José Ribamar Smolka Ramos
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Junho 2011               Índice Geral



28/06/11

• José Smolka comenta matéria do Estadão: "O que o celular faz a suas células"

Referências:
27/06/11
• "Radiação e Saúde": Msg e Tradução de José Smolka + Matéria do Estadão + "Lei da Radiação"
21/06/11
• Palestra de Michael Crichton traduzida por José Smolka : "Extraterrestres são a causa do aquecimento global"

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Mensagem de José Smolka

de J. R. Smolka smolka@terra.com.br por yahoogrupos.com.br
para wirelessbr@yahoogrupos.com.br, Celld-group@yahoogrupos.com.br
data 28 de junho de 2011 21:33
assunto [Celld-group] Re: [wireless.br] "Radiação e Saúde": Msg e Tradução de José Smolka + Matéria do Estadão + "Lei da Radiação"

Oi Hélio e colegas dos grupos,

A reportagem do "Estadão" que você citou é do tipo clássico que foi mencionado especificamente pelo Michael Crichton naquela palestra. Por isso acho que ela merece uma análise detalhada, praticamente parágrafo a parágrafo. Vejamos...

[26/06/11]  O que o celular faz a suas células - por Carla Peralva

▪▪▪ Níveis de radiação estão dentro dos parâmetros, mas eles podem estar errados

O título e subtítulo da reportagem já são indício da intenção da autora: induzir o leitor à dúvida e ao medo quanto a um possível risco à sua saúde. O interessante é que a frase do subtítulo tem, de acordo com o conhecimento científico atual, o mesmo valor que a sua oposta, ou seja: não informa coisa nenhuma, apenas induz.

“Cinco bilhões de celulares no mundo é a maior experiência biológica já feita na humanidade”, diz o professor Leif Salford, presidente do departamento de neurocirurgia da Universidade de Lund, na Suécia. Como muitos outros cientistas, ele estuda há décadas os efeitos da radiação eletromagnética no corpo humano e se preocupa com o fato de o mundo usar cada vez mais tecnologias baseadas em ondas eletromagnéticas – rádio,TV, celulares, Wi-Fi – sem saber que efeitos elas podem ter na saúde.
Este é um ponto que eu sempre me pergunto: estamos mergulhados em um "banho" de radiação de RF que vem desde o primeiro terço do século XX, quando transmissões de rádio tornaram-se comuns. Depois se acrescentaram as contribuições das emissoras de TV e, mais recentemente (mas nem tanto assim), torres de telefonia celular e hotspots WiFi. A simples lógica me diz que se isso tivesse algum efeito biológico significativo então nós deveríamos estar observando uma epidemia global destes efeitos, fossem eles quais fossem. E não me parece que seja este o caso.

Infelizmente existem muitas pessoas que, tal como o Dr. Leif, acreditam que todos os avanços tecnológicos da vida moderna embutem potenciais riscos à saúde que, na sanha da busca do lucro a qualquer custo, são omitidos do conhecimento público. Digo infelizmente porque esta postura crítica, embora fundamentalmente saudável, foi "pedalada" por reportagens, livros, artigos, e todo tipo de mídia possível e imaginável, até tornar-se uma espécie de paranóia coletiva. Só que os únicos beneficiários desta paranóia são as mesmas pessoas que difundem o alarmismo. Nossa saúde não fica objetivamente mais segura, mas eles co certeza vendem mais revistas, livros, filmes, jornais e obtém muitos e muitos minutos de cobertura de rádio e TV.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), no dia 31 de maio, deu um alerta: pode causar câncer. O anúncio da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc, na sigla em inglês), braço da entidade, classificou a radiação emitida pela antena do telefone celular como “possivelmente cancerígena para humanos”, o mesmo grupo de perigo em que gases emitidos por automóveis, chumbo e clorofórmio estão incluídos.

O estudo que motivou o anúncio relaciona o uso do celular ao aumento de tumores malignos e benignos no cérebro. Segundo a pesquisa, quem usou o aparelho por 30 minutos por dia durante 10 anos, apresentou 40% mais chances de desenvolver gliomas, tumor encefálico maligno e muito perigoso. Mas a divulgação já veio com uma ressalva: os resultados não são definitivos. Ainda não há nenhum caso de câncer comprovadamente causado por celular e faltam estudos epidemiológicos para comprovar a ligação da doença com o uso do aparelho.
Eu já dei a minha interpretação para o anúncio da OMS (via IARC), e não vou repetí-la aqui. Só gostaria de fazer um pequeno exercício aritmético com vocês.

Suponhamos que em um grupo de pessoas (com, digamos, 10.000 participantes), após 10 anos de observação eu registro a ocorrência de 70 casos de um tipo específico de câncer. Eu não tenho como ter um grupo de controle, que tenha um estilo de vida exatamente igual ao do meu grupo em estudo, exceto por algum fator ambiental qualquer, então através de algum cálculo estatístico (não explicado aos senhores leitores, afinal isto é ciência, e está fora do seu alcance intelectual) eu chego à conclusão que, se removido o tal fator ambiental durante o período observado, o número de casos esperado para aquele tipo de câncer naquela população era de apenas 50.

Isto, se estiver certo, o que não está provado, corresponde a um aumento absoluto de 20 casos Contados sobre a estimativa anterior (de 50 casos) representam 40% a mais de risco, o que é muito, não? Mas quando comparamos estes números com a população total temos uma aumento de 0,5% (50 casos em 10.000 indivíduos) para 0,7% (70 casos em 10.000 indivíduos). Ou seja, a incidência aumentou (presumivelmente) de 0,5% para 0,7%. Agora não parece tão assustador, não é? E qual das duas coisas, ambas aritmeticamente certas, é realmente significativa para determinar se alguma ação prática do poder público é necessária?

E assim são as coisas. Números são "massageados" para traduzir o efeito pretendido, e não para informar de verdade a população. É este o caso com este anúncio do IARC? Não posso afirmar porque não li os detalhes, apenas os press-releases. Mas eu tenho minhas suspeitas. Vários estudos são feitos e não são considerados conclusivos. Depois vários cientistas do IARC fazem uma "revisão crítica" do conjunto desses estudos e, com um conjunto de critérios de classificação que deixa margem à utilização de critérios subjetivos, decide que existe uma suspeita de correlação estatística entre a ocorrência de um tipo específico de tumor (glioma) e exposição contínua e prolongada a radiação de RF (dos aparelhos, não das radio-bases).

Eu ainda acho que precisa algo melhor que isso pra me convencer.

Para Adilza Condessa Dode, doutora em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais, a classificação “possivelmente cancerígena” já basta para a adoção do chamado Princípio da Precaução, que diz que, se ainda não há certeza sobre danos que uma tecnologia causa à saúde, é melhor adotar medidas restritivas do que esperar até que aconteça o pior.
A Dra. Adilza (na dúvida vou reconhecer o título, embora não tenha conseguido nenhuma informação sobre o resultado da banca de avaliação da tese de doutorado que ela apresentou em abril do ano passado na UFMG) não é doutora em Eng. Elétrica. Ela tem graduação nesta área, mas tanto o seu mestrado (com certeza) quanto o seu doutorado (acredito) são conferidos pelo depto. de Eng. de Saneamento, Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Escola de Engenharia da UFMG.

Quanto ao posicionamento pessoal dela, típico do que já comentei acima.

Em sua tese de doutorado, defendida no ano passado, Adilza relacionou as mortes por câncer acontecidas em Belo Horizonte entre 1996 e 2006 com a proximidade da residência dos doentes a antenas de telefonia móvel: 93% dos casos das mortes ocorreram a até 500 metros de alguma antena. Foram analisados só casos de câncer que a literatura médica já sabe estarem relacionados à ação do campo elétrico gerado pela radiação, como de mama, pele, próstata, pulmão e fígado.
Devagar agora... Como é mesmo? Tipos de tumor que a literatura médica RECONHECE como relacionados à exposição de radiação de RF? De onde veio isso? Se alguém tiver casos concretos de literatura, quero ver. Cadê as citações específicas de artigos ou teses publicadas que sustentam isso?

E agora vamos à epidemiologia da coisa. Cânceres de mama, pele, próstata, pulmão e fígado, salvo engano meu, devem responder por uma fração significativa do total de casos de câncer. Meu faro de leigo me sugere algo acima dos 75%. Então o meu faro de leigo em estatística também me sugere que numa situação dessa eu talvez consiga uma boa correlação espacial com qualquer fator ambiental que eu quiser.

Tenho uma sugestão: que tal pegar os dados da Dra. Adilza e correlacioná-los com outros fatores ambientais? Que tal a localização dos bueiros de esgotamento pluvial da cidade? Ou a distribuição geográfica do tipo de árvore mais comum na vegetação urbana de BH? Não, isto não é piada. O que estas possibilidades tem de semelhante com a hipótese original é que provavelmente possuem um adensamento tal que quase qualquer coisa parecerá ter uma correlação espacial com eles.

Não posso descartar completamente a tese porque não a li. Só vi até agora artigos e reportagens escritos por gente que provavelmente só leu o abstract da tese (ou nem isso). Mas que eu acho esquisito, acho!

Com sua pesquisa, Adilza alerta que o problema da radiação do celular na verdade são dois: a alta radiação emitida quando o aparelho é usado para fazer ligações e o longo tempo de exposição a campos eletromagnéticos mais fracos criados pelo sistema de antenas de celulares, radares, rádios e TVs. Para a engenheira, a poluição eletromagnética é o maior problema ambiental do século 21, principalmente porque ainda não se tem certeza dos efeitos que ela pode causar.
Surpresa! A pesquisadora da área, que vai conseguir mais verbas de pesquisa e contratos de consultoria caso sua especialidade seja reconhecida como um risco significativo à saúde pública, declara que sua pesquisa é importante e que o problema enfocado por ela é muito relevante? Que original!

No Brasil, quem determina e fiscaliza os níveis de exposição a campos eletromagnéticos é a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ela define tanto a radiação máxima que um celular pode emitir quanto o valor máximo de campo eletromagnético que um conjunto de antenas pode gerar em área habitada.

Os valores adotados pela Anatel, em regulação de 2002, são os mesmos definidos pela Comissão Internacional de Proteção Contra Radiações Não Ionizantes (Icnirp) e ainda indicados pela OMS. Segundo Agostinho Linhares de Souza, gerente especialista em regulação da Agência, todos os pontos de medição do país estão com os níveis de campo elétrico abaixo dos recomendados pela legislação – dificilmente as medições atingem um sétimo do máximo permitido, 28 volts por metro, em locais onde a população está exposta a combinadas frequências.
E, na falta de orientações melhores e cientificamente embasadas, a Anatel está certa em proceder assim. Ponto.

A questão levantada pela OMS é se esses padrões são de fato seguros. E quanto tempo levará para revê-los antes que saúde pública seja afetada. Países como Suíça, Itália, Rússia e China já adotam parâmetros mais restritivos tanto para a emissão de radiação por aparelhos como celulares e roteadores, como para antenas de telefonia e radiodifusão. A cidade de Porto Alegre, por decreto municipal, também optou pela cautela e adotou padrões 100 vezes mais baixos que os recomendados pela lei federal.
Suíça, Itália, Rússia e China, não é? Como assim "parâmetros mais restritivos"? O que exatamente na legislação federal, estadual ou municipal destes países (com as devidas adaptações para as terminologias específicas de cada caso) implica em maiores restrições em relação às orientações da ICNIRP? Citar genericamente o que acontece em países supostamente mais avançados que o nosso é um velho truque, semelhante às alegações de consenso, porque estancam o debate antes dele começar. Gente melhor que nós concordou em ser mais restritivo, então quem somos nós para discutir, não é? Isso é um jogo com o "complexo de vira-lata" do brasileiro médio.

Mas, admitindo que tal legislação de fato exista, e daí? Os fatos científicos conhecidos aqui e lá são os mesmos. Então se eles resolveram ser mais paranóicos (perdão... cautelosos) o que eu posso fazer? Surtar junto?

Segundo Leeann Brown, porta-voz do Environmental Working Group, associação de pesquisadores sem fins lucrativos, a classe científica ainda não consegue determinar quais os padrões seguros de exposição a radiação, mas já é possível afirmar que os parâmetros atuais são altos demais e precisam ser revistos com urgência. Leeann acredita que apenas uma mobilização da população pode acelerar a mudança da legislação em cada país, já que as empresas de telecomunicações já sabem dos perigos, mas evitam falar sobre isso para não assustar os consumidores.
De volta os mesmos espantalhos de sempre. Um diretor de ONG, tão diretamente interessado no sucesso da tele alarmista quanto os pesquisadores, faz o mesmo tipo de declaração, acrescido do velho chavão demonizante contra a indústria. Cansativo...

E o que acontece se os padrões forem mudados e as empresas forem obrigadas a diminuir a potência do sistema de telefonia? Em Paris e em Porto Alegre, cidades com legislações mais restritivas, os serviços mantiveram o padrão de qualidade. Agostinho Souza também acredita que quase nenhum impacto seria sentido pelos consumidores, pois os níveis de campo elétrico hoje vistos nos Brasil estão tão abaixo do limite que não seria problema se adequar a uma nova legislação.
Ninguém disse que não é possível operar com potências mais baixas. É só uma questão de adensamento das rádio-bases. Mas isso também não é desejável pelos eco-xiitas, não é? Adensar significa que a distância média entre o cidadão e a antena mais próxima vai diminuir. E aí vão dizer que a potência ainda é demais, e assim por diante.

Ademais isto é apenas mais uma referência não tão velada quanto à ganância das empresas.

Vou terminar citando o trecho da palestra do Michael Crichton onde ele fala do papel da imprensa nisto tudo.

"Isto foi possível, em parte, por causa da complacência dos profissionais da ciência; em parte pela falta de boa educação científica básica da maioria da população; em parte pela ascensão de grupos de pressão especializados, capazes de obter publicidade e de moldar as políticas; e, na maior parte, pelo declínio da mídia no papel de avaliador independente dos fatos [...] Quando instituições de destaque como o New York Times não conseguem mais diferenciar entre conteúdo fatual e opinião editorial, misturando os dois livremente na sua primeira página, então quem poderá  cobrar altos padrões morais a quem quer que seja?"

Quod erat demonstrandum.

[ ]'s

J. R. Smolka

P.S.: E os cientistas não gostam de ser interpelados da forma que estou fazendo aqui. Ainda estou procurando exatamente o local onde li isto (com certeza está em algum lugar do 4th Assessment Report do IPCC), mas em linhas gerais é preciso com o bordão de um antigo personagem do Jô Soares. Ele interpretava um médico que, sempre que alguém questionava o que ele dizia, perguntava: "o(a) senhor(a) é médico(a)?" Como a resposta era sempre não, ele emendava: "ah entendo! o(a) senhor(a) é leigo(a)! Com leigo(a) eu não discuto!"
 

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