José Ribamar Smolka Ramos
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Junho 2008 Índice Geral
29/06/08
• Anatel e as recentes "Consultas Públicas" (6) - José Smolka comenta as "13 Perguntas" de Rogério Gonçalves
Rogério e demais
colegas da ComUnidade,
Vou destacar em azul o texto das 13 perguntas que o Rogério
colocou, e acrescento meus comentários após cada uma delas.
Minha postura geral é a do "advogado do diabo", mas minha
intenção é garantir a solidez da argumentação.
Pergunta 1: Por que a Embratel
ainda não se tornou a concessionária do serviço de troncos,
conforme determina expressamente o art. 207 da LGT?
Embora a leitura de textos legais não seja a minha ocupação
predileta, resolvi dar uma boa olhada nos textos da LGT (Lei
9.472 de 16/07/1997 -
http://www.planalto
O art. 207 das disposições finais e transitórias da LGT
trata da obrigação das operadoras do então Sistema Telebrás,
em via de privatização, pleitearem a junto à Anatel a
assinatura de novos contratos de concessão. O texto menciona
o STFC e o "serviço de troncos e suas conexões
internacionais"
O único serviço definido no PGO é o STFC (no art. 1°), e o
art. 2° especifica que são direitos das prestadoras do STFC
(sem restrição se nas modalidades local, LDN ou LDI) a
"implantação, expansão e operação dos troncos, redes
e centrais de comutação necessárias à sua execução" (grifo
meu).
Então, se a intenção do legislador ao editar a LGT era
definir a existência de um serviço específico de operação de
troncos de interconexão, porque ele não foi especificado no
PGO, da mesma forma que o STFC? Será que havia mesmo esta
intenção? Será que esta menção, de passagem, em um artigo
das disposições finais e transitórias da LGT, é o suficiente
para criar um casus belli?
Pergunta 2: Por que a Anatel
outorgou uma concessão de STFC de longa distância para a
Embratel, se a LGT não prevê a existência desse tipo de
concessão?
A LGT não especifica nenhum tipo de serviço, mas o PGO
atual, no art 1°, parágrafo 2°, incisos I, II e III definem
as modalidades local, LDN e LDI da prestasção do STFC. Então
qual é o problema da Anatel outorgar uma concessão deste
tipo à Embratel se isto é exatamente o que ela sempre fez,
desde os tempos do Sistema Telebrás?
Pergunta 3: Como poderia a
Anatel ter celebrado os contratos de concessão com as
antigas subsidiárias Telebrás no dia 02.06.98, se a Lei
9.649/98 atribui expressamente ao Minicom as competências
da outorga, regulamentação e fiscalização dos serviços de
telecomunicações?
Aqui tem um perigo escondido, porque a redação destas
obrigações foi alterada. A Lei 9.649 de 27/05/1998
(disponível em
http://www.planalto
Mais interessante ainda (supondo que a Casa Civil da
Presidência mantenha o seu acervo de textos legais na
Internet atualizados) é que os incisos V e VI do art. 19 da
LGT não aparecem como revogados ou com redação alterada por
algum ato posterior à edição da LGT, e eles atribuem
exatamente as mesmas competências à Anatel. Então, qual das
duas Leis prevalece?
Pergunta 4: Por que a minuta do
novo PGO, a exemplo do atual, não faz nenhuma alusão à
existência da concessionária do serviço de troncos?
Cabe a mesma observação anterior. Será que realmente houve,
algum dia, a intenção de definir o tal "serviço de troncos"?
Pergunta 5: Por que as
concessionárias do STFC estão explorando comercialmente
serviços de âmbito nacional e internacional em redes STM-16
e STM-64 específicas da rede de troncos, se o status de
concessionárias regionais de telefonia permite apenas que
elas operem redes STM-1 e STM-4?
Porque, se a Anatel outorgou a elas as concessões de
exploração do STFC nestas modalidades, nos termos do art. 2°
do PGO atual, elas tem este direito.
Agora, se tivesse que haver uma definição para o "serviço de
troncos", ele teria que ser feito em termos das condições
onde o encaminhamento do tráfego teria que ser feito,
obrigatoriamente, via a concessionária deste serviço, e não
pela tecnologia ou banda das conexões utilizadas. A mim
parece que a possibilidade de escolha do prestador do
serviço LDN ou LDI pelo assinante (via inclusão do CSP no
endereço de identificação do destinatário da chamada
telefônica) preenche exatamente este papel.
Os vários STM (synchronous transport module) citados
definem formatos e bandas de transmissão da tecnologia SDH (synchronous
digital hierarchy). Mas porque algumas bandas seriam
típicos do serviço de troncos e outras não? Creio que a
interconexão de centrais dentro da área de registro 11 (São
Paulo - Capital) estoura os 622,08 Mbps de um link SDH
STM-4. E os troncos verdadeiramente pesados para LDN e LDI
já estão migrados para transporte ótico WDM (wavelength
division multiplexing). Sem falar do papel que tem as
redes Metro Ethernet (hoje a 10 Gbps, e com 40 e 100 Gbps em
discussão no IEEE), que não são esta aberração toda. Mas
veremos isto depois.
Pergunta 6: Por que a Anatel
permite que as concessionárias do STFCexplorem serviços
públicos de comunicação de dados (ex. links IP,Velox, Speedy
e BR-Turbo), se essa atividade é vedada à elas pelos arts.
69 e 86 da LGT?
Perdão, mas estes artigos não proíbem nada disto. O art. 69
diz que é competência da Anatel definir as diferentes
modalidades dos serviços de telecomunicações, e o seu
parágeafo é o mais longe que a LGT vai na definição de
serviços, ao afirmar que telefonia e transmissão de dados,
por exemplo, não são o mesmo serviço. Já o art. 86 diz que a
outorga de concessão para exploração de serviços de
telecomunicações só pode ser feita a empresas constituídas
sob as leis brasileiras, com sede e administração no país, e
específicas para a prestação do serviço objeto da concessão.
Então creio que a interpretação que vc fez destes dois
artigos é: o serviço de comunicação de dados é distinto do
STFC (art. 69, parágrafo único), portanto ele deveria ser
objeto de concessão específica (que a Anatel nunca fez),
mas, mewsmo que fosse explorado pelo mesmo grupo econômico,
teriam de haver empresas separadas para cada concessão (art.
86).
Minha pergunta então é: vc acha que isto afeta apenas o
roteamento IP e o entroncamento de tráfego entre os AS (autonomous
system) da Internet, ou isto também afetaria os serviços
de SLDD (serviço de linha dedicada de dados) e redes de
pacotes X.25 e Frame-Relay? Acessos de banda larga
empresarial para acesso à Internet (hoje a moda é ofertar
acessos Ethernet a 10 ou 100 Mbps para isto)? E os serviços
de VPN (virtual private networking) MPLS (multi-protocol
label switching) que sucedem as redes de pacotes
convencionais para que empresas possam montar redes IP
privativas?
Pergunta 7: Por que a Anatel
permite que os provedores de acesso sejam utilizados até
hoje como fachada para ocultar a exploração ilegal de
serviços públicos de comunicação de dados pelas
concessionárias do STFC?
Como falei acima, quem disse que os serviços de comunicação
de dados resumem-se ao acesso de banda larga residencial à
Internet? Hoje isto é feito principalmente pelo
reaproveitamento dos pares de cobre da rede de acesso com
modems DSL (digital subscriber line), mas isto também
está mudando. Fala-se abertamente em bandas residenciais da
ordem de 30 Mbps, com redes PON (passive optical
networking).
Pergunta 8: Por que, antes, as
concessionárias do STFC precisavam da fachada dos provedores
para explorarem serviços de rede IP em banda larga (aDSL) e
agora não precisarão mais dela?
Em termos puramente técnicos da montagem da infra-estrutura
de acesso à Internet, isto nunca foi necessário. A
explicação, IMHO (in my humble opinion), é um
cabo-de-guerra entre os lobbies dos provedores de
acesso à Internet e das operadoras do STFC.
Quando o negócio de acesso à Internet estava na infância,
haviam vários pequenos provedores de acesso dial-up
fixo (tipicamente ex-provedores de serviços de BBS -
bulletin board systems) que operavam bancos de 20 ou 30
modems e um número correspondente de linhas telefônicas. Se
as operadoras do STFC "entrassem de sola" instalando seus
próprios RAS (remote access servers), seria uma
quebradeira geral dos pequenos provedores de acesso. Neste
ponto o lobby dos provedores era mais forte, e
entendia-se que as operadoras não podiam vender diretamente
o acesso, apenas intermediá-lo.
Eventualmente o darwinismo empresarial concentrou o mercado
de provedores de acesso em poucos players, que
terceirizaram os RAS com as operadoras do STFC e passaram a
conectar-se via links E1 ou E3 (hoje, provavelmente, Metro
Ethernet ou SDH), e o risco de quebradeira generalizada
passou. Neste meio tempo as operadoras STFC abandonaram de
vez a ilusão do B-ISDN (broadband integrated services
digital network) e mergulharam de cabeça na instalação
de acessos DSL. Agora era o lobby das operadoras que
ficava mais forte. Se não vai haver quebradeira, porque
obrigar o assinante a fechar um contrato de acesso com um
provedor de banda larga, cerca de 3 vezes mais caro que o
contrato de acesso dial-up? Para mim, isto é
questionável com base na Lei de Defesa do Consumidor, porque
é venda casada.
Junte a isto, possivelmente, uma interpretação mais liberal
do art. 154 da LGT et voilà, chegamos ao estado atual
das coisas.
Pergunta 9: Por que a Anatel
permitiu que a Telemar celebrasse um contrato de "turn key"
com a Siemens em 2005 para cumprir obrigações de
universalização de atendimento às comunidades com mais de
300 habitantes utilizando redes metro ethernet e telefonia
IP, se o padrão IEEE 802.3, além de não fornecer suporte ao
Sistema de Sinalização por Canal Comum (SSC-7) dos serviços
públicos de telefonia fixa, também não atende aos requisitos
de QoS do STFC?
Primeiro: porque é mais barato fazer assim do que usar os
meios convencionais.
Segundo: o que caracteriza o STFC não é a tecnologia de
transporte, mas a capacidade de interoperar livremente
dentro do plano de numeração, nacional e internacional. Ou
seja: se você é capaz de estabelecer uma conexão funcional
entre dois terminais telefônicos (independente da tecnologia
de construção de cada um deles) para a "transmissão de voz e
outros sinais" você está dentro dos "processos de telefonia"
previstos no art 1° do PGO atual (que, na minha opinião, é
uma tautologia).
Terceiro: a questão da sinalização não é, de maneira
nenhuma, impedimento para a interoperação de terminais, quer
a originação-terminação da chamada telefônica seja IP-IP,
IP-POTS (plain old telephony service) ou POTS-IP. O
que acontece é que os terminais IP não usam sinalização DTMF
(dual-tone multi-frequential) para o call-setup.
Eles usam, muito provavelmente, SIP (session initiation
protocol - IETF RFC 3261). O terminal IP é o SIP
client, e o papel de SIP server pode ser feito
por uma softswitch - que é uma "federação" entre uma
MGC (media gateway controller) e um ou mais MG (media
gateway). Quando o call-setup envolve terminais
convencionais, a MGC usa SS7 para negociar o estabelecimento
do circuito com as centrais convencionais. Já o bearer
channel da conexão telefônica é uma sessão RTP (real-time
transport protocol - IETF RFC 3550) entre os terminais
IP (em uma chamada IP-IP) ou entre o terminal IP e o MG
designado pela MGC para encaminhamento da conexão, com o
encaminhamento do MG para as centrais convencionais usando
os meios tradicionais (em uma chamada IP-POTS ou POTS-IP).
E, last but not least, quarto: quem disse que não dá
para garantir QoS neste tipo de ambiente? É apenas uma
questão de engenharia adequada. Eu mesmo já escrevi alguns
artigos sobre isto (que estão postados em
http://www.wireless
Pergunta 10: Por que a Anatel
batizou as redes metro ethernet (NGNs) como "backhaul do
STFC", se essas redes, destinadas única e exclusivamente à
comunicação de dados, não têm nenhuma relação com as redes
PDH e SDH do STFC?
Conforme a Recomendação ITU-T Y.2001 (General Overview of
NGN), uma NGN (next generation network) é uma
rede de comutação de pacotes para a prestação de serviços de
telecomunicação. Pelo andar da carruagem, a tecnologia
melhor posicionada para satisfazer este papel é o IP. Mas
uma rede de transporte Metro Ethernet (que transporta muito
bem tráfego IP) não é necessariamente uma NGN, e pode, sim,
com a engenharia adequada, ser usada como rede de suporte do
STFC, conforme vimos na resposta anterior.
Provavelmente as tecnologias de transmissão PDH (plesiochronous
digital hierarchy) e SDH sobreviverão ainda por algum
tempo no contexto POTS, mas eu não compraria ações de
empresas que dependem principalmente da venda deste tipo de
equipamento para sobreviver.
Pergunta 11: Por que o decreto
6.424/2008 imputou metas de universalização de redes metro
ethernet (travestidas de "backhaul do STFC") às
concessionárias de telefonia fixa, se essas redes,
inadequadas para o STFC, serão utilizadas pelas empresas
exclusivamente para exploração de serviços de comunicação de
dados em regime privado, violando os art. 69 e 86 da LGT?
Como já vimos antes, as redes Metro Ethernet podem sim, com
a engenharia adequada, ser usadas como backhaul do
STFC, tanto no legado POTS quanto nos segmentos pré-NGN da
rede. Como não é a tecnologia, mas a função desempenhada que
importa, então não vejo problema com esta definição.
Esta é uma opinião puramente técnica, e não implica em
nenhum julgamento de valor sobre se esta é ou não uma meta
válida para constar no novo PGMU.
Pergunta 12: Considerando que,
nos termos dos arts. 2º, 84º, 87º e 175º da CF e da alínea
"b" do inciso V do art. 14 da Lei 9.649/98, o Minicom
representa o Poder Executivo na condição de Poder Concedente
das Telecomunicações, por que a Anatel jamais propôs ao
Poder Executivo que regulamentasse o Livro III da LGT e
emitisse decretos instituindo o regulamento geral dos
serviços de telecomunicações e o regulamento específico dos
serviços públicos de comunicação de dados?
Taí... Esta sim, é uma boa pergunta para ser feita à Anatel.
Ou até, se for o caso, convencer algum promotor do
Ministério Público a mover ação civil ou penal pública com
base nisso.
Pergunta 13: Em julho de 1998,
quando arremataram em leilão o controle acionário das
concessionárias regionais do STFC, a preços irrisórios e sem
concorrência, os atuais controladores dessas empresas sabiam
perfeitamente que, por força do art. 86 da LGT, elas
deveriam explorar única e exclusivamente o STFC. O fato de a
Anatel querer transformá-las em concessionárias
multi-serviços, através de alterações ilegais na
regulamentação, não poderia ser interpretado como uma
manobra casuística para tentar "legitimar" todas as
irregularidades que têm sido praticadas pelas empresas nos
últimos anos com total anuência da agência e do Minicom?
Isto está mais no reino da política. E se eu for enveredar
nesta seara provavelmente não consigo terminar este texto
ainda neste mês :-)
Tereminando, enfim, creio que o único estribo sólido para
montar neste "cavalo de batalha" é a questão das empresas
separadas para exploração de cada concessão. O resto, bem,
vc corre o risco de "pagar mico" nas audiências públicas.
[ ]'s
Nota da Coordenação:
Este "post" no BLOCO - Blog ComUnitário, pode conter
material que complementa o assunto:
•
Anatel e as recentes "Consultas Públicas" (6) - José Smolka
comenta as "13 Perguntas" de Rogério Gonçalves