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Original Message -----
From: J. R. Smolka
To: WirelessBR
Sent: Tuesday, May 27, 2008
12:00 PM
Subject: [wireless.br] Sobre backhauls e etc.
Colegas da ComUnidade (ou seria ComDiversidade? :-) )
Tenho acompanhado as discussões sobre PGMU, PGO, back*
(substitua o * pelo sufixo que quiser: haul, bone, plane,
...), fusão Oi/BRt, etc. etc., e algumas coisas me intrigam.
Em minha opinião, o marco regulatório atual é ruim, porque é
fruto de uma visão ultrapassada: que a infra-estrutura e o
serviço são coisas indissociáveis. Isto não se justifica
mais, e persistir nisto só vai complicar a evolução.
Portanto é necessário mexer, e muito, na LGT, no PGO, e
todos os textos legais que definem o funcionamento do
mercado de serviços de telecomunicações no Brasil, senão
vamos ficar encalacrados. Os impasses que vivemos hoje são,
IMHO, o reflexo desta dissociação entre modelo legal e
realidade tecnológica/operacional/mercadológica.
Isto não quer dizer que eu seja partidário de rasgar a lei,
e ir improvisando ao sabor das conveniências dos negócios.
Enquanto a lei existe, é para ser cumprida, ponto! Esta é a
essência do Estado de Direito, que é a base do Estado
democrático. O que defendo, sim, é que esta lei é ruim, e
não dá para remendar. É hora de passar o arado e começar de
novo.
Para mim, um exemplo claro de como o estrito cumprimento da
lei atual não resolve os problemas é a tese (tão cara ao
Rogério Gonçalves) de que a investidura da Embratel (ou de
qualquer outra empresa) como concessionária do serviço de
troncos (RTT) resolva o impasse. Primeiro porque eu não
consigo ver como a outorga do direito de transporte de
média/longa distância a um único provedor vá melhorar a vida
do cidadão. Pelo contrário, isto cria um monopólio, e nós já
vimos este filme antes. E segundo, porque o real gargalo do
problema não é o transporte de média/longa distância (que,
aliás, a tecnologia já está tornando obsoleto como definição
de "serviço"), mas a oferta de acesso em condição isonômica
a todos os que queiram competir no mercado.
Para entender o que quero dizer com isso, precisamos olhar
para trás e ver como eram construídas as redes de telefonia
do século passado. Só existia um serviço: transporte de voz
fim a fim entre dois assinantes, usando terminais
especializados e dedicados unicamente a esta tarefa (a
introdução dos modems para conexões dial-up é apenas um uso
diferenciado deste mesmo serviço, não um serviço à parte).
Para prestar este serviço as operadoras "lotearam" o mercado
de acesso local e de interconexão de longa distância
(intermunicipal/interestadual/internacional), tudo bem
definido e padronizado pelas recomendações da ITU. O sistema
Telebrás foi montado nestes princípios: as operadoras
estaduais resolviam o acesso local e a interconexão
intermunicipal, enquanto a interconexão interestadual e
internacional era atribuição exclusiva da Embratel.
O acesso era feito pela instalação de uma malha de fios de
cobre conectando as residências/empresas até a central
telefônica mais próxima. Se ninguém lembra, os famigerados
planos de expansão (que era a forma, naquela época, de
alguém comprar um telefone novo) eram auto-financiamentos. O
assinante pagava pelo investimento que a operadora faria
para estender a malha de acesso até a sua casa e, se tudo
corresse bem, em até dois anos você teria o seu telefone
instalado. E sempre foi um "calo" a questão dos PEX
vencidos: o assinante pagava por dois anos, mas o telefone
não chegava...
A posse desta malha dá à operadora local um poder enorme
sobre o usuário, porque ela (ainda) é o principal meio para
que ele possa usufruir de qualquer serviço de
telecomunicações. todo este modelo ia bem até meados da
década de 80 do século passado. O plano, na época, era
transformar a rede telefônica em uma rede multi-serviços no
modelo B-ISDN definido pela ITU (as especificações do SDH e
do ATM nasceram para suportar isto, lembram?). O que deu
errado neste plano foi o boom da Internet comercial na
década de 90. De lá para cá toda a idéia sobre convergência
de serviços mudou para transporte IP, e os efeitos disto são
uma das raízes desta dor de cabeça regulatória que vivemos.
Nem as operadoras, nem os legisladores, nem o pessoal do
Minicom e da Anatel sabem como definir direito como deve ser
o marco regulatório neste cenário.
As famosas "21 perguntas" colocam uma data fatídica: 2025,
quando expiram as atuais concessões do STFC. Alguém já parou
para pensar como será a infra-estrutura de uma operadora de
telecomunicações a esta altura? Não vou nem tão longe. Por
volta de 2015 as redes de transporte (os backbones ou
backhauls, como queiram) já deverão estar todos
convertidos para um modelo tecnológico all-IP. Uma
boa parte dos usuários (pelo menos nas partes mais
fashion do mercado) acessarão os serviços a partir de
terminais multi-serviços, e negociarão os termos de cada
sessão usando sinalização SIP, mediados por IMS (se os
wet dreams atuais das operadoras e fornecedores de
equipamentos de realizarem, o que ainda está para ser
provado). A interconexão destes terminais com o legacy de
terminais convencionais ainda vai precisar de centrais
telefônicas, mas elas já são, e serão cada vez mais,
diferentes das centrais clássicas. Primeiro porque uma
"central" será uma federação de media gateways (MG)
distribuídas, controladas por um media gateway controller
(MGC) centralizado. Entre os MGCs o estabelecimento de
sessões até poderá (ainda) ser negociado usando os
protocolos da família SS7 (embora existam alternativas, como
o bearer-independent call-control - BICC), mas o
transporte dos pacotes SS7 será feito sobre a rede IP via
SIGTRAN, nativo nos MGCs ou, no máximo, intermediados por
gateways SIGTRAN. As sessões de dados MG-MG, por serem IP,
não necessitarão mais da hierarquia de centrais trânsito. o
roteamento dos pacotes fim a fim fica por conta da rede IP
subjacente, então não há mais razão para diferenciar o
tráfego local do tráfego de longa distância. E, como a banda
para a interconexão IP normalmente é negociada no atacado
entre as operadoras, o natural é que o serviço que hoje
chamamos de longa distância (LDN e LDI) perca totalmente o
sentido, e voz seja oferecida em flat rate independente da
distância.
A esta altura, não existirá mais a distinção entre o que é
STFC e o que é comunicação de dados, porque tudo será
comunicação de dados (na verdade esta distinção já é difícil
hoje). A única pedra neste cenário é que, enquanto o acesso
local estiver monopolizado, não haverá real competição e o
benefício tarifário para os usuários será bem menor (se
houver). Então, esqueçam o backhaul, porque o que
interessa realmente, a curto/médio prazo (porque a longo
prazo estaremos todos mortos :-) ), é o unbundling
dos meios de acesso aos serviços.
Imaginem o seguinte: que seja possível definir regras claras
para que uma operadora que queira "invadir a praia" possa
alugar os meios de acesso da operadora já estabelecida
localmente (algo no estilo dos contratos EILD usados na
interconexão de redes). Ainda mais, que seja possível
negociar o uso de redes de acesso diferenciadas da malha de
cobre convencional (ex.: a rede de TV a cabo, os acessos
wireless das operadoras celulares, as redes
metropolitanas Wi-Fi e/ou WiMax, os provedores independentes
de acesso existentes na região, etc.) para o provimento
genérico de serviços de telecomunicação. Creio que, neste
cenário, haverão operadoras que preferirão investir em
possuir a infra-estrutura de acesso e transporte e também
prover os serviços. E haverão aquelas que preferirão
investir apenas no provimento do serviço, e alugar os meios
de acesso/transporte de provedores especializados em
infra-estrutura (algo meio com cara de MVNO, mas não
necessariamente móvel).
Que tal isto como ponto de partida para discussão de um
futuro marco regulatório?
[ ]'s
J,.R. Smolka