José Ribamar Smolka Ramos
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Julho 2010               Índice Geral


25/07/10

• José Smolka comenta o assunto: "A Anatel é órgão de Estado ou de governo?"

De: "J. R. Smolka" <smolka@terra.com.br>
Data: Dom, 25 de Jul de 2010 5:57 pm
Assunto: Re: [wireless.br] Re: Marco Regulatório de Telecom (3) - Um absurdo! Sem quadros competentes e na ausência da Anatel governo quer produzir um Marco nas vésperas das eleições

Rogério,

Vou me ater exclusivamente à sua tese de Direito Constitucional. O resto apenas gera atrito e calor, mas nenhuma luz. Por partes...

(...) O impedimento para a Anatel se tornar um Órgão de Estado (em maiúsculas e sem aspas) não está na vontade do governo da vez e sim na Constituição Federal, mais especificamente nos artigos 1º e 18º, que tratam da organização político-administrativa da República Federativa do Brasil.(...)

Apenas para a orientação dos leitores sem muita familiaridade com as Leis em geral, e com a constituição Federal em particular: o art. 1º identifica quem são os entes federados que formam a República (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal), e o art. 18 diz que os entes federados da República são autônomos. Do art. 18 até o art. 43 descreve-se a organização do Estado (conjunto dos entes federados).

A sua tese é muito simples: Órgão de Estado é necessariamente igual a ente federado. Daí que, para que qualquer agência reguladora fosse òrgão de Estado ela teria que equiparar-se aos entes federados da República. Pretendo provar que você está errado.

(...) Para uma agência reguladora poder desfrutar do status de Órgão de Estado, seria necessário, em primeiro lugar, que ela não fosse instituída como uma autarquia pela sua lei de criação, pois autarquias, especiais ou não, sempre precisam ser vinculadas aos ministérios responsáveis pelas suas áreas de atuação e isso as relega, inevitavelmente, à condição de reles apêndices do Poder Executivo (órgãos da administração indireta). Em segundo lugar, seria necessária uma emenda à Constituição, dando às agências reguladoras a mesma autonomia político-administrativa que é atribuída à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, de forma a equipará-las a estes entes federativos e é aí que a suína torce o rabicó pois, como o inciso I do § 4º do art. 60 da CF determina que qualquer emenda propondo alterações na forma federativa de Estado não será objeto de deliberação (tornando cláusulas pétreas os arts. 1 e 18), resulta que, para transformar as agências reguladoras em Órgãos de Estado, seria necessário convocar uma nova Assembléia Constituinte!!! (...)

Concordo, em tese, que o status de autarquia não é o correto para dar às agências reguladoras a independência necessária. E, independente de ser ou não legal a idéia de dar às agências o status de autarquias que gozam de um regime especial de administração, que tem sido usado até aqui, sempre dará margem para que os governantes do momento influenciem no seu funcionamento, para o bem ou para o mal. Aliás, se não me engano, esta figura de Direito já foi objeto de ADIN julgada no STF e, com algumas ressalvas, não foi considerada inconstitucional. Acho que pode e deve ser melhor que isso. Mas, ao contrário do que você postula, entendo pode ser feito com uma emenda à constituição, sem a necessidade de nova Assembléia Constituinte.

Para mim, o conceito de Órgão de Estado é um organismo cujo funcionamento é essencial para o correto funcionamento de algum dos Poderes da União, e que não deve estar sujeito às flutuações ideológicas naturais da alternância do poder no Executivo e no Legislativo. O precedente que eu uso como termo de comparação são o Ministério Público, a Advocacia Geral da União e a Defensoria Pública. Principalmente o primeiro destes.

Voltando à questão da estrutura da Constituição Federal. os artigos 18 a 43 formam o Título III - Da Organização do Estado. A partir do art. 44 inicia-se o Título IV - Da Organização dos Poderes, sendo os artigos de 44 a 75 (Capítulo I) dedicados ao Poder Legislativo, de 76 a 91 (Capítulo II) ao Poder Executivo e de 92 a 126 (Capítulo III) ao Poder Judiciário. A parte que me interessa mais é o Capítulo IV - Das Funções Essenciais à Justiça, que compreende os artigos de 127 a 135, e que descreve as atribuições dos três Órgãos de Estado que citei, sendo os artigos de 127 a 130 dedicados ao Ministério Público.

Para mim é muito claro que, para que as agências reguladoras gozem do mesmo status de Órgão de Estado que tem, por exemplo, o Ministério Público, então o que é necessário é emendar a constituição criando esta figura, em moldes análogos ao que foi feito para o Ministério Público, a Advocacia Geral da União e a Defensoria Pública. Poderia ser, por exemplo: Título IV, Capítulo V - Das Agências Reguladoras. Seria, certamente, uma PEC para ser muito bem discutida, e que geraria muita polêmica. Mas é o caminho que acho correto.

Um último pensamento me ocorre... é fato que o inciso I do § 4º do art. 60 veda emendas à Constituição Federal que proponham abolir o sistema federativo. Abolir, para mim, significa acabar, extinguir. Isto seria o caso se alguém propusesse a extinção dos Estados, Municípios e Distrito Federal, incorporando-os todos à União. Porém, se fosse o caso (que acho não ser) de equiparar agências reguladoras a entes federados, então o caráter federativo da República continuaria preservado, apenas com a ampliação da quantidade dos entes federados. Então, neste caso, o art. 1º e, consequentemente, o art. 18 não são cláusulas tão pétreas assim.

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J. R. Smolka


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