José
Roberto de Souza Pinto
ComUnidade
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Fevereiro 2007 Índice dos assuntos
Fevereiro 2007
• O Brasil dos anos 50 e o Plano de Metas do governo JK - por Jose Roberto de Souza Pinto
Na década de 50, pouco antes do período do
Governo de Juscelino Kubitscheck, a Comissão Econômica para a América Latina –
CEPAL, realizou um abrangente estudo sobre os paises sub-desenvolvidos da
Região, mapeando os principais aspectos que diferenciavam os paises ricos dos
pobres.
Deste diagnóstico pode-se concluir que o sub-desenvolvimento era fruto; das
trocas desiguais realizadas entre os paises pobres e ricos e do mercado interno
pouco desenvolvido.
Estudos precursores na década de 40 e no período de 1951 à 1953, ainda no
Governo Vargas, realizados por uma Comissão Mista Brasil – Estados Unidos da
América, já apresentavam os entraves do crescimento econômico do país. A CEPAL
assim como o Banco de Desenvolvimento Econômico ( BNDE ) indicavam os pontos de
estrangulamento da economia brasileira, tratando-os como setores críticos que
impediam um adequado funcionamento da economia.
O Brasil a aquela época, um país que tinha a sua economia sustentada em bens
primários, uma agricultura pouco desenvolvida e centrada principalmente no
cultivo, produção e exportação de café, produto este que perdia valor no mercado
externo.
A partir desta constatação, surge o Plano de Metas, resultado da analise
pragmática do capitalismo brasileiro, que visava uma mudança substancial na
estrutura produtiva do pais, deslocando o eixo da economia para a produção de
bens duráveis.
O Plano de Metas, esboçado um pouco antes da posse de JK, por uma equipe do BNDE,
procurava superar estes obstáculos estruturais. A principal característica deste
Plano, é que as metas deveriam ser estabelecidas e implementadas de forma
harmônica entre si, de modo que os investimentos em uma área refletissem
positivamente de forma dinâmica nas outras.
Destacados economistas dentre eles Celso Furtado e Aníbal Pinto, além de outros
como Jose Serra, Conceição Tavares e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
participaram desta formulação.
O Plano de Metas concentrado na produção de bens duráveis buscava atingir o
mercado de massas, a classe média do pais. Focado na industria de
eletrodomésticos e na automobilística, como carro chefe, visava atrair
investimentos nestes setores, dado o potencial de geração de fornecedores,
contribuindo para a criação de um mercado de trabalho e renda para a população.
A importância desta articulação na implementação do Plano foi confirmada quando
em 1 de fevereiro de 1956, na sua primeira reunião ministerial, JK criou o
Conselho do Desenvolvimento, que coordenaria o detalhamento e a execução do
plano, sendo nomeado o Presidente do BNDE, para secretário executivo do
conselho.
Destaque cabe lembrar que a época o setor industrial era o setor dinâmico da
economia mundial e em particular nos paises desenvolvidos.
Portanto o Brasil, com sua economia baseada no café ficava refém dos paises
industrializados, e perdendo a possibilidade de barganhar com os preços dos seus
produtos.
O Plano de Metas abrangia cinco setores básicos da economia e inicialmente 30
metas, depois 31, com a inclusão da construção de Brasília, como Capital do
país.
Os setores de energia, transportes e industria de base, foram os que receberam
mais recursos totalizando 93% dos recursos alocados no Plano. Outros setores
como alimentação e educação, basicamente foram esquecidos.
Uma das premissas do Plano, é que o Estado Brasileiro assumiria o papel de
empreendedor, investindo na infra-estrutura necessária para viabilizar o Plano.
Esta infra-estrutura envolvia, energia, siderurgia, estradas e comunicações.
Claramente uma solução de redução da pobreza fundamentada nos princípios do
capitalismo, onde investimentos geram empregos, renda e consumo, propiciando um
circulo virtuoso conforme preconiza Adams Smith.
Com o slogan 50 anos em 5, todos os sonhos eram possíveis, extremamente
ambicioso o Plano dava a dimensão da mudança que se buscava, um salto
qualitativo para a sociedade brasileira, alterando e modernizando a oferta
agregada de produtos e sua matriz produtiva.
Metas audaciosas foram alcançadas, como a do crescimento da industria de base,
que foi praticamente de 100% em 5 anos.
Ao final dos anos de JK, os avanços alcançados são indiscutíveis em termos de
crescimento econômico do país, entretanto a maior parte das críticas são
dirigidas à origem deste capital, basicamente estrangeiro, que desequilibrou a
política monetária, gerando um aumento expressivo na inflação.
O quadro a seguir indicava o volume de investimentos em bilhões de Cr$ e milhões
de US$ no período de 1957 – 1961, por setor:
|
Produção
Interna Cr$ |
Importação US$ |
Importação Cr$ * |
Total Cr$ |
%
|
Energia | 110,0 | 862,2 | 69,0 | 179,0 | 42,4 |
Transportes | 75,3 | 582,6 | 46,6 | 121,9 | 28,9 |
Ind. Básica | 34,6 | 742,8 | 59,2 | 93,8 | 22,3 |
Alimentação | 4,8 | 130,9 | 10,5 | 15,3 | 3,6 |
Educação | 12,0 | - | - | 12,0 | 2,8 |
Total | 236,7 | 2318,5 | 185,3 | 422,0 | 100,0 |
* Cerca de 70% valor adquirido em cruzeiros
era de material importado.
Fonte: Conselho do Desenvolvimento ( 1959 )
Estes investimentos tinham como principais metas, elevar a capacidade de geração
de energia elétrica de 3,2 milhões de Kw em 1955 para 5,2 milhões de Kw em 1960,
dar inicio as obras de expansão da capacidade energética com mais 3,6 Kw para o
próximo período de 1961-1965, aumentar a produção de carvão de 2,1 milhões de
ton. para 3,1 milhões de ton. no período 1955-1960, na área de petróleo,
aumentar a produção para 6.000 barris / dia em 1960, aparelhamento e expansão de
ferrovias com a construção de 3.110 km , construção de 13.000 km de rodovias e
pavimentação de 5.800 km, elevar a produção de aço bruto de 1,2 milhões de ton.
para 2,3 milhões em 1960 e iniciar as obras na planta de siderurgia para atingir
3,5 milhões de ton. em 1965, aumentar a produção de cimento de 3,6 milhões ton.
para 5 milhões em 1960.
Na industria automobilística, as metas eram de instalar a industria e produzir
em 1960, 170.000 veículos com índice de nacionalização de 90% em peso para
caminhões e caminhonetas e 95% para automóveis. Na industria mecânica e de
material elétrico pesado, o plano especificava os sub-setores que deveriam ser
incentivados.
Educação e alimentação com valores inexpressivos, conforme consta da tabela de
investimentos previstos, realmente não faziam parte das prioridades do Plano de
Metas de JK.
Ao setor público coube a responsabilidade pelos investimentos na
infra-estrutura, com cerca de 50% do valor previsto para os investimentos, os
fundos privados entrariam com 35% e o restante viria de Agências Públicas, para
os programas públicos e privados.
Desta forma, o Estado passou a ter sob seu controle a produção de aço, através
das três maiores usinas do país, CSN, COSIPA e USIMINAS, a produção e o refino
de Petróleo através da PETROBRAS, a produção e exportação de minério de ferro
através da Companhia VALE DO RIO DOCE, e a soda caustica através da Companhia
Nacional de Álcalis. No campo da energia as Companhias CHESF e FURNAS, no
transporte através da Rede Ferroviária Federal, na navegação o Loyde Brasileiro
e a Companhia de Navegação Costeira, e as rodovias na sua construção e
gerenciamento através do DNER e dos DERs. Não resta dúvida que o setor público
aumentou substancialmente o seu espaço de atuação, exercendo também um controle
sobre o crédito, através do Banco do Brasil e sobre a comercialização de vários
produtos de exportação, tais como café, cacau, açúcar, borracha e sal entre
outros, com instituições governamentais especialmente criadas para tal.
Os números investidos, não escondem o grande volume de importações, indicando um
déficit crescente na balança de pagamentos neste período de 1955 a 1960.
Com estes dispêndios realizados pela União, e nenhuma reforma tributária para
suportar os gastos, e como não tinha outra forma para financiar este déficit, só
restou a emissão de moeda.
Lessa ( 1981 ) - citado no livro A ORDEM DO PROGRESSO, destaca que a política
econômica implícita no Plano de Metas de JK estava sustentada em 4 peças
básicas: 1) tratamento preferencial para o capital estrangeiro; 2) o
financiamento dos gastos públicos e privados através da expansão dos meios de
pagamento e do credito bancário, respectivamente, tendo como conseqüência fortes
pressões inflacionárias; 3) a ampliação da participação do setor público na
formação de capital; 4) o estímulo à iniciativa privada.
O estimulo aos investimentos privados, talvez tenha sido um dos maiores já
observados, pois para os bens produzidos no país tínhamos uma reserva de
mercado, orientada pela política cambial e pela lei de similares. Esta lei
garantia a exclusão de produtos da pauta de importações, caso a produção interna
fosse em volume e qualidade suficientes para atender à demanda. Industria
automobilística e naval, por exemplo, tinha garantia de cambio preferencial para
a importação de todos os equipamentos necessários para a sua produção. O BNDE e
o Banco do Brasil supria de recursos de longo prazo a juros baixos com
pagamentos com carência, o que redundava em pagamento de taxas de juros
negativas, em função da conjuntura inflacionária. O BNDE, também avalizava os
empréstimos contratados por estas empresas privadas no exterior, totalizando no
período até 1960 um valor de US$ 890 milhões, sendo 40% deste destinado as
industria de base.
O Brasil cresce no período de 1957-1961 a uma taxa anual de 8,2% , medida pelo
PIB, e a inflação média atinge 22,6%. As expectativas de exportação ficaram
muito aquém, o café estagnou e os preços caíram constantemente, a capacidade de
importar ficou reduzida, e o resultado, foram déficits na balança de pagamentos
de US$ 176 milhões em média no período, apesar dos ingressos de capitais de
longo prazo.
Ao analisarmos os resultados deste Plano, em um período mais longo, não resta
dúvida dos benefícios gerados para a sociedade, sob o enfoque de mudança desta
matriz produtiva. A construção de Brasília e o deslocamento da Capital do país
constituíram-se em um dos resultados do Plano de grande êxito, pois visava,
realizar a integração norte-sul, ao mesmo tempo em dava-se inicio a ocupação da
faixa não litorânea do país. Entretanto cabe destaque os aspectos danosos
observados durante a sua execução, como veremos a seguir.
O principal fator de insucesso do Plano de Metas foi que a demanda não
acompanhou a oferta dos produtos, faltou renda para a população comprar os
produtos, e este fato se deveu as características da planta produtiva instalada,
que era intensiva em capital, em tecnologia e pouco geradora de mão obra,
empregos. Se nos aprofundarmos nesta questão, vamos verificar, que a tecnologia
empregada na produção requeria uma mão obra especializada, o que o país não
tinha disponível naquele momento. Portanto a geração de empregos que se esperava
não ocorreu, e mais, não gerou o incremento na renda que era fator importante
para aumentar o consumo, criando aquele circulo virtuoso. Observasse também que
a planta industrial instalada, era basicamente importada, conforme podemos
observar no quadro de investimentos, o que era razoável em função da não
existência de um parque industrial no país no nível de sofisticação necessário a
época para a produção de automóveis e eletrodomésticos, aço entre outros. Este
fato gerou um acréscimo nas nossas importações de produtos com reflexos na
dívida externa brasileira, que acumuladas com outras iniciativas ao longo dos
últimos anos e taxas de juros internacionais, só foram pagas recentemente.
A geração dessa nova matriz produtiva, com a implantação de industrias nas
periferias dos grandes centros, e em particular São Paulo Capital, teve reflexos
no êxodo rural, pela expectativa de empregos que foi gerada, fazendo com que as
famílias do campo se deslocassem para os grandes centros gerando um excesso de
oferta de mão de obra, que se materializou em baixos salários para os que
afortunadamente conseguiam um emprego.
Retornando ao conjunto estudado a época, diagnostico da situação do pais e Plano
Metas elaborado pela CEPAL e BNDE, destacamos a criação de uma Agenda Econômica,
um Pós Plano, que continha itens de ação, tais como: expectativas para estimular
a demanda, a reforma agrária, a reforma bancária e a reforma educacional.
Em cada um destes itens buscavam-se ações para garantir a viabilidade do Plano,
seja na reforma bancária onde a facilidade do crédito era o instrumento para
ampliar a aquisição de bens duráveis, contribuindo para a geração de demanda, na
reforma agrária conforme pensada a época visava à manutenção do homem no campo e
a geração de renda e de alimentos, ou na reforma educacional com metas para
reduzir o nível de analfabetismo. Sobre a questão educacional, se compararmos o
Brasil daquela época com os paises industrializados verificamos, uma enorme
disparidade, enquanto estes paises tinham atingido a universalização da educação
no fim do século XIX, ou seja, vencido a barreira do analfabetismo, o Brasil na
metade do século XX, apresentava uma taxa de analfabetismo na faixa de 40%.
Sobre os resultados do Plano de Metas, observamos um baixo nível de realização,
quando comparamos as previsões com as realizações, o único destaque, foram as
rodovias que superaram o estabelecido no Plano em 38%.
O quadro de resultados para o período de 1957 a 1961 é apresentado a seguir:
Previsão |
Realização |
% |
|
Energia Elétrica ( 1.000 Kw ) | 2.000 | 1.650 | 82 |
Carvão ( 1.000 ton. ) | 1.000 | 230 | 23 |
Petróleo–Produção (1.000 barris/dia) | 96 | 75 | 76 |
Petróleo-Refino (1.000 barris/dia) | 200 | 52 | 26 |
Ferrovias (1.000 km) | 3 | 1 | 32 |
Rodovias-Construção (1.000 km) | 13 | 17 | 138 |
Rodovias-Pavimentação (1.000 km) | 5 | - | - |
Aço (1.000 ton.) | 1.100 | 650 | 60 |
Cimento (1.000 ton.) | 1.400 | 870 | 62 |
Carros e Caminhões (1.000 unid.) | 170 | 133 | 78 |
Nacionalização (carros) (%) | 90 | 75 | - |
Nacionalização (caminhões) (%) | 95 | 74 | - |
Fonte: Banco de Brasil, Relatório e Anuário
Estatístico, vários anos.
Entretanto fruto do encerramento do mandato de JK, com a eleição de Jânio
Quadros e sua inesperada renúncia, criou-se um uma situação de instabilidade
Política no país, quando João Goulart assume o poder. O regime muda de
presidencialismo para parlamentarismo por curto período, visando agregar as
forças políticas democráticas, na tentativa de se manter a democracia no país,
mas que finalmente foi superado pelo golpe de 64, que redundou numa ditadura por
cerca de 20 anos.
A verdade é que apesar da continuidade de vários projetos na infra-estrutura do
país, pelos Governos Militares com um viés de segurança nacional, foi assim no
plano energético, com a construção de grandes hidroelétricas, nas estradas de
integração do Norte ao Sul do país, nos investimentos em Petróleo, Siderurgia, e
Telecomunicações. Entretanto a Agenda Pós Plano que era o instrumento para
gestão e ajustes de viabilização do Plano, não foi mantida ou pelo menos
considerada, acredito eu por razões políticas, e mais ainda pela a falta de
competência dos governantes que estavam no poder que tinham uma formação
estritamente militar.
Fruto desta dês-coordenação, e eventualmente motivada por outros fatores que não
o bem estar da sociedade, do ponto de vista econômico o que se destaca a partir
deste momento é a acelerada escalada inflacionária, que veio acompanhada logo a
seguir de inúmeras tentativas artificiais de controle inflacionário, através de
planos econômicos sem sucesso, só sendo equacionado o problema no final da
década, a partir do Plano de Estabilidade Econômica do Governo Itamar Franco.
Conseqüências outras diversas podem ser pontuadas pela não existência de uma
agenda econômica compatível com a industrialização do país, mas merece destaque
a questão do crescimento populacional, que saltou dos 50 milhões em 1950, para
120 milhões em 1980 e hoje atingimos os 180 milhões. Este gigantesco
crescimento, concentrado nos lares de baixo poder aquisitivo, com pais pouco
educado, muitos oriundos do êxodo rural, que buscavam nos grandes centros
melhores oportunidades de vida, deveria ter soado como um alerta, para os riscos
que este desequilíbrio provocaria na sociedade como um todo. Nada menos que o
bom senso indicava que este estrondoso crescimento populacional merecia um
esforço na linha de um programa de educação de massa, combinado com um programa
de planejamento familiar. O resultado de uma não decisão de alinhamento do
desenvolvimento econômico e social com políticas e ações para o desenvolvimento
educacional, mais uma vez, como foi no Plano de Metas de JK que redundou no
insucesso na geração de empregos e renda para a sociedade, continua aí as vistas
claras, que foi a explosão das condições sub-humanas da população com a
proliferação das favelas, o aumento do índice de criminalidade, tudo isso
gerando um incalculável custo para a sociedade, que busca alternativas ainda sem
sucesso para remediar a degradação social que se estabeleceu no país.
Jose Roberto de Souza Pinto
Engenheiro e mestrando em economia empresarial na Universidade Candido
Mendes.
Rio de Janeiro, Fevereiro de 2007.
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