José Ribamar Smolka Ramos
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Novembro 2011 Índice Geral
06/11/11
• A Tríplice Disputa - por Steven Den Beste
(Tradução de José Smolka)
A Tríplice Disputa
Steven Den Beste (1)
Esta ideia vem rondado a minha mente há muito tempo. Já pesquisei em tantos
sites
que não consigo manter uma lista dos
links
visitados, mesmo que eu ainda tivesse todos os
links
– o que não tenho. E eu ainda não consegui arrumar todas as ideias; isto ainda é
uma tentativa preliminar.
Existem três grandes forças em conflito hoje em dia. Acho que a maioria das
pessoas na face da terra não faz parte ativa de nenhum destes três grupos.
Ideologicamente falando elas são apenas observadoras casuais, que não tem nem
vontade nem capacidade para influenciar significativamente esta disputa
tríplice. Mas existe um número enorme de pessoas dedicadas (em maior ou menor
grau) a cada uma destas três forças, e existem países importantes que são
dominados por cada uma delas. Entre os devotos de cada grupo existe muita
variação individual, porém as diferenças entre os três grupos são marcantes, e
podem ser intransponíveis.
Por outro lado, qualquer afirmativa geral que eu fizer sobre qualquer das facções não é totalmente correta. Para cada generalização existem notáveis exceções, Mas se ficarmos intelectualmente paralisados por causa destas exceções torna-se totalmente impossível discuti-las. Portanto eu vou apresentar minhas generalizações, sabendo que cada uma delas não representa toda a verdade.
Uma das três forças é fortemente motivada pelo fervor religioso, ou, pelo menos,
é fortemente influenciada por ele, e as outras duas derivam da tradição
filosófica europeia. No nível ideológico mais básico todas as três são
incompatíveis, e, no longo prazo, apenas uma pode triunfar. Acordos de curto
prazo são possíveis, mas eventualmente duas irão perder a disputa, e uma irá
ganhar. O interessante é que uma das forças que deriva da filosofia europeia
aliou-se com a força religiosa para combater a outra força de origem europeia. A
razão para isso é que a tendência histórica de longo prazo parece indicar que a
força isolada irá ganhar, e é por isso que as outras duas aliaram-se contra ela.
Uma forma de entender a profundidade desta divisão tripla é comparar as opiniões
de cada facção sobre o conceito de
igualdade.
A Renascença europeia “amansou” o Cristianismo. Houve um tempo em que o
Cristianismo era politicamente poderoso e muito militante. Depois da Reforma e
durante a Renascença o Cristianismo tornou-se progressivamente menos poderoso
como força política, e, ao mesmo tempo, tornou-se mais tolerante e menos
agressivo. Este é um processo ainda em andamento, e não está completo. Mas a
época em que a Igreja mantinha seus próprios tribunais e podia condenar os
hereges à morte já acabou faz tempo. Não importa o que falem, o Cristianismo
militante não é uma das três forças na disputa.
Existem várias outras grandes religiões na face da terra, que possuem milhões, ou até centenas de milhões de adeptos, mas que não são politicamente militantes.
Existe apenas uma grande religião que é militante e que continua a exercer
influência política significativa: o Islã. Não se trata de dizer que todos os
Muçulmanos do mundo são fanáticos de olhar desvairado, cujo único interesse é
dominar o mundo. Mas existe um número suficiente deles para torná-los uma
importante força política mundial, e eles são uma das facções nesta disputa.
Chamar esta facção de “Islã” é errado. Eu nunca me senti confortável com
qualquer dos termos correntes para me referir a esta força, porque todos eles
criam distorções de uma forma ou de outra. Meu próprio termo: “tradicionalistas
árabes” não é satisfatório, já que muitos não árabes fazem parte dela. O
consenso hoje em dia parece ser o termo “islamita”, e eu vou usá-lo mesmo não me
sentindo confortável com ele. Mas, provavelmente, é o melhor entre os
disponíveis (algumas das facções incluídas na força “islamita” não são
particularmente religiosas, mas elas têm origem em culturas onde o Islã domina
há mil anos, e, portanto, internalizaram muitas atitudes islâmicas).
Então, com respeito à questão da igualdade como conceito político, para os
islamitas esta é uma questão boba. A igualdade não tem a menor importância.
As outras duas forças são filhas da Renascença europeia, mas descendem de ramos
diferentes dela. Uma origina-se em Rousseau e Marx, e acredita na igualdade de
resultados. A outra descende de Locke, e acredita na igualdade de oportunidade.
Se eu já tive problemas para nomear a força “islamita”, eles ficaram ainda
piores para encontrar nomes para as outras duas. É ilusório defini-las como
“Socialistas” e “Capitalistas”, porque muitos socialistas e capitalistas não
estão incluídos nestas forças. Mas é ilusório chamá-las assim, também, porque as
diferenças entre elas têm origens muito mais profundas.
As raízes da divisão entre estes dois grupos são muito antigas. E a divisão
tríplice também envolve diferenças básicas na epistemologia, e uma diferença
básica (e incompatível) sobre a natureza do mundo.
Para a força islamita a natureza fundamental do mundo foi completamente
esclarecida pelo Profeta. Qualquer coisa em contrário a isto é heresia.
Para as outras duas é mais complicado. E a fonte da discórdia entre elas vem
desde filosofia grega pré-cristã. Uma destas visões de mundo é conhecida como
teleologia,
cuja suposição básica é a existência de uma elegância fundamental no projeto do
universo, uma profunda sensação de que todas as coisas possuem um relacionamento
tal que os resultados são sempre agradáveis, estética e intelectualmente. Quando
algo acontece não é apenas por relações locais de causa e efeito; também existe
uma “causa última”, um significado mais profundo que é a sua real origem. E, por
causa disso, tudo está relacionado com tudo; cada coisa é uma parte do todo, e
faz parte de um padrão geral de elegância.
Estou usando o termo elegância da mesma forma que os cientistas, matemáticos e
engenheiros o usam, e que é meio difícil de explicar para os leigos. É uma forma
de simplicidade, integridade e objetividade; uma sensação de eficiência e
economia na construção, mas que, na matemática, é extremamente produtivo; na
ciência é uma explicação abrangente; e na engenharia é uma solução completa para
o problema.
Acho que tudo começou com uma espécie de intoxicação intelectual causada pelo
estudo da geometria euclidiana. Esta é uma das maiores conquistas intelectuais
da espécie humana, e não há dúvida que ela é supremamente elegante – baseada em
apenas cinco postulados, e conduzindo a resultados frutíferos de vários tipos.
Porém, alguns gregos começaram a procurar por uma unidade e uma beleza
subjacente semelhantes no resto dos seus estudos: aquilo que hoje conhecemos
como ciência e filosofia.
Para os gregos daquela época ciência, matemática e filosofia não eram
consideradas disciplinas separadas. O estudo de todas elas era parte da
filosofia natural.
Existiam muitas “escolas” de pensamento na Grécia através dos duzentos anos que
durou a era de ouro, e muitas delas incluíam o conceito básico que o mundo devia
ser tão elegante quanto a geometria.
Há uma consequência interessante desta ideia: se o universo é ordenado, e se
existem um profundo propósito e uma unidade subjacentes, então se você conseguir
compreender a “causa última” você será capaz de prever as suas consequências
diretamente. Portanto você poderia criar uma descrição completa do universo em
termos que hoje chamaríamos de “científicos”, baseado no fato que o universo
tinha que ser
daquele jeito. Qualquer outra forma seria desarrumada, suja, deselegante,
portanto impossível. E, naturalmente, não haveria necessidade de testar suas
conclusões. Elas seriam inevitáveis, e teriam que ser verdadeiras.
Muito disso vem da tradição platônica. Até certo ponto Aristóteles também adotou
esta visão de mundo. Aqueles que se deixaram influenciar por esta crença básica
criaram uma cosmologia que assumia que o que estava na terra era imperfeito, e
que a perfeição encontrava-se nos céus. A terra estava no centro, cercada por
esferas celestes de cristal. A razão para a terra estar no centro era porque os
humanos eram as estrelas do
show.
O universo existia para que nós pudéssemos viver nele. O que hoje chamamos de
“leis da física” eram consideradas como diferentes na terra e nos céus, e nosso
objetivo aqui na terra era buscar o auto aperfeiçoamento.
Esta elegância inerente básica também deveria ser verdade para a filosofia e
para a teoria política. Ideias políticas e filosóficas elegantes tinham que
estar corretas, porque o universo era inerentemente elegante. Se elas não
funcionavam como esperado quando postas em prática, a culpa era das falhas
humanas (um bom projeto, implementado com componentes defeituosos pode falhar,
mas não é culpa do projeto).
A imperfeição humana era um aspecto essencial da cosmologia, mas alguns humanos
eram mais falhos que os outros. Alguns conseguiam chegar mais perto da perfeição
e da sabedoria que os outros, e era natural e certo que estes deveriam exercer o
poder sobre os demais.
Em alguns casos isso resultou em quantidades imensas de racionalização e
autoelogio, para provar para certos grupos, sem sombra de dúvida, que eles de
fato eram superiores às demais pessoas e tinham o direito de governar por causa
da sua superioridade espiritual e filosófica inerente.
Uma das formas em que isto acabou se manifestando foi na corrente filosófica do
Idealismo,
que afirma que a mente é a força essencial e central do universo. Existem muitas
formas pelas quais isto se manifesta. Uma forma extrema é o
solipsismo,
que sustenta que a realidade, de fato, é aquilo que quisermos que ela seja, e
que não existe uma “realidade” objetiva. Mesmo em formas menos extremas do
idealismo, a mente ainda ocupa o centro do palco.
Em filosofia, idealismo é uma escola de pensamento que defende que todos os objetos da natureza e da nossa experiência são representações da mente, e, às vezes, atribuem a estas representações uma existência de ordem superior. Sua opositora é a escola do materialismo. Platão imaginava um mundo no qual as ideias eternas constituem a realidade, da qual o mundo das experiência ordinárias é apenas uma sombra.
E esta é a razão pela qual você poderia entender tudo: se você puder, de alguma
forma, sintonizar-se com esta ordem superior da existência você,
automaticamente, terá conhecimento sobre tudo. E aqueles que conseguirem chegar
mais perto deste estado de iluminação são, portanto, mais sábios que os demais,
e devem ter poder sobre as outras pessoas.
A terceira força também se alimenta em raízes gregas e, como mencionei antes,
ela é conhecida genericamente como
realismo.
Tudo começa com uma pergunta: “como o universo realmente é?”, e chega à
resposta: “sei lá; vamos dar uma olhada e descobrir.”. Ela afirma que existe um
universo objetivo, e não assume automaticamente que ele tenha nenhum tipo de
propósito subjacente. Se isto existir vai ficar claro no devido tempo e,
enquanto isso, vamos olhar em volta e descobrir que tipo de lugar é este em que
vivemos.
Aqueles que efetivamente se dispuseram a sair olhando por aí acabaram
descobrindo algumas coisas bem bacanas. Eratóstenes, por exemplo, calculou o
diâmetro da terra e chegou a um resultado que diferia apenas 15% do valor real.
Mas o realismo não era tão satisfatório quanto o idealismo. Para começar ele
representava um monte de trabalho, e ele não tinha o atrativo da elegância. E,
politicamente falando, o idealismo era popular porque ele conseguia explicar
porque aqueles que estavam no poder
deviam
estar no poder.
Portanto o idealismo dominava, e continuou a dominar a Europa até o início da
Renascença. Mas era um domínio complicado, porque a visão de mundo consensual do
idealismo não sobreviva ao teste da prática. A física dos gregos, e alguns
elementos da filosofia grega tornaram-se dogmas cristãos (por razões históricas
complicadas), e o problema era que, se você tentasse projetar ou fazer coisas
com base nestes dogmas, você não obtinha o resultado esperado.
Quando a artilharia chegou à Europa, tornando-se presença cada vez maior nas
guerras, uma coisa que ficou muito clara foi que as balas de canhão não se
comportavam da forma que o idealismo dizia que devia ser. Artilheiros que
miravam conforme a teoria idealista erravam os alvos, e aqueles que não seguiam
as regras idealistas acertavam muito mais. Balas de canhão não seguiam linhas
retas, nem seguiam trajetórias circulares. A trajetória real era mais
complicada. E, em muitas outras formas, as coisas não se comportavam como
deviam. Como, na época, estava ocorrendo uma grande expansão do conhecimento de
engenharia na Europa, a maior parte dele baseada na acúmulo de conhecimento
prático, obtido pela experiência direta. Como este conhecimento tinha valor
comercial, era inevitável que algumas pessoas começassem a se perguntar por que
a teoria convencional não funcionava.
A observação detalhada do movimento dos planetas pelo céu não produziu
resultados que fizessem sentido com a velha ideia deles estarem presos a esferas
giratórias de cristal. Na verdade, uma vez que Mercúrio e Vênus nunca se
afastavam muito do Sol, nem mesmo fazia sentido que a Terra estivesse no centro.
Copérnico propôs que, na realidade, o Sol fosse o centro, e causou um bocado de
confusão.
Um homem bem desagradável chamado Tycho Brahe passou anos fazendo registros
extremamente acurados dos movimentos dos planetas (tudo isso sem telescópios,
diga-se). E, quando ele morreu, todos os dados foram herdados por Kepler, que
tentou encontrar sentido neles. Finalmente ele concluiu que Copérnico estava
certo, mas também descobriu que todas as órbitas eram, realmente, elípticas em
vez de circulares, com o Sol ocupando um dos focos da elipse. E, ainda mais
surpreendente, descobriu que a velocidade orbital de cada planeta mudava de uma
forma bem definida, mais rápida quando próximo do Sol e mais devagar quando
longe dele. Ele foi capaz de formular descrições matemáticas que eram muito boas
para predizer o movimento futuro dos planetas, mas não explicavam porque isto
acontecia.
Foi Newton, “subindo nos ombros de gigantes”, quem de fato descobriu isso, com a
formulação da lei da gravitação universal. Foi uma tremenda realização, que
também quebrou outro dogma básico, já que ela parecia funcionar da mesma forma
em toda parte, o que acabou se confirmando totalmente na mecânica galileana e,
no final, por todas as áreas da física e da ciência. O movimento dos objetos
celestes não era diferente do movimento dos objetos aqui na Terra. De fato não
parecia haver nenhuma diferença entre os céus e a Terra, exceto que a Terra
ficava bem mais perto da gente.
O realismo estava de volta, e ele tornou-se progressivamente influente com o
passar do tempo, porque
ele funcionava.
O que chamamos de ciência moderna começou a partir do momento que o realismo
superou o idealismo, e este está em fuga desde então, tornando-se cada vez mais
isolado. A ciência e a engenharia modernas são baseadas nos princípios
fundamentais do realismo: existe uma realidade objetiva, e você só pode
determinar a natureza desta realidade através da experiência. E, se você fizer
isso e conseguir compreender a realidade, a menos que você tenha subestimado
algum fator importante, ela se comportará desta forma em toda parte, e
você poderá projetar ferramentas e outras coisas
com base neste conhecimento, e elas farão exatamente aquilo que você quiser que
elas façam.
E isto significa que você pode ganhar muito dinheiro.
Acho que é por isso que o realismo e o capitalismo tronaram-se tão entrelaçados.
Os idealistas mantiveram uma campanha de guerrilha contra eles mas, pelo menos
na Europa, não puderam impedir que o realismo se espalhasse, porque o realismo
funcionava. Era deselegante e, em certos casos, produzia conclusões bastante
desagradáveis, mas elas eram difíceis de ignorar, porque pareciam funcionar.
Mas, se o realismo foi tão bem-sucedido no que diz respeito à física e à
engenharia, então isto permite questionar o domínio do idealismo em outras
áreas? Como o “direito divino dos Reis” ou a natureza da religião? E que
porcaria é essa tal de “evolução” afinal? Você está tentando me convencer que os
humanos são apenas animais avançados?
Durante a Renascença ocorreram vários questionamentos sobre áreas básicas, como
política e religião. E o idealismo não se contentou em deitar de costas e
morrer. Atenção a todos os puristas por aí: eu sei que não estou usando estes
termos na forma precisa que a ortodoxia os define. Pense nisso como um sumário
feito por um engenheiro, não como um livro texto, e me deem um tempo, certo?
Quando eu estudei filosofia no ensino médio, qualquer assunto que fosse tratado
incluía, de um jeito ou de outro, uma seção que dizia o que Kant pensava sobre
aquilo. Que mente abrangente a de Kant! Pena que esteja errado sobre tantas
coisas (aqui acontecem os gritos de indignação da plateia...). Esta foi uma
delas. De acordo com a
Encarta:
Kant combinou o princípio empiricista que todo conhecimento tem sua fonte na experiência com a crença racionalista no conhecimento obtido pela dedução. Ele sugeriu que, embora o conteúdo experimental tenha que ser obtido pela experiência em si, a mente impõe forma e ordem à experiência, e esta forma e ordem podem ser descobertas a priori – isto é, apenas pela reflexão. Sua afirmação que a causalidade, substância, espaço e tempo têm formas em sua experiência impostas pela mente deu suporte ao idealismo de Leibniz e Berkeley, mas ele deu à sua visão uma forma mais crítica ao idealismo, ao aceitar a afirmação empiricista que as coisas em si mesmas – isto é, as coisas existentes fora da experiência humana – não são conhecíveis.
Nem todos foram nesta direção, e, ao final, rejeitaram a primazia da mente
humana sobre o universo. Isto era o empiricismo, que Kant pareceu aceitar, mas
não o fez realmente.
Muitas teses de Ph.D. foram escritas sobre como isto tudo afetou o
desenvolvimento da filosofia e da teoria política, e eu não vou nem tentar fazer
um sumário delas. O que eu sei é que, no final do século XVIII ocorreram duas
grandes revoluções ocorreram, e dois governos surgiram, baseados nas duas
principais vertentes de como isto tudo acabou. Uma foi na América do Norte, onde
os revolucionários eram altamente influenciados pelo pensamento de Locke, e o
outro foi na França. Os americanos eram realistas, pragmáticos, e tentavam
formar “uma união aperfeiçoada”, mas não tinham esperança de atingir a
perfeição. Os revolucionários franceses eram idealistas, seguidores de Rousseau
e assemelhados, e miravam as estrelas.
Mais uma vez o realismo
funcionou,
enquanto o idealismo naufragou em chamas. A revolução francesa desembocou no
Terror, e em menos de quinze anos o povo francês desistiu de tudo aquilo e
retornou à monarquia sob Napoleão. Mas nós todos sabemos o que aconteceu na
América do Norte, certo?
À sua própria maneira, o islamismo também é idealista, mas com uma única ideia:
sua religião. Existe uma “causa primordial” para tudo, que é Alá. Se as coisas
não estão acontecendo da forma que o Corão diz que elas deveriam ser é por causa
da imperfeição humana, não por falhas na Escritura ou na teoria básica. Portanto
a solução é a purificação religiosa e dedicação ainda maior às regras de vida
definidas pelo Profeta.
Para os idealistas europeus Marx foi a grande saída. Por um motivo simples: ele
parecia oferecer uma maneira de cooptar o realismo para servir ao idealismo. Ele
disse que o domínio da elite esclarecida era historicamente inevitável, e que o
capitalismo sucumbiria às suas contradições internas, e que, depois disso, o
socialismo triunfaria inevitavelmente. Ele ofereceu um novo tipo de “causa
primordial”, na forma da inevitabilidade histórica (o início
deste artigo de Lee Harris
dá um sumário disto).
Infortunadamente as coisas não ocorreram da forma que Marx imaginou. O
capitalismo não entrou em colapso. Os lucros não desabaram, e não houve o
levante do proletariado. Ao contrário, ao final o capitalismo fez exatamente o
oposto: enriqueceu o proletariado, que acabou achando tudo aquilo muito bom e
perdeu o interesse pela revolução.
Mas, naquelas nações onde os Marxistas chegaram ao poder e tentaram implementar
o socialismo, seja em que forma fosse, ele invariavelmente falhou. Onde ele era
apenas parcial, falhou mais devagar; onde ele era mais completo, falhou
dramaticamente. É discutível se houve alguma implementação pura dele, mas, não
importa como foi feito, sempre falhou. Enquanto isso o capitalismo teimosamente
recusava-se a implodir da forma que Marx disse que ocorreria. Em vez disso ele
expôs a fraqueza do socialismo ao obter resultados melhores que ele.
As três forças que estão hoje em confronto são todas muito diferentes uma da
outra. Cada uma delas possui tremendas variações internas. Uma delas é islamita;
a segunda é idealista, elitista e socialista; e a terceira é humanista, realista
e capitalista. E, ainda assim, todas estas descrições são inacuradas.
Se o conceito de
igualdade
é uma maneira de distingui-las, o conceito de
responsabilidade
também é. Os islamitas acreditam que Alá é responsável por tudo; o dever dos
fiéis é seguir a Sua vontade, e deixar todo o resto em Suas mãos. Para os
idealistas a responsabilidade cabe ao Estado; os cidadãos devem confiar todas as
coisas ao Estado, e deixar que ele seja responsável por tudo. Para os realistas
a responsabilidade primária pelo destino de cada um é uma responsabilidade
individual e, embora possam, até certo ponto, confiar nos outros, ou no Estado,
ou em Deus, ao final cada pessoa deve cuidar de si própria. E esses sumários
também são generalizações não totalmente acuradas.
Duas das forças em disputa são agnósticas (mas com alguns membros religiosos);
outra é teística (embora com membros agnósticos). Duas são idealistas; a outra é
realista. Nenhuma delas gosta ou confia de verdade nas outras. Os realistas têm
prosperado ao longo do tempo, enquanto os outros falharam, e por isso elas têm
medo. Em uma competição pacífica elas perderão.
Quando os islamitas atacaram violentamente os realistas, os idealistas tentaram
(e falharam) impedir que os realistas revidassem. E assim se desenharam as
fronteiras da disputa: os realistas estão em guerra aberta com os islamitas, e
em guerra diplomática com os idealistas.
Eu tenho muitas outras anotações sobre este assunto, mas isto vai ter que
esperar por outro artigo.
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(1)
http://denbeste.nu/cd_log_entries/2004/01/Threewaystruggle.shtml.
Publicado originalmente em 07/01/2004.