José Ribamar Smolka Ramos
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Maio 2008               Índice Geral


27/05/08

BACKHAUL E PGMU (11) - Opiniões do nosso participante engenheiro José Smolka

----- Original Message -----
From: J. R. Smolka
To: WirelessBR
Sent: Tuesday, May 27, 2008 12:00 PM
Subject: [wireless.br] Sobre backhauls e etc.

Colegas da ComUnidade (ou seria ComDiversidade? :-) )

Tenho acompanhado as discussões sobre PGMU, PGO, back* (substitua o * pelo sufixo que quiser: haul, bone, plane, ...), fusão Oi/BRt, etc. etc., e algumas coisas me intrigam.

Em minha opinião, o marco regulatório atual é ruim, porque é fruto de uma visão ultrapassada: que a infra-estrutura e o serviço são coisas indissociáveis. Isto não se justifica mais, e persistir nisto só vai complicar a evolução. Portanto é necessário mexer, e muito, na LGT, no PGO, e todos os textos legais que definem o funcionamento do mercado de serviços de telecomunicações no Brasil, senão vamos ficar encalacrados. Os impasses que vivemos hoje são, IMHO, o reflexo desta dissociação entre modelo legal e realidade tecnológica/operacional/mercadológica.

Isto não quer dizer que eu seja partidário de rasgar a lei, e ir improvisando ao sabor das conveniências dos negócios. Enquanto a lei existe, é para ser cumprida, ponto! Esta é a essência do Estado de Direito, que é a base do Estado democrático. O que defendo, sim, é que esta lei é ruim, e não dá para remendar. É hora de passar o arado e começar de novo.

Para mim, um exemplo claro de como o estrito cumprimento da lei atual não resolve os problemas é a tese (tão cara ao Rogério Gonçalves) de que a investidura da Embratel (ou de qualquer outra empresa) como concessionária do serviço de troncos (RTT) resolva o impasse. Primeiro porque eu não consigo ver como a outorga do direito de transporte de média/longa distância a um único provedor vá melhorar a vida do cidadão. Pelo contrário, isto cria um monopólio, e nós já vimos este filme antes. E segundo, porque o real gargalo do problema não é o transporte de média/longa distância (que, aliás, a tecnologia já está tornando obsoleto como definição de "serviço"), mas a oferta de acesso em condição isonômica a todos os que queiram competir no mercado.

Para entender o que quero dizer com isso, precisamos olhar para trás e ver como eram construídas as redes de telefonia do século passado. Só existia um serviço: transporte de voz fim a fim entre dois assinantes, usando terminais especializados e dedicados unicamente a esta tarefa (a introdução dos modems para conexões dial-up é apenas um uso diferenciado deste mesmo serviço, não um serviço à parte). Para prestar este serviço as operadoras "lotearam" o mercado de acesso local e de interconexão de longa distância (intermunicipal/interestadual/internacional), tudo bem definido e padronizado pelas recomendações da ITU. O sistema Telebrás foi montado nestes princípios: as operadoras estaduais resolviam o acesso local e a interconexão intermunicipal, enquanto a interconexão interestadual e internacional era atribuição exclusiva da Embratel.

O acesso era feito pela instalação de uma malha de fios de cobre conectando as residências/empresas até a central telefônica mais próxima. Se ninguém lembra, os famigerados planos de expansão (que era a forma, naquela época, de alguém comprar um telefone novo) eram auto-financiamentos. O assinante pagava pelo investimento que a operadora faria para estender a malha de acesso até a sua casa e, se tudo corresse bem, em até dois anos você teria o seu telefone instalado. E sempre foi um "calo" a questão dos PEX vencidos: o assinante pagava por dois anos, mas o telefone não chegava...

A posse desta malha dá à operadora local um poder enorme sobre o usuário, porque ela (ainda) é o principal meio para que ele possa usufruir de qualquer serviço de telecomunicações. todo este modelo ia bem até meados da década de 80 do século passado. O plano, na época, era transformar a rede telefônica em uma rede multi-serviços no modelo B-ISDN definido pela ITU (as especificações do SDH e do ATM nasceram para suportar isto, lembram?). O que deu errado neste plano foi o boom da Internet comercial na década de 90. De lá para cá toda a idéia sobre convergência de serviços mudou para transporte IP, e os efeitos disto são uma das raízes desta dor de cabeça regulatória que vivemos. Nem as operadoras, nem os legisladores, nem o pessoal do Minicom e da Anatel sabem como definir direito como deve ser o marco regulatório neste cenário.

As famosas "21 perguntas" colocam uma data fatídica: 2025, quando expiram as atuais concessões do STFC. Alguém já parou para pensar como será a infra-estrutura de uma operadora de telecomunicações a esta altura? Não vou nem tão longe. Por volta de 2015 as redes de transporte (os backbones ou backhauls, como queiram) já deverão estar todos convertidos para um modelo tecnológico all-IP. Uma boa parte dos usuários (pelo menos nas partes mais fashion do mercado) acessarão os serviços a partir de terminais multi-serviços, e negociarão os termos de cada sessão usando sinalização SIP, mediados por IMS (se os wet dreams atuais das operadoras e fornecedores de equipamentos de realizarem, o que ainda está para ser provado). A interconexão destes terminais com o legacy de terminais convencionais ainda vai precisar de centrais telefônicas, mas elas já são, e serão cada vez mais, diferentes das centrais clássicas. Primeiro porque uma "central" será uma federação de media gateways (MG) distribuídas, controladas por um media gateway controller (MGC) centralizado. Entre os MGCs o estabelecimento de sessões até poderá (ainda) ser negociado usando os protocolos da família SS7 (embora existam alternativas, como o bearer-independent call-control - BICC), mas o transporte dos pacotes SS7 será feito sobre a rede IP via SIGTRAN, nativo nos MGCs ou, no máximo, intermediados por gateways SIGTRAN. As sessões de dados MG-MG, por serem IP, não necessitarão mais da hierarquia de centrais trânsito. o roteamento dos pacotes fim a fim fica por conta da rede IP subjacente, então não há mais razão para diferenciar o tráfego local do tráfego de longa distância. E, como a banda para a interconexão IP normalmente é negociada no atacado entre as operadoras, o natural é que o serviço que hoje chamamos de longa distância (LDN e LDI) perca totalmente o sentido, e voz seja oferecida em flat rate independente da distância.

A esta altura, não existirá mais a distinção entre o que é STFC e o que é comunicação de dados, porque tudo será comunicação de dados (na verdade esta distinção já é difícil hoje). A única pedra neste cenário é que, enquanto o acesso local estiver monopolizado, não haverá real competição e o benefício tarifário para os usuários será bem menor (se houver). Então, esqueçam o backhaul, porque o que interessa realmente, a curto/médio prazo (porque a longo prazo estaremos todos mortos :-) ), é o unbundling dos meios de acesso aos serviços.

Imaginem o seguinte: que seja possível definir regras claras para que uma operadora que queira "invadir a praia" possa alugar os meios de acesso da operadora já estabelecida localmente (algo no estilo dos contratos EILD usados na interconexão de redes). Ainda mais, que seja possível negociar o uso de redes de acesso diferenciadas da malha de cobre convencional (ex.: a rede de TV a cabo, os acessos wireless das operadoras celulares, as redes metropolitanas Wi-Fi e/ou WiMax, os provedores independentes de acesso existentes na região, etc.) para o provimento genérico de serviços de telecomunicação. Creio que, neste cenário, haverão operadoras que preferirão investir em possuir a infra-estrutura de acesso e transporte e também prover os serviços. E haverão aquelas que preferirão investir apenas no provimento do serviço, e alugar os meios de acesso/transporte de provedores especializados em infra-estrutura (algo meio com cara de MVNO, mas não necessariamente móvel).

Que tal isto como ponto de partida para discussão de um futuro marco regulatório?

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J,.R. Smolka

 

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