José
Roberto de Souza Pinto
WirelessBrasil
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27/11/20
• Conselho em tempos de 5G: "Não se apequenem" - por Samuel Possebon (artigo do Teletime com comentário de Jose Roberto de Souza Pinto)
Comentário:
Considero um excelente texto do Autor e um excelente posicionamento do
Conselheiro da ANATEL (transcrito mais abaixo, após o artigo).
Não lembro de nenhum posicionamento semelhante, quando do Decreto que alterou o
Plano Geral de Outorgas e permitiu a Fusão de Concessionárias do STFC.
Jose Roberto de Souza Pinto
Leia na Fonte: Teletime
[25/11/20]
Conselho em tempos de 5G: "Não se apequenem" - por Samuel Possebon
Logo após a morte do ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta, em abril de
1998, o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso tornou pública o
que teria sido a última carta do amigo e fiel escudeiro, até então responsável
por uma das principais políticas do primeiro mandato de FHC: a preparação do
processo de privatização do sistema estatal de telecomunicações. Motta concluiu
a carta com uma frase de efeito e forte impacto político: "Não se apequene.
Cumpra seu destino histórico, coordene as transformações do país". Quando a
carta foi escrita, a Anatel não tinha seis meses de existência, a privatização
só aconteceria alguns meses depois, em julho daquele ano, mas o alicerce do
modelo estava estabelecido: o mercado privado seria regulado por uma agência
reguladora, com autonomia técnica e independência do Executivo. Os atuais
integrantes do conselho diretor da Anatel certamente não tinham ideia, em 1998,
que em 2020 a frase de Sérgio Motta poderia lhes soar como um bom conselho. Mas
ela é boa para o momento atual e vale repeti-la: não se apequenem.
É o momento de relembrar ao Executivo e à própria Anatel que a agência é um
órgão de Estado, não de governo. Como regulador, ela cumpre políticas emanadas
pela Constituição, pelas leis e por decretos. Inclusive leis que exigem estudos
de razoabilidade de suas decisões, com análises técnicas e de impactos
regulatórios de suas medidas. A Anatel não deve e não pode decidir com base na
simples vontade do governante de plantão. Pode-se não concordar com esse modelo,
mas a regra que está valendo é essa. Ainda bem.
Ao longo de seus 23 anos, a agência errou algumas vezes ao avançar em
territórios sobre os quais não tinha responsabilidade ou atribuição legal, e
errou feio quando cedeu a pressões políticas ou quando simplesmente boicotou
políticas públicas por discordar delas. Mas também acertou quando deixou de
executar políticas que careciam de fundamento, ou quando eram impostas em
desacordo com o interesse público. A Anatel não foi uma agência perfeita ao
longo dos anos, mas acertou muito mais do que errou e contribuiu para que a
telecomunicações se tornassem, entre os diferentes segmentos de infraestrutura,
aquele que melhor funciona no Brasil.
O que temos agora é um novo momento de teste da agência. A Anatel pode,
obviamente, ser chamada pelo presidente da República para tratar de 5G, como
aconteceu nesta terça, 24. Afinal, se a agência conversa sobre esse tema com
atores do mercado (e não há problema em fazê-lo), o presidente da República tem
o mesmo direito. Mas a coisa começa a ficar estranha quando o ministro das
Comunicações diz que foi "apresentar" o relator da matéria na Anatel ao
presidente Bolsonaro, como escreveu Fábio Faria em seu Twitter. Ficou parecendo
um ritual de aprovação.
Carlos Baigorri é um respeitado servidor de carreira da agência e deu a sorte
(ou azar) de ser o conselheiro que vai relatar o edital de 5G, depois de ter
sido sorteado para este processo, como é público. Baigorri sabe disso, os
leitores da TELETIME sabem disso, o ministro das Comunicações sabe disso, mas os
seguidores do Twitter do ministro e do presidente possivelmente não sabem.
Baigorri fica desnecessariamente exposto, e isso não é bom para um técnico que
precisa apresentar um relatório técnico.
Bolsonaro e seus filhos têm uma teoria na cabeça sobre 5G, China, comunismo,
liberdades individuais, ataques cibernéticos etc. Teoria sem base científica
conhecida. Coisa de Twitter, até que evidências sejam apresentadas (ainda não
foram). Mas é um teoria cuidadosamente potencializada e promovida em
orquestrações comerciais e geopolíticas do atual governo dos EUA. Aparentemente,
estas teorias não têm o respaldo de ninguém mais dentro do governo brasileiro
exceto o ministro de Relações Exteriores e dos ramais mais próximos ao
presidente. Não se tem notícia de estudos técnicos da Economia que respaldem as
teorias compradas por Bolsonaro, das estatais de tecnologia, da Polícia Federal,
de universidades, dos ministérios técnicos, ou mesmo na ala militar ainda
dedicada a estudar assuntos relevantes. Mas isso pouco importa para quem tem a
caneta Bic na mão.
O problema é que teorias como esta, quando levadas a sério, interferem em um
relevante processo de transformação tecnológica do País representado pelo 5G;
interferem no modelo de gestão das telecomunicações, até aqui delegada à livre
iniciativa privada; interferem na credibilidade das agências e demais atores de
Estado (inclusive do ministério); interferem nas perspectivas de investimentos;
interferem nas atuais e futuras relações internacionais, que permanecerão
relevantes quando Bolsonaro não for mais presidente, daqui a dois anos; e
interferem nas condições em que os serviços poderão ser ofertados aos
consumidores. Bolsonaro pode, como presidente, querer interferir em tudo isso,
mas entre querer e conseguir, ainda há um longo caminho.
O obstáculo para o presidente é que, como todos os chefes do Executivo que
vieram depois que o modelo de agências passou a ser adotado no Brasil, Bolsonaro
precisará conciliar suas políticas com a blindagem das autarquias especiais que
regulam alguns mercados.
E, justamente, cabe à Anatel e demais agentes de Estado não se apequenarem,
tecnicamente, diante de possíveis devaneios. Burocracia e excesso de formalismo
são entraves na maior parte dos casos, mas elas existem para momentos como esse,
em que é preciso parar para refletir sobre a razoabilidade de uma ordem
superior. Se o líder do Executivo tem convicção de que é preciso banir empresas
chinesas do 5G no Brasil para supostamente salvar o País comunismo, ele
precisará fundamentar e emanar a sua política formalmente, não por Twitter.
Qualquer decreto precisa ter base legal, qualquer lei precisa ter sustentação
Constitucional, e a Anatel não poderá fazer nada sem base em uma coisa ou outra,
e sem uma cuidadosa análise de impacto regulatório, porque outras leis assim
determinam. Vencidas estas etapas, instâncias e prazos regimentais existem aos
montes e podem ser utilizados, inclusive para novas consultas públicas caso as
decisões da agência tragam impactos regulatórios relevantes. Há quatro
conselheiros para pedir vista do processo e apresentar votos divergentes.
Baigorri não estará sozinho em sua decisão. E o TCU, sempre tão diligente para
olhar se o que o regulador faz é do melhor interesse público, pode se tornar
mais uma instância de análise da razoabilidade das regras. Sem falar no
Congresso e no Judiciário, para onde o debate de 5G certamente será levado se
seguirmos no rumo que está sendo proposto por Bolsonaro.
É inacreditável que se precise chegar a esse tipo de extrapolação de cenário,
que em última instância pode atrasar o 5G no Brasil por anos, com imensos
prejuízos tecnológicos e econômicos. Ainda mais quando o governo deveria estar
diligentemente implementando políticas de transformação digital, fomento à
inovação e cuidando da segurança daquilo que de fato está vulnerável (e não são
poucas as áreas do governo vulneráveis a riscos cibernéticos). Mas a Anatel não
foi criada para implantar políticas públicas de rede social. Espera-se dela que
cumpra seu destino histórico, seu papel legal, e ajude nas transformações do
país com racionalidade e razoabilidade. A agência e demais instâncias de Estado
têm mecanismos para evitar desvarios e teorias da conspiração. Basta querer
usar.“Conselho em tempos de 5G: "Não se apequenem"
Comentário registrado no Portal Teletime:
Carlos Baigorri 25/11/20, 14:15 At 14:15
Oi Samuel,
Você está correto na sua análise quanto ao fato de a Anatel ser uma agência de
Estado que segue os ditames da Constituição Federal, da Lei Geral de
Telecomunicações e dos decretos de políticas públicas.
Entretanto, gostaria de discordar quando você afirma que uma reunião com o
Presidente da República me expõe desnecessariamente. Muito pelo contrário. Para
mim foi uma grande honra e a primeira vez em meus mais de 10 anos na carreira
pública que tive a oportunidade de conhecer o Presidente do Brasil.
Como agência de Estado a Anatel irá sempre se pautar por uma análise técnica,
observando o ordenamento jurídico e não sendo influenciada por redes sociais,
ameaças de embaixadores ou análises da mídia especializada.
Baigorri