José Ribamar Smolka Ramos
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Fevereiro 2010 Índice Geral
13/02/10
Análise de José Smolka: "Telebrás, PNBL e a abstração dos dados"
de J. R. Smolka <smolka@terra.com.br>
para wirelessbr <wirelessbr@yahoogrupos.com.br>,
Celld-group <Celld-group@yahoogrupos.com.br>
data 13 de fevereiro de 2010 16:33
assunto [Celld-group] Telebrás, PNBL e a abstração dos dados
Pessoal,
Não vou me dar ao trabalho de debater aqui se o PNBL está bem estruturado ou
não, ou se a Telebrás deve ou não ser ressuscitada dentro deste contexto. Até
porque minhas opiniões sobre o tema são conhecidas: não considero o PNBL bem
estruturado (por motivos que vocês verão adiante em mais detalhes), nem acho
necessário ou conveniente trazer o esqueleto da Telebrás de volta à vida, neste
ou em qualquer outro contexto. No nível da argumentação que vem sendo
apresentada eu não vou ser convencido do contrário, e estou começando a crer que
uma boa parte dos defensores destas teses são - qualquer que seja sua motivação,
patriótica, ideológica, ou o que mais se possa inventar - essencialmente
impermeáveis ao diálogo.
O que eu queria conversar com vocês é uma outra preocupação que tenho com
relação à forma como "planos" deste tipo chegam até as esferas de decisão, sejam
elas políticas ou empresariais. Mas primeiro é preciso que a gente entenda bem
um fenômeno comum, mas pouco lembrado, em qualquer organização: a abstração dos
dados.
Este tema é de conhecimento comum na comunidade daqueles que estudam a área da
análise de sistemas, mas creio que não é muito comentado ou entendido fora dela.
Resumindo o que ocorre é o seguinte: quando uma organização é pequena é viável
que o seu corpo dirigente (muitas vezes formado por um pessoa só) tenha
conhecimento direto da natureza e do estado de todos os fatores que influenciam
o resultado das atividades daquela organização. Este fato já deu origem,
inclusive, a ditados populares do tipo "o porco engorda é com o olho do dono".
Porém, à medida que a organização cresce em tamanho e complexidade, o corpo
dirigente tem que, necessariamente, delegar o controle dos processos de negócio
a outras pessoas, e contentar-se em tomar conhecimento do estado do negócio
indiretamente, através dos dados que os responsáveis pela supervisão direta dos
processos de negócio lhes enviam. Quanto mais complexa a organização mais agudo
torna-se este fato, com vários níveis de autoridade delegada, e,
consequentemente, também vários níveis de elaboração e reinterpretação dos dados
até que estes cheguem, filtrados, prensados, selecionados e pasteurizados, ao
corpo dirigente.
O primeiro risco neste processo é da perda de objetividade, uma vez que cada
nível hierárquico pode selecionar arbitrariamente o modo de seleção e
apresentação dos dados, filtrando-os de tal forma que o que chega até o topo só
por sorte terá alguma semelhança com o que realmente ocorre no "chão da
fábrica". E o segundo risco é que cada pessoa com autoridade na hierarquia de
poder tenha sua própria agenda de interesses (a ambição é, afinal, uma
característica humana), o que coloca mais uma camada de ruído na seleção de que
dados propagar para cima na hierarquia, e de que forma fazê-lo. No final você
tem uma boa parte do tempo das reuniões executivas (que deveriam ser
eminentemente foros de tomada de decisão) gastos na resolução dos conflitos
causados por dados inconsistentes e incoerentes sobre os mesmos aspectos da
organização.
O governo, em todas as suas esferas, mas particularmente aqui o governo federal,
possui características de gestão que o tornam particularmente vulnerável aos
dois vícios da abstração de dados. E sinto o cheiro disto no caso em pauta: o
PNBL. Os "pais", "mães", "tios" ou o que sejam do programa selecionam
cuidadosamente os dados a apresentar, de forma que a execução do programa, nos
moldes propostos por eles, pareça coisa simples e rápida. Aspectos técnicos,
políticos e orçamentários são minimizados, escamoteados, adulterados ou
embelezados, tudo com o fim de "vender" o plano ao Presidente e seus Ministros.
Por outro lado outras facções no governo, que tem interesses divergentes dos
proponentes do plano (ex.: o pessoal da área econômica não quer nem ouvir falar
em coisas que dificultem o atingimento de metas de inflação e superavit
primário) vão trazer outros dados, tabelas e estatísticas que vão conflitar com
os apresentados antes, e vão parecer tão confiáveis e sérios quanto eles. É
natural, então, que o processo de síntese a partir do conflito entre tese e
antítese seja mais demorado e complicado. Mais reuniões são necessárias, onde
cada lado traz mais e mais dados detalhados que corroboram a sua visão e
"enterram" a proposta adversária. Eventualmente tudo isto leva a soluções de
compromisso (o foro deste caso, afinal, é político) que tentam satisfazer a
todos, sem ser realmente nem o que um lado nem o que o outro pretendiam. Este
processo também deu origem ao seu próprio ditado: "um camelo é um cavalo, só que
foi projetado por um comitê".
Como não existe a possibilidade (ou mesmo esperança) que as partes envolvidas
nesta discussão venham a trabalhar em conjunto sobre uma base de dados comum, eu
sinto que nós (o povo) teremos no final um produto que não tem muita aderência
com as realidades e possibilidades do mundo real, mas será tocado para a frente
mesmo assim, e terá seus (previsíveis) pífios resultados alardeados como se
fossem vitórias retumbantes.
Não sei de vocês, mas eu já cansei disto.
[ ]'s
J. R. Smolka