José
Roberto de Souza Pinto
WirelessBrasil
Janeiro 2017 Índice dos assuntos deste website
27/01/17
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Qual é a lógica para um novo modelo de telecomunicações?
- por Jose Roberto de Souza Pinto* (Artigo no Tele.Síntese)
* Jose Roberto de Souza Pinto, engenheiro mestre em economia e consultor
Uma simples pergunta, mas que deveria ser respondida
antes de qualquer tomada de decisão.
Quando as telecomunicações no Brasil viviam em um modelo estatal, foi necessária
uma emenda constitucional, a de número 8, que permitiu abrir o mercado de forma
ampla para a iniciativa privada. Certamente inúmeros estudos e avaliações sobre
o estágio de desenvolvimento do país neste setor, incluindo a necessidade de
capital e novas tecnologias, foram consideradas para aprovação desta emenda
constitucional.
A partir daquele momento o governo desenvolveu e construiu um novo modelo para
as telecomunicações, envolvendo projeto de Lei, que foi conhecido como Lei Geral
de Telecomunicações, a LGT, com a criação da Agência Nacional de
Telecomunicações. Foi elaborado também o processo de privatização das empresas
estatais de telecomunicações e lançadas licitações públicas de vendas de
licenças para novas empresas entrantes no mercado.
Sem dúvida, apesar de qualquer questionamento que possa ser feito sobre o modelo
adotado, cabe registro sobre a qualidade e organização do processo desenvolvido
pelas autoridades do setor à época para se chegar a sua aprovação no Congresso
Nacional.
Mas podemos dizer que tudo isso é passado e algumas críticas podem ser feitas em
relação a seus objetivos e a forma de sua implementação.
Numa breve recordação, o modelo buscava uma situação de baixo nível de
concentração do mercado, e, portanto, foi criada a figura da empresa espelho,
que competiria de imediato com as existentes que teriam sido privatizadas, como
se diz na literatura, as incumbentes que competiriam com as novas entrantes.
Este modelo foi adotado para a telefonia fixa nas suas diversas modalidades,
como local, longa distância nacional e internacional assim como na telefonia
celular, serviço recém lançado no mercado e ainda de pouca representatividade,
se comparado com a telefonia fixa.
Naquele momento em 1997, a comunicação de dados era utilizada basicamente pelas
grandes e médias empresas e o acesso à Internet era um serviço ainda incipiente
no Brasil.
Mas o ponto importante deste comentário é sobre o nível de concentração dos
serviços prestados às demais corporações, fazendo com que grandes grupos
econômicos dominassem o mercado. Podemos dizer que nenhuma das empresas-espelho
sobreviveu, tendo sido absorvidas pelas então “incumbentes”, que dominavam o
mercado com a sua rede de telecomunicações já instalada e com grande capacidade
de investimentos.
Outro fator de concentração foi o crescimento do serviço de TV por assinatura
que, de certa forma, facilitou a integração com a telefonia fixa e o acesso à
Internet e, a partir de um certo momento com acessos e serviços em banda larga,
e que foi também em grande parte absorvido por esses grandes grupos econômicos.
Certos ou errados a época, tínhamos um modelo a ser perseguido, que serviu para
viabilizar a transição de um modelo estatal para um modelo onde a iniciativa
privada passou a ser responsável pelos investimentos e a prestação dos serviços,
e o Estado assumiu o papel de órgão regulador e fiscalizador, no caso a Agência
Nacional de Telecomunicações – ANATEL, criada por força da mesma Lei, a LGT.
Vamos avaliar agora onde estamos, diante de alteração da LGT, e procurar
identificar qual será a nova lógica e quiçá o modelo que se pretende implantar
com esta modificação.
Duas premissas podemos observar: uma primeira que diz respeito à prioridade para
os serviços de acesso à Internet em banda larga, e a outra é que os serviços de
telefonia fixo (STFC), nas suas diversas modalidades, não são mais essencias, e,
portanto, não cabe mais o regime público, nos termos da LGT, para a sua
prestação de serviço.
Destaca-se também que o STFC, objeto de concessões, só se encerram em 2025.
Portanto, pelas regras atuais, teríamos que esperar mais 9 anos para o
encerramento destes contratos, que por vários fatores, como a competição nos
grandes centros e baixa atratividade comparada com a solução móvel celular,
sofrem já há algum tempo problemas de viabilidade econômica. O STFC, sem sombra
de dúvida, é sustentado pelos demais serviços de telecomunicações prestados
pelas mesmas empresas, o que é uma ilegalidade.
Não resta dúvida de que algo tem que ser alterado neste modelo atual, pois, de
uma forma otimista, podemos dizer que já cumpriu o seu papel, apesar das
inúmeras críticas sobre a sua gestão um tanto temerosa, motivada pela grande
concentração existente e pela falta ou baixo nível de competição e por um grande
número de regiões ainda não atendidas pelos serviços.
Em particular, a qualidade dos serviços prestados é um dos temas que tem
preocupado principalmente os usuários de serviços de telecomunicações e podemos
dizer que todos os serviços de telecomunicações que são prestados estão sem um
nível razoável de qualidade, se comparados com os mesmos serviços em outros
países. Esta afirmação pode ser comprovada ao avaliar o grande número de
reclamações dos usuários, assim como nos recentes relatórios da União
Internacional de Telecomunicações – UIT, sem falar no volumoso processo de
multas aplicadas pela Anatel.
Um outro aspecto de suma importância é a questão que tem sido colocada por
algumas das partes que hoje são contra a aprovação do PLC 79, sem nenhuma base
quanto aos valores envolvidos, porque a alteração do regime de público para
privado poderia provocar perdas do erário público.
Sobre esta questão, temos na realidade uma incógnita, pois as mudanças nos
artigos da LGT não indicam a fórmula de cálculo destes bens ou outra alternativa
de captação de recursos para serem revertidos em investimentos na futura rede de
comunicação de dados ou a sua ampliação, encaminhando esta questão para a Anatel
apresentar os cálculos após a aprovação do projeto. Sem sombra de dúvida uma
situação que será questionada, gerando para todas as partes envolvidas uma
insegurança em relação a estas novas bases e as condições para as empresas que
optarem por encerrar os contratos de concessão.
Existe um grande número de questões que deveriam ser avaliadas antes de alterar
alguns itens da LGT, para tratar um problema específico de mudança do regime de
prestação dos serviços de telefonia do público para o privado e encerrando as
respectivas concessões.
Sem risco de ser criticado, percebo que os comentários sobre o PLC 79 citam a
proposta como a construção de um novo modelo para o setor de telecomunicações, o
que atenta contra a qualidade técnica dos profissionais do setor. Arriscaria
dizer que se trata de um arremedo, sem nenhuma indicação de onde queremos
chegar, e não um novo modelo.
A falta de uma base de sustentação talvez indique uma estratégia que a partir
deste momento as questões serão tratadas pontualmente em cada situação,
transferindo para a Anatel, toda a responsabilidade de realizar as alterações
que considerar necessárias para o pleno e melhor funcionamento das
telecomunicações no país.
Este é um caminho e até pode ser a melhor solução em face da dinâmica existente
nas tecnologias, serviços e aplicações, que são inúmeras e crescentes,
suportadas pelos serviços de telecomunicações.
A questão final que se coloca e que particularmente tenho insistido é sobre as
garantias de continuidade dos serviços e a competição que deve e deveria
proporcionar os ganhos de qualidade e redução dos preços dos serviços para os
usuários.
Uma das formas mais eficazes de obter essas garantias, é efetivamente regular o
mercado no regime atacado, como um dos principais instrumentos para aumentar e
diversificar o número de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações,
criando mais opções de escolha para o consumidor.
Vale ressaltar que o cenário atual e o futuro aponta para as demandas do cidadão
e de toda e qualquer organização produtiva em direção de necessidades crescentes
de capacidade de rede de telecomunicações, que suportam e suportarão novos
aplicativos que fazem parte do dia a dia das pessoas e das organizações,
portanto, toda uma sociedade cada vez mais dependente destes recursos.
Um alerta um tanto óbvio, mas não podemos esquecer sobre os riscos de maior
concentração de mercado, que geram as ineficiências empresariais, já constatadas
nas gigantes organizações, que não tem como competir com as empresas mais
enxutas e ágeis.
A alternativa dos grandes grupos empresariais tem sido a compra do competidor, o
que gera mais concentração e mais empresas não competitivas que não trazem
inovação e ganhos para os usuários de serviços.
A ampliação da desregulação do setor de telecomunicações, caminho que está sendo
trilhado nessas recentes propostas em fase de aprovação, deve ser combinada com
outros instrumentos que garantam a defesa da concorrência e a proteção do
consumidor contra atitudes de domínio de mercado, danosas ao consumidor final.
A permanecer essa estratégia sem um instrumento efetivo de controle previsto em
lei, a tendência será que esses grupos irão se preparar para comprar novas
empresas prestadoras de serviços do tipo OTTs ( Over-the-top), que prestam
serviços ou rodam aplicativos e que surgirão cada vez mais, em função de novas
tecnologias e da insatisfação do consumidor com a atual qualidade e os elevados
preços praticados pelas empresas autorizadas.
Certamente qualquer revisão consistente do atual modelo de telecomunicações
passa por análises mais profundas sobre estes essas tendências, que estão
colocando à prova os modelos tradicionais de telecomunicações.
Portanto, é necessário pensar um pouco mais sobre o que nós realmente queremos
no curto prazo e, nesse caso específico, tratar com a máxima seriedade do regime
de transição, nos mínimos detalhes, para evitar a proliferação de áreas não
atendidas e, principalmente, não chamar o PL 3453 ou PLC 79, de novo modelo de
telecomunicações.