José Ribamar Smolka Ramos
Telecomunicações
Artigos e Mensagens


ComUnidade WirelessBrasil

Julho 2010               Índice Geral


12/06/10

• Artigo de José Smolka no e-Thesis: "Meditações..."

Fonte: e-Thesis
Meditações...
Eu detesto dizer 'eu avisei' - Artigos
por Jose Smolka
12-Jul-2010

Aprove ImagemO susto que as operadoras celulares tomaram com o tráfego de dados em suas redes 3G (HSDPA ou HSPA) produziu muitas reações. Nem todas boas. A melhor, em minha opinião, foi acordarem para a necessidade de modernizar seus backhauls, ainda excessivamente montados sobre rádios PDH ou, no máximo, SDH (a maioria STM-1 ou STM-4 sobre enlaces rádio, e poucos STM-16 ou STM-32 sobre fibra ótica). Finalmente o movimento para capilarização de redes DWDM na longa distância e Metro Ethernet no espaço urbano ganhou corpo, e deve tornar-se o modelo preferencial para expansão e modernização do backhaul a partir de agora.

A parte ruim fica por conta das declarações que não dá mais para sustentar planos de serviço com tarifa flat, ao estilo all you can eat, semelhante ao praticado nos acessos xDSL das redes fixas. A palavra de ordem, agora é tiered pricing. Cobrança diferenciada por serviços supostamente também diferenciados. Vejo nisto dois problemas: o primeiro, e mais evidente, é que ninguém ainda me disse como vai conseguir explicar aos assinantes que assim vai ficar melhor do que era antes (até porque, muito provavelmente, não vai); o segundo é mais sutil...

Todos os esquemas de tiered pricing que tenho visto dependem de alguma implementação - mesmo que parcial - de uma plataforma PCRF (policy charging and rules function) para garantir que o QoS esperado para cada classe de aplicação seja respeitado ao longo da rede. Só isso já é suficiente para entender porque as operadoras móveis celulares tem sido tão vocais, lá fora e aqui no Brasil, contra o conceito de net neutrality. Mas vamos tentar entender como este elemento poderia exercer real influência sobre o QoS.

Primeiro vamos ver os trechos que os dados dos assinantes precisam percorrer. Entre o UE (user equipment) e o node-B há a interface rádio propriamente dita. Aqui valem as definições do 3GPP, e não vou me alongar nisto (até porque já existem guerras religiosas suficientes com relação à interface rádio). Entre o node-B e a RNC (radio network controller) e entre a RNC e o GGSN (GPRS gateway service node - que eu saiba ainda chamam assim) está a rede de transporte (backhaul + backbone) da operadora, que normalmente é uma rede IP/MPLS integrada com as infraestruturas de transmissão subjacentes, tanto as antigas (PDH e SDH) quando as novas (DWDM e Metro Ethernet).

Embora as definições do 3GPP quanto a QoS (quatro classes de serviço: conversational, streaming, interactive e background) e, especialmente, multicasting (MBMS - multimedia broadcast multicasting service) sejam de entendimento direto quanto ao seu suporte na interface aérea, nos trajetos node-B/RNC e RNC/GGSN existem várias complicações na convivência com as novas tecnologias de transporte, essencialmente baseadas em IP.

Os pacotes IP das aplicações dos usuários (e-mail, web, P2P, ou o que mais seja) normalmente trafegam "tunelados" entre os elementos do assim chamado core PS (packet switching). Encapsulados nos pacotes IP destes túneis, cujos cabeçalhos e demais headers de transporte e aplicação efetivamente escondem a real natureza do tráfego do usuário da vista dos elementos comuns da rede de transporte (roteadores e switches IP/MPLS). Então não há como, em princípio, fazer com que os elementos da rede de transporte apliquem o PHB (per-hop behavior) adequado à natureza do tráfego transportado em cada pacote dos túneis, já que a rede de transporte, em geral, usa a técnica DiffServ para garantia de QoS, e implementa suporte a multicasting via PIM (protocol-independent multicasting) nas suas versões DM (dense mode) ou SM (sparse mode).

A saída para compatibilizar estes dois mundos é relativamente simples, embora eu não tenha visto, ainda, nenhum fabricante dos elementos do core PS dizer que a suporta ou suportará. Basta que cada cabeçalho IP dos túneis node-B/RNC e RNC/GGSN externe, nos seus DiffServ bits, o DSCP (DiffServ code point) apropriado para o tipo de tráfego transportado, e que os elementos do core PS interajam com a rede de transporte para o estabelecimento e "poda" das árvores de roteamento do tráfego multicast via PM-DM e/ou PIM-SM. E, para isto ocorrer de forma concertada, o repositório da informação sobre a forma correta de marcar os pacotes dos túneis deve ser o PCRF, que pode comunicar estes dados aos elementos do core PS com uma aplicação DIAMETER.

Mas, como diriam os comerciais dos produtos das Organizações Tabajara, náo é só somente isso! Se você ainda não tem um PCRF, mas quer fazer shaping do seu tráfego mesmo assim, você certamente irá usar uma plataforma de DPI (deep packet inspection) para passar um pente fino nos pacotes e decidir se eles devem ou não seguir adiante. Além disto soluções de content caching e content adaptation também exigem que os pacotes passem através delas de forma serial com o DPI. A impressão inicial é que isto poderia ser uma grande fonte de latência, por isso alguns "iluminados" começaram a especular sobre a possibilidade de introduzir no DPI, ou no GGSN, uma função de policy-based routing que, a depender da natureza dos pacotes, encaminhe-os através somente daquelas plataformas que forem necessárias. Complicado...

Vamos, por um momento, esquecer a existência da Lei de Moore (que, aparentemente, também aplica-se à disponibilidade de banda), e sua consequência natural que o custo e a latência incorridas em fazer o seu tráfego passar serialmente por diversas etapas de análise devem ser decrescentes ao longo do tempo. Qual deverá ser a latência que este elemento de policy-based routing introduzirá? Em minha opinião ela sempre será maior que deixar o tráfego seguir de forma serial pelas outras plataformas. Ademais, todos estes elementos que queremos decidir se serão ou não cursados pelo tráfego estão upstream em relação ao GGSN, o que significa que qualquer ganho que eles possam introduzir só será refletido para as conexões de peering IP da operadora. Do GGSN para trás (e isto pode representar uma distância nada desprezível) isto não traz nenhum alívio no volume de tráfego a cursar.

Mas, talvez, todo este oba-oba sobre a necessidade de fazer shaping do tráfego de determinadas aplicações (leia-se P2P) para garantir o QoS de outras (leia-se vídeo) esteja mirando o alvo errado. Considere os diversos tipos de UEs existentes e como, provavelmente, eles evoluirão. Os notebooks, netbooks e (provavelmente) tablets, com modems externos ou internos, representam uma classe de usuários que tende a ser mais nômade do que propriamente móvel. Eles normalmente estabelecem uma conexão em um lugar e não se deslocam muito durante a sessão. Alguns handovers e algumas entradas e saídas do estado de dormência da conexão é o que se pode esperar deste tipo de UE. Já os smartphones são outra conversa. Além da mobilidade maior, normalmente eles tem um perfil de execução frequente de pequenas transações. E as políticas de conservação das baterias também forçam a barra para ciclos de dormência/reativação do contexto PDP com uma frequência maior.

O resultado disto tudo é que os smartphones, além do tráfego gerado, são uma sobrecarga de sinalização. E não vi ainda nenhum estudo que mostre a participação relativa destes dois componentes do tráfego. Talvez a política mais interessante para o shaping do tráfego via DPI seja estratificando pelo tipo de UE, e não pelo tipo de aplicação utilizada.


ComUnidade WirelessBrasil                     BLOCO