03/12/08
• Backhaul, PGMU, bens
reversíveis do STFC e a revisão dos contratos de concessão
----- Original Message -----
From: J.R.Smolka
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Wednesday, December 03, 2008 9:39 AM
Subject: [wireless.br] Backhaul, PGMU, bens reversíveis do
STFC e a revisão dos contratos de concessão
Bom dia,
ComUnidade...
Tô há algum tempo "corujando" os posts, as notícias e os
bate-bolas que vem acontecendo nos grupos. Como estava sem
tempo para escrever com calma, fui deixando acumular a
vontade de participar da conversa. Agora, mesmo que o tempo
não tenha ficado tão folgado assim, acho que chegou a hora
de colocar para vcs algumas opiniões minhas sobre estes
temas. Como é muita coisa, vamos passo a passo... hoje vou
me limitar ao tópico da confusão do novo PGMU do STFC, e os
tais bens reversíveis.
Já tive a oportunidade de trocar uma longa série de
comentários com o Rogério Gonçalves sobre este tema.
Realmente acredito que a decisão da justiça em conceder
liminar suspendendo o PGMU foi correta, porque do jeito que
está ele não faz sentido nenhum. Porém estou preocupado com
a ênfase que foi dada na questão da reversibilidade do
backhaul para a decisão (na verdade a reconsideração da
decisão) de conceder liminar suspendendo os efeitos do novo
PGMU.
Acho que estou me repetindo nisso, paciência... O chamado
backhaul não tem nada a ver com a estrutura de acesso à
Internet em banda larga (modems DSL e DSLAMs sobre a malha
de pares de fios de cobre da rede de acesso convencional da
rede telefônica). Ele tem a ver com a infra-estrutura de
transmissão que é usada para transportar de/para aquela
localidade os bits de todos os serviços que estejam sendo
prestados ali (STFC, acesso à Internet em banda larga,
serviços de comunicação de dados, etc.). Esta estrutura já
era multi-serviço na época da promulgação da LGT e da
primeira encarnação do PGMU, e era baseada quase que
totalmente em enlaces PDH ponto a ponto (lembram dos enlaces
rádio com 4 canais E1? Eram o "fusquinha" da transmissão
naquela época - e ainda são muito usados até hoje,
principalmente no backhaul das BTS/node-B das operadoras SMP,
mas isto rende outra conversa longa).
Eu consigo ver as centrais de comutação e os signaling
transfer points (STPs) SS7 como elementos
intrinsecamente associados com a prestação do STFC, dentro
da definição tautológica para o STFC dada no PGO (velho e
novo, no parágrafo 1° do art. 1°): "... por meio da
transmissão de voz e outros sinais, destina-se à comunicação
entre pontos fixos determinados, utilizando processos de
telefonia". A malha de fios de cobre utilizados no
acesso dos terminais de assinante às centrais de comutação
também entrava, inicialmente, nesta categoria. E, creio,
ninguém discute se estes elementos fazem ou não parte da
lista dos bens reversíveis ao poder concedente (a União)
quando do encerramento do contrato de concessão do STFC,
certo? Senão vejamos...
O backhaul:
Se a infra-estrutura de transmissão, desde aquela época, já
era multi-serviço e servia de suporte não somente ao STFC
(muito embora ele seja, ainda hoje, o principal cliente da
rede de transmissão nos trechos menos fashion da rede),
então o tal do backhaul já não estaria, desde o início, em
situação ambígua com relação à sua reversibilidade nos
contratos de concessão do STFC?
Desde antes da privatização a infra-estrutura de transmissão
vem sendo modernizada. A adoção da tecnologia SDH aumentou
brutalmente a capacidade de transporte da transmissão em
relação ao que era possível com o PDH, e (dependendo da
região geográfica considerada) esta capacidade adicional foi
direcionada principalmente para o transporte de tráfegos
diferentes do STFC.
BTW Rogério... a adoção do SDH pode ter sido necessária,
antes da privatização, para dar escoamento ao tráfego do
STFC, que devia aumentar com a blitz de instalação de
terminais, mas dificilmente ele pode ser considerado
elemento crítico para que o custo de instalação por terminal
tenha caído da forma que vc descreveu.
Este processo de aumento assimétrico de demanda de
capacidade de transmissão (e desfavorável em relação ao STFC)
vem se acelerando nos últimos cinco anos. Para acomodar o
aumento da demanda vem sendo instaladas redes ópticas WDM
sob (e, às vezes, em vez da) infra-estrutura SDH. E,
considerando o que ainda vou falar daqui a pouco, em trechos
significativos da rede (exceto, provavelmente, nas pontas
menos nobres - onde reside a discussão sobre o PGMU) o
tráfego STFC clássico está virando minoria, e em breve pode
desaparecer. Portanto, o status "indiscutível" da
transmissão (ou backhaul, como queiram) como estrutura de
suporte do STFC, e, portanto, bem reversível segundo os
contratos de concessão do STFC, está evaporando à medida que
o tempo passa.
A rede de acesso:
Processo semelhante está ocorrendo também com a rede de
acesso. Com a introdução de modems DSL, a mesma
infra-estrutura passou a ser compartilhada por mais de um
serviço (STFC e SCM), sendo que, para muitos assinantes, o
uso físico do seu acesso DSL como suporte ao terminal STFC
convencional está cada vez mais raro. Os usuários estão
dando preferência a comunicarem-se (inclusive via voz)
usando instant messengers, Skype (e outros serviços
VoIP), MSN, etc.
As operadoras estão conscientes do fato, e o próximo passo
natural será elas mesmas ofertarem os seus serviços no mesmo
estilo, para não perderem os clientes e tornarem-se simples
dumb pipes de acesso à Internet. Este tráfego de voz e
outros sinais, que estará sendo transmitido entre pontos
fixos e determinados, mas que não utilizará os clássicos
"processos de telefonia" ainda pode ser caracterizado como
STFC? Serão classificáveis como serviços prestados em regime
público e, portanto, sujeitos a metas de universalização,
qualidade, etc.?
E estes novos serviços de comunicação poderão chegar na casa
do assinante por uma multiplicidade de meios físicos, além
do DSL: redes HFC de distribuição de TV a cabo, redes óticas
FTTx com tecnologia PON, femtocells de redes wireless WiMAX
ou LTE (tá bom... HSPA+ também tem chances). Se este novo
tráfego for considerado STFC, então estas novas redes de
acesso também são naturalmente consideradas bens
reversíveis? E, caso contrário, a rede de acesso clássica
convertida para quase 100% de acessos DSL ainda poderá ser
chamada de bem reversível, quando apenas a minoria do seu
tráfego representa STFC clássico?
Os elementos clássicos de comutação e sinalização:
Mas sempre restam as centrais telefônicas e os STPs SS7 para
serem revertidos, certo? Nem tanto. É verdade que eles,
ainda hoje, representam os nós de escoamento da imensa
maioria do tráfego de voz (que ainda pode ser chamado STFC).
Mas isto está mudando. Os assinantes do STFC clássico já
estão, em grande parte, sendo atendidos por centrais
completamente diferentes do convencional. Isto porque as
operadoras, por razões de eficiência do uso dos canais de
transmissão, já migraram quase que totalmente o tráfego
entre centrais telefônicas para transporte VoIP e
encapsulando a sinalização SS7 em SIGTRAN (o que elimina a
necessidade dos STPs).
Estas novas centrais são formadas por uma "federação" de
MGWs (media gateways, que fazem a transmutação do tráfego de
comutação de circuitos em comutação de pacotes IP) sob o
comando de uma MGC (media gateway controller, que faz a
parte de sinalização, convencional ou não, do
estabelecimento das chamadas). Esta estrutura já permite,
hoje, que a arquitetura da rede de centrais de suporte do
STFC clássico seja "achatada", porque (principalmente quando
os acordos de interconexão entre operadoras migrarem para
transmissão IP - o que já está começando a acontecer) não
existe mais necessidade de tantas centrais trânsito. Os
canais VoIP MGW-MGW podem ser vistos e negociados fim a fim
pelas MGCs envolvidas, porque o roteamento dos pacotes é
feito pela rede de transmissão IP subjacente. E a
sinalização MGC-MGW (H.248) e MGC-MGC (BICC) não é SS7.
Mas a coisa fica interessante, mesmo, é com o próximo passo
na prestação de serviços. As operadoras estão iniciando a
migração dos seus assinantes para um ambiente que não tem
nada a ver com o STFC clássico. Todos os seviços do usuário
(inclusive voz - que deve ser o menor dos tráfegos) terão
transporte IP fim a fim (desde a sua casa/escritório/whatever
até o destinatário final dos pacotes), e o acesso aos
serviços será mediado pelo IMS, usando sinalização SIP. Este
é o cenário de serviços sob o "guarda-chuva" do SDP, e, a
médio prazo, esta nova forma de ofertar serviços de
telecomunicações vai engolir totalmente os resíduos de
acesso STFC clássico. Minha opinião pessoal é que este
processo demora mais cinco anos.
Conclusão:
Então, o que temos aqui? IMHO, se deixadas no ritmo atual
temos um enorme potencial de confusões técnico-jurídicas a
caminho. E este caso do PGMU é apenas o primeiro de uma
longa série. Caso a própria definição do que é o STFC e como
o conceito de reversibilidade se aplica aos elementos da
rede das operadoras não sejam revisadas já, então a União
vai acabar na mesma situação que o personagem Shylock da
peça O Mercador de Veneza, de Shakespeare. Shylock fez um
grande empréstimo a Antonio, e a garantia do pagamento era o
direito de Shylock retirar de Antonio "uma libra de vossa
bela carne". Esta garantia parecia bem sólida, e, quando
teve de ser executada, foi garantida pelo tribunal, mas nos
termos estritos do contrato: ele poderia remover uma libra
de carne, desde que, neste processo, não causasse nenhuma
perda de sangue. Ou seja, a garantia evaporou porque o
contrato não estava bem escrito.
A janela de oportunidade para iniciar a solução destes (e
outros) impasses causados pela evolução tecnológica e
mercadológica está aberta, na forma da obrigatoriedade de
revisão dos contratos de concessão do STFC em 2010. A bola,
então, está com a Anatel.
O problema é que a Anatel está no centro de uma disputa
ideológica sobre qual deve ser o papel e o poder do Estado
sobre o mercado - em geral, mas o de telecomunicações é que
nos interessa diretamente aqui. A visão liberal (da qual
partilho) é a do Estado mínimo, com papel regulador forte, e
utilizando este poder regulador para coibir excessos e
incentivar universalização da prestação de serviços, mas
nada além disso. A visão intervencionista (que eu abomino)
propõe que o Estado seja um agente ativo (e, nas visões mais
extremadas, o único agente) no mercado, e isto justifica
toda uma série de iniciativas que limitam o raio de atuação
das operadoras privadas.
Este segundo cenário, para mim, cheira a Hugo "porque no te
callas" Chávez, e é intolerável. Ele significa o gradual
emparedamento da iniciatriva privada, e a imposição de um
modelo de dirigismo estatal, que não foi referendado pelo
eleitorado mas está pertinho do coração de diversos membros
da elite do poder executivo federal.
Este impasse precisa ser definido logo, para que a Anatel
saiba qual é o seu exato envelope de autoridade. Na situação
atual, com as nomeações políticas e ideológicas de
conselheiros, a Anatel fica girando em circulos, correndo
atrás do próprio rabo, sem saber direito até onde pode
interferir, tendo que "pedir a benção" ao Minicom a toda
hora, etc. etc., não tenho muitas esperanças sobre um futuro
mais sensato e organizado para o mercado de
telecomunicações.
[ ]'s
J. R. Smolka