José Ribamar Smolka Ramos
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Fevereiro 2006 Índice Geral
28/02/06
----- Original Message -----
From: José de Ribamar Smolka Ramos
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Tuesday, February 28, 2006
12:51 AM
Subject: [wireless.br] All-IP
Parafraseando Shakespeare: All-IP radical ou
gradual, eis a questão...
Creio que todos concordamos que a Internet (para a qual foi
inventado o stack de protocolos de comunicação TCP/IP)
é a coisa mais disruptiva que já aconteceu para os modelos
de negócio já estabelecidos na indústria da comunicação
(jornais, revistas, televisão, rádio, telefone - será que
esqueci alguém?)
Interessante é notar que a própria indústria, alegremente,
gerou no seu interior algo que, agora, é visto como
ameaçador, e que necessita ser controlado, moldado, de forma
a preservar interesses.
Porque o que está em jogo, agora, não é mais a prestação de
serviços personalizados para clientes corporativos, ou a
redução de custos operacionais. Agora é o modo como o
usuário consome o produto, e quais formas de "packaging"
do conteúdo criam percepção de valor, que vão ser afetados.
Os "key players" nesta história são: os consumidores,
os criadores de conteúdo, e os provedores dos canais pelos
quais o conteúdo é entregue ao consumidor. Sobre os
consumidores já falamos um bocado.
A versão curta é: gradual substituição da audiência passiva
por uma audiência ativa, engajada em procurar os conteúdos e
canais de distribuição que melhor lhe convenha - no tempo e
no espaço. Neste cenário (com uma estimativa entre 5 a 10
anos para que ele passe a ser dominante) os métodos atuais
para agregar a audiência em
segmentos perdem a validade. Em termos de marketing, os
métodos de análise de mercado vão ter que evoluir para
entender uma audiência cada vez mais fragmentada, cada vez
mais individual.
A situação dos criadores de conteúdo não é tão ruim, mas
também está longe de ser tranqüila. Os desafios neste nível
são: como criar "packages" de conteúdo (e
publicidade) que consigam atrair e reter a atenção desta
audiência multifacetada? Como sobreviver num ambiente onde
as barreiras de entrada, tecnológicas e financeiras, estão
caindo ao ponto em que, literalmente, cada indivíduo pode
criar seu próprio conteúdo e disponibilizá-lo para o mundo?
Como garantir que o seu direito de autor seja respeitado?
Mas a verdadeira batalha, aquela que estamos vendo somente a
superfície através das notícias, e, das quais, TV digital é
apenas uma entre várias situações semelhantes, é como ficará
o direito de mediar a entrega do conteúdo para os
consumidores. Vou enfatizar: a capacidade de coletar os
dados brutos sobre o comportamento da
audiência, neste contexto de ultra-personalização, vale seu
peso em ouro.
Em alguns segmentos da indústria o modelo de negócio foi
historicamente desenvolvido em torno de um usuário cativo,
porque o canal de acesso ao serviço era exclusivo. No caso
do rádio e da TV, broadcast unidirecional, em faixas de
freqüência que tem de ser obtidas mediante licitação e/ou
concessão do poder público, para receptores dedicados e
passivos. No caso da telefonia (fixa e móvel) foi construída
uma rede especializada, e over-engineered, para o
transporte de apenas um tipo de dados: voz humana. Neste
sentido, a grande diferença entre a posição dos serviços de
rádio/TV e os serviços de telefonia é que as transmissoras
de rádio/TV também são, pelo menos em parte, produtoras de
conteúdo, além de canais de entrega.
O aparecimento das operadoras de TV a cabo criou algumas
mudanças no cenário antigo, mas nada comparado com o que
aconteceu depois. Mas as mudanças posteriores acabaram
posicionando estas operadoras de forma curiosa: hoje elas
são competidoras das empresas de telefonia.
Os verdadeiros agentes de mudança foram as empresas de
telefonia (embora inconscientes de todos os desdobramentos
que viriam). Ao assumirem o papel de provedores de acesso
(que foi inicialmente desempenhado pelos serviços de BBS)
elas entraram em um jogo sem saída: "comoditizaçã" da banda
de passagem. Cada vez mais os usuários acham normal pagar
"flat rate" por bandas de acesso na ordem dos megabits por
segundo. E isso não vai mudar. E a "last mile", que
antes era exclusividade delas, hoje é disputada pelas
operadoras de TV a cabo e provedores de acesso wireless
fixo. E o Wi-Max já está ali na esquina. Portanto, minha
opinião é simples: o acesso à rede continuará sendo tarifado
em regime "flat rate", e o custo para o usuário será
declinante, com bandas disponíveis cada vez mais altas.
Um alerta aqui para as operadoras celulares. Elas ainda
apostam que a mobilidade é um diferencial que permite a elas
fugir da "comoditização" do acesso. Isto não vai durar, por
um motivo simples: muito poucos usuários tem necessidades
reais de acesso que exigem mobilidade, a maioria deles não é
móvel, e sim nômade, e à medida que os demais provedores de
acesso em banda larga conseguem tornar seus serviços mais
ubíquos, quem vai, realmente, estar disposto a pagar um
prêmio pela mobilidade?
E qual é o modelo de negócio dos provedores de conteúdo que
já são all-IP? Simples: cada um se entende
diretamente com seus clientes, e cobra pelos seus serviços
de acordo com o que julgue ser a percepção de valor
atribuída a eles. Se este modelo persistir, as telcos
e celcos estarão no pior dos mundos - vendendo
commodities, onde a única maneira de garantir margens
decentes é através de brutal administração dos custos
operacionais. Isto é o que, popularmente, é conhecido como "entertainment
bypass".
Para ficar ainda mais divertido, considere também o
posicionamento dos fornecedores de equipamentos para a
indústria de comunicações. Durante muito tempo eles tiveram
uma vida confortável, com gordas margens garantidas por um
mercado cativo de clientes. E isto também está mudando, por
pressão dos operadores - que querem cortar no CAPEX e OPEX
do seu negócio, e pela entrada de novos players -
que, tradicionalmente, eram fornecedores de equipamentos
apenas para a área de TI das empresas, e que já perceberam a
possibilidade de aumentar suas margens vendendo para estes
novos clientes.
Falando genericamente, a postura adotada pelos fornecedores
tradicionais é tentar administrar o processo de mudança,
"guiando" as operadoras de acordo com a sua visão de como a
guinada para serviços all-IP deve ocorrer. Isto só
tem tido (relativo) sucesso porque as operadoras tem se
deixado levar. Mas é bom lembrar que o comportamento das
operadoras é extremamente "benchmark-driven". Todo
mundo observa o que as principais operadoras estão fazendo,
e, se algumas das grandes formadoras de opinião (Verizon,
Vodafone, etc.) mudarem de postura, o efeito manada será
inevitável. O que acontece então com empresas como Lucent,
Nortel, Ericsson e assemelhadas?
Basta olhar o processo de "desmanche" que a IBM viveu na
década de 90 do século passado.
A aposta corrente das telcos e celcos, uma vez
que triple-play e quadruple-play viraram
mantras corporativos, gira em torno do IP Multimedia
Subsystem (IMS). Reduzindo ao básico, a proposta do IMS
é ser um "middleware" através do qual as telcos/celcos
podem ofertar aos provedores de conteúdo IP um serviço
terceirizado de autorização
de acesso, autenticação de usuários e tarifação pelo acesso
ao conteúdo (o bom e velho AAA). De quebra - e esta é a
parte elegante da proposta - o IMS torna-se o ponto ideal
para coletar os dados que permitirão às telcos/celcos
prestar serviços de "business intelligence" aos
provedores de conteúdo (e ao mercado publicitário) para que
eles consigam entender o comportamento dos usuários de forma
mais ampla (algo parecido com o que o Wal-Mart inaugurou no
mercado do varejo).
Contam (se é verdade, não sei, mas com dizem na Itália, "si
non é vero, é bene trovatto") que no vestiário da
Seleção Brasileira, antes do jogo Brasil x URSS na copa de
66 (ou 62, sei lá), o Vicente Feola, então técnico da
Seleção, descreveu para os jogadores o que eles deviam
fazer. Fulano ia passar para sicrano, que ia até a linha
de fundo, e ia passar para beltrano, que ia fazer o gol.
Então o Garrincha teria perguntado: "Doutor Feola, a jogada
é boa, mas alguém já combinou com os russos para eles
deixarem a gente fazer isso tudo?"
Em minha opinião o IMS tem o mesmo tipo de problema. Alguém
já combinou com os provedores de conteúdo para que eles
embarquem o esquema? Porque, se eles não concordarem, o "entertainment
bypass" irá se consolidar.
Qual, então, a conclusão que podemos tirar de toda esta
conversa?
All-IP é uma proposição válida de negócio hoje? Ou é
melhor esperar?
A resposta é: depende de como cada segmento da indústria
quiser correr riscos agora em busca de uma posição favorável
no futuro.
Considerando que, em geral, os top executives da
indústria, responsáveis pelo "shareholder-value
enhancement", são mais ortodoxos que rótulo de Maizena,
minha expectativa é que a política do "deixa como está para
ver como é que fica" vai continuar ainda por algum tempo.
O fator crítico, que vai forçar a decisão de correr o risco
de canibalização da receita atual (porque o risco à
sobrevivência a longo prazo ficará intolerável), é a
velocidade com que o mercado consumidor irá aderir às
novidades ofertadas por novos prestadores de serviço, já
nascidos all-IP.
Isto é meio como discutir se a predação de ovos e filhotes
de dinossauros pelos primeiros mamíferos foi suficiente para
explicar a extinção, ou se algo mais (tipo um grande
meteoro) foi necessário. O tempo nos dirá.
[ ]'s
J. R. Smolka