privado
Isto pode ser corroborado pela crescente número de acessos compartilhados ADSL
que, nas empresas envolvidas na operação, crescem a uma taxa média anual de
36,8% desde 2004.
Ou seja, apesar de proibidos, os subsídios ocorreram e continuam a ocorrer, com
prejuízos duplos para os consumidores, pois ficam impedidos de compartilhar dos
ganhos decorrentes da exploração do único serviço prestado em regime público,
com a implementação da modicidade tarifária, nos termos do § 2º, do art. 108, da
LGT, que dispõe:
“Art. 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos
contratos de concessão, observando-se, no que couber, a legislação específica.
§ 2º Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os
ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos
serviços bem como de novas receitas alternativas”.
Por outro lado e considerando que o regime privado impede o estabelecimento de
tarifas para a exploração dos serviços a ele sujeitos, o Poder Público perde o
poder de garantir que os ganhos resultantes da exploração do STFC revertam em
redução dos preços dos outros serviços prestados em regime privado.
Essa situação se agravou e ficou ainda mais injusta com a convergência de
serviços sobre mesma plataforma tecnológica e a falta por parte da ANATEL e do
Ministério das Comunicações de promoverem de forma efetiva medidas tais como a
separação funcional ou estrutural, bem como o unbundling.
E, pior, sem que a agência tenha cumprido o que consta do Decreto 4.733/2003,
determinando que, a partir de janeiro de 2006, as tarifas, tanto as de atacado
quanto as do varejo, deveriam estar orientadas pelo custo. O Modelo de Custos só
foi realizado em 2014; porém, a ANATEL afastou sua aplicação para 2019, em
prejuízo ilegal e injusto para toda a sociedade brasileira.
Também a edição da Lei 12.485/2011 interferiu de forma considerável neste
quadro, na medida em que alterou o art. 86 da LGT, derrubando a restrição de que
as concessionárias só poderiam prestar o serviço objeto da concessão, em razão
do que as concessionárias passaram a unificar a operação de todos os serviços em
um único CNPJ, piorando a possibilidade de se identificarem os custos e
respectivas receitas de cada um dos serviços, a fim de verificar se os subsídios
cruzados proibidos por lei estariam ou não ocorrendo.
É este quadro de descontrole dos custos e preços decorrentes da exploração dos
serviços por parte da ANATEL e o fato de que, independente do regime, todos os
serviços de telecomunicações são públicos devendo o Estado garantir o seu acesso
que nos leva à seguinte conclusão:
NUM CONTEXTO DE REVISÃO DO MARCO REGULATÓRIO DAS TELECOMUNICAÇÕES, ENTENDEMOS
QUE:
A) DEVE SER EXTINTA A PREVISÃO DE DOIS REGIMES, PASSANDO TODOS OS SERVIÇOS A
SEREM REGULADOS COM MAIS OU MENOS OBRIGAÇÕES A DEPENDER:
I) DO GRAU DE ESSENCIALIDADE QUE REPRESENTEM PARA A SOCIEDADE;
II) DAS CARACTERÍSTICAS DA LOCALIDADE ONDE SERÃO EXPLORADOS; SE HÁ OU NÃO OFERTA
DE INFRAESTRUTURA, COMPETIÇÃO E INTERESSE ECONÔMICOS DOS OPERADORES PRIVADOS;
III) DA NATUREZA DOS RECURSOS UTILIZADOS PARA SUA IMPLANTAÇÃO – SE PÚBLICOS OU
PRIVADOS.
B) DEVE SER AFASTADO O IMPEDIMENTO DE SUBSÍDIOS CRUZADOS, COM O ESTABELECIMENTOS
DE REGRAS E ATRIBUIÇÃO PARA O REGULADOR DE ESTABELECER E REGULAR TARIFAS
CONSIDERANDO OS SUBSÍDIOS.
C) DEVEM SER ESTABELECIDAS OBRIGAÇÕES DE COMPARTILHAMENTO DAS REDES IMPLANTADAS
NO BOJO DE NOVOS CONTRATOS (CONCESSÃO OU AUTORIZAÇÃO), COM A PREVISÃO EXPRESSA
DE QUE SUAS CAPACIDADES DEVEM ESTAR PRIORITARIAMENTE VOLTADAS PARA O CUMPRIMENTO
DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO DIGITAL.
Porém, diante do cenário político, entendemos que o melhor seria aplicar o que
já existe na LGT, estendendo-se o regime público para a infraestrutura de banda
larga, com a liberação dos recursos do FUST para investimentos voltados para a
universalização do acesso à internet e para a democratização das comunicações.
Flávia Lefèvre Guimarães