José Ribamar Smolka Ramos
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Setembro 2011 Índice Geral
23/09/11
• Debate sobre o artigo de Flávia Lefèvre: "Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?" (5)
de J. R. Smolka smolka@terra.com.br
Celld-group@yahoogrupos.com.br
data 23 de setembro de 2011
assunto (Celld-group) Meus comentários sobre o artigo de Flávia
Lefèvre: "Decreto
7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?"
Em 23/09/2011 08:39, Flávia Lefèvre escreveu:
Bom dia, SmolkaBoa tarde Flávia,
Sem problemas com relação ao intervalo entre mensagens. Eu mesmo também não
tenho todo o tempo do mundo para pensar no que vou escrever. E este tipo de
assunto requer uma boa dose de dedicação mental, pelo menos para mim que não
estou habituado a ficar esgrimindo argumentos jurídicos. Enfim... Vamos lá.
Desta vez sem deixar nada de fora.
Ou seja, trata-se dos
troncos relativos e necessários para a prestação do STFC e não de todos os
troncos de interconexão como você mesmo disse, operados pela Embratel.
Você mesmo disse o seguinte:
"Resumindo, no jargão dos engenheiros de telecom: estamos
falando da rede de transmissão ou, no jargão mais moderno, da rede de
transporte, e toda a gestão (planejamento, implantação e operação) da rede de
transmissão de longa distância (intermunicipal, interestadual e internacional)
cabia à Embratel".
Com relação às redes de transmissão e à Embratel? Disse e sustento, porque é
verdade. E cabe um detalhe aqui: que eu saiba, após a privatização, mesmo
considerando que o direito à exploração do STFC na modalidade LDN intra-regional
estava assegurado aos novos operadores das regiões I, II e III, não houve
nenhuma transferência de ativos da rede de transmissão da Embratel para estes.
Eles tiveram que construir suas próprias redes de transmissão regionais, através
de conexões intermunicipais (em parte já existentes) e interestaduais, para
poderem competir de fato com a Embratel nesta modalidade do STFC. Este foi
investimento novo, também usado para suporte ao STFC, sem que houvessem ativos
prévios à privatização para integrar a lista de bens reversíveis. Qual seria o
status destes ativos em caso de eventual rescisão do contrato de
concessão?
O "X" da questão está na sua frase: "troncos
relativos e necessários para a prestação do STFC e não de todos os
troncos de interconexão". Assumo que cometi um erro na minha
argumentação: ela pressupõe que o leitor tenha um conhecimento, pelo menos
elementar, da forma como as redes de transmissão são construídas e operadas. E
isto não é necessariamente verdade, e dá margem a esse tipo de engano. Mas
também vou chegar a isto mais adiante.
I - A Empresa Brasileira de
Telecomunicações S.A. - EMBRATEL, compete:
A) Implantar, expandir e operar:
1 - Os troncos interestaduais para o transporte Integrado de telecomunicações;
2 - Os troncos e redes necessários à execução dos serviços que lhe forem
atribuídas;
3 - Os centros de comutação Interestadual dos serviços públicos de
telecomunicações;
4 - As estações terrenas vinculadas aos centros de controle de seus satélites de
telecomunicações, e aos serviços públicos de telecomunicações interestaduais e
internacionais via satélite, observado o disposto no item
5- Os centros de comutação e os meios associados às conexões internacionais dos
Serviços públicos de telecomunicações, exceto as ligações fronteiriças definidas
como ligações internacionais diretas entre cidades afastadas no máximo 50
(cinqüenta quilômetros da linha de fronteira;
6 - Os centros de televisão, (CTV) de calor classe;
7 - As estações costeiras do serviço móvel marítimo público-restrito.
B) Explorar industrialmente os meios de telecomunicações por ela operados;
Não consegui localizar online esta portaria (só no próprio site do Rogério). Mas
qual a novidade? Ela vigeu no período pré-LGT, e apenas regulamentava o que o
finado CBT já dizia. Embora estejamos chovendo no molhado aqui, é importante
salientar que: o fato de haver mais de um item da portaria mencionando troncos (interestaduais
e necessários à execução de serviços), isto não significa que, na
prática concreta da engenharia da rede de transmissão, eles fossem realizados
como entidades físicas separadas! E isto faz toda a diferença.
As concessionárias têm, sim, o
direito de explorar os troncos: a) mas apenas aqueles necessários para a
prestação do STFC em nível urbano e b) que estejam abrangidos por sua área de
concessão, como determinado pelo Decreto 2.543/1988.
Os outros troncos e as redes de transporte de dados eram operados pela Embratel
e não foram contemplados por nenhum contrato de concessão específico, como manda
de forma expressa o caput do art. 207, da LGT.
Ah... Um avanço. Pelo menos concordamos que, dentro das suas regiões de
operação, as novas concessionárias podiam explorar os tais troncos (e que,
dentro destas áreas, não houve repasse de ativos entre a Embratel e as novas
concessionárias para qu a efetiva exploração do serviço pudesse ocorrer).
Desculpe-me o tom jocoso, mas: que outros troncos, cara-pálida? Todo o tráfego (STFC,
dados, TV, o escambau) trafegava sobre os mesmos troncos. A separação dos
tráfegos era lógica, e não física. Não existiam equipamentos de transmissão
separados e etiquetados: "isto é só para o STFC" e "isto é para o resto do
tráfego". Todos os tipos de tráfego conviviam (e convivem até hoje) sobre a
mesma estrutura física de transporte. Repito: a segregação entre os tráfegos
é apenas lógica, e não física!
Se isto é difícil de entender, sugiro uma olhada
neste artigo do
meu blog. Lá no final tem
esta figura, que descreve a arquitetura típica de uma rede de telecom
brasileira do período pré-privatização. Os enlaces entre os multiplexadores TDM
(os triângulos da figura) seguiam uma hierarquia (conhecida como PDH) onde
agregados cada vez maiores de tráfego são incorporados em enlaces de capacidade
cada vez maior.
Este outro artigo do meu blog mostra,
nesta figura, a estrutura da hierarquia PDH de multiplexação TDM ITU-T em
uso na época (esta é conhecida como hierarquia E, e seu relacionamento com a
hierarquia T, usada nos Estados Unidos, e com a hierarquia J, usada no Japão,
está
nesta outra figura daquele mesmo artigo).
Nos níveis urbano e interurbano intraestadual o mais comum era usar enlaces (ou
troncos, como queira) E1 (2 Mbps) ou E3 (8 Mbps). Já nos níveis interestadual e
internacional partia-se para enlaces E3 (34 Mbps) ou E4 (140 Mbps). A Embratel
certamente tinha (e provavelmente ainda tem) enlaces em todos os 4 níveis da
hierarquia E. As operadoras estaduais normalmente só tinham enlaces E1 ou E3, e
tiveram que investir em enlaces de maior capacidade para poder agregar o tráfego
interestadual intrarregional. Como este investimento foi novo, elas partiram
logo para modernizar estes enlaces, adquirindo equipamentos SDH, que servem ao
mesmo propósito, somente com outra tecnologia (veja
este artigo e
esta figura).
O essencial a entender é que, embora seja possível identificar a origem de cada
bit de informação dentro de um agregado de, digamos, 34 Mbps (ou de 155 Mbps ou
622 Mbps, nos agregados SDH em uso corrente hoje em dia), não existe sentido
prático ou econômico nisto. O máximo que pode-se dizer é que espera-se (porque é
um sistema estatístico, não determinístico) que o particionamento de tráfego em
um enlace seja de x% para o STFC e (100 - x)% para os demais tráfegos. Mas eles
continuarão cursando juntos, entrelaçados no tempo (no caso dos enlaces PDH e
SDH) ou em frequência (no caso dos enlaces DWDM).
Vale lembrar, também, que várias empresas do sistema Telebrás (lembrando
rapidamente, Telesp, Telerj, Telemig, Telepar e Telebahia, talvez mais) já
operavam seus próprios esquemas de exploração industrial dos enlaces de
transmissão intraestaduais, mesmo antes da privatização, com suporte a
transmissão de sinais de TV, redes de comutação de pacotes e outros serviços.
Então o que ocorreu com a LGT não foi uma inovação, mas o reconhecimento de uma
situação de facto. A portaria 525 do minicom citada acima trata,
essencialmente, de resolver administrativamente um destes "conflitos de
fronteira" entre a Embratel e as operadoras estaduais.
Concordo com você (finalmente,
heim!!!) que outra empresa do mesmo grupo econômico da concessionária poderia
operar o serviço de troncos e/ou comunicação de dados.
E não mudaria nada. Continuaria, em termos práticos, tudo igual. Porque os
enlaces continuariam a ser compartilhados inextricavelmente por todos os
serviços.
Se o contrato de concessão do
serviço de comunicação de dados tivesse sido celebrado, teríamos metas de
universalização, como o que ocorreu com o STFC, e, certamente, teríamos muito
mais investimentos feitos com o foco voltado para os interesses sociais e
econômicos do país.
Isto é especulação. Como já disse antes, argumentos começados com "E se..."
podem levar a qualquer lugar. E o que leva a qualquer lugar é equivalente ao que
leva a lugar nenhum. Sendo novamente jocoso: e se minha avó tivesse um guidom e
um selim? Então ela seria uma bicicleta, certo?
Ou seja, as concessionárias, que
dominam os mercados de banda larga, estão utilizando a infraestrutura do STFC,
para prestarem serviço hoje, ilegalmente, prestado em regime privado, promovendo
subsídio cruzado proibido pelo art. 103, da LGT, privilegiando os consumidores
com alta renda, em absoluta distorção e contra os objetivos e fundamentos da
República de erradicar as diferenças sociais e regionais, nos termos dos arts.
1º e 3º, da Constituição Federal.
Salvo melhor juízo.
Então e já contrapondo seu entendimento expresso na sua resposta à minha mensagem, por meio da qual me referi ao crescimento da remessa de lucros para a Europa, não haveria problema nenhum se as filiais auxiliassem a matriz em época de crise, desde que não se tirasse bilhões de recursos públicos do BNDES, sob o pretexto de realizar investimentos para a melhoria do serviço e não se cumprisse essa finalidade.
Se a preocupação é essa, bastava o BNDES dizer não aos pedidos de empréstimo. As operadoras achariam outras fontes de financiamento, mesmo que mais caras.
A PRODESP, em São Paulo, por exemplo, vive um calvário nas mãos da Telefonica. Tem sido frequente a interrupção do fornecimento do serviço de dados tanto na área de atuação da Telesp, quanto na da Oi.
Mas ambas as empresas, ao invés de
investirem (não há obrigações de investimento, pois não há contratos de
concessão) usam suas receitas para incorporarem outras empresas - Oi/Brasiltelecom
e Telefonica/Vivo - concentrando o mercado e precarizando a qualidade do
serviço.
A relação de causa e efeito implícita no seu discurso é: regime privado -> sem
contrato de concessão -> inexistência de obrigações -> investimentos destinados
a outras coisas -> baixa qualidade do serviço. Só que é falaciosa, porque não há
necessariamente relação de causa e efeito entre qualidade de serviço e volume de
investimento feito. Veja, por exemplo, o caso da saúde pública. Parece que
quanto mais se injeta dinheiro nesta área pior fica o serviço. Então volto à
minha tese: o que resolve é regulação técnica decente (inclusive, e
especialmente, para os serviços públicos prestados diretamente pelo Estado).
Os serviços de telecomunicações
estão concentrados nas mãos dos consumidores com mais renda, como mostram os
estudos recentes do IPEA.
Gostaria de um único exemplo de país (Cuba ou Venezuela não valem) onde os
serviços mais sofisticados não estejam concentrados na faixa de maior renda da
população.
Acredito que a situação vá piorar,
pois os Termos de Compromisso assinados em julho com as concessionárias
comprometem os objetivos do Decreto 7.175/2010, que instituiu o Plano Nacional
de Banda Larga.
Voltamos ao início de tudo. É uma sensação causada pela quebra de expectativa
causada por momentos políticos distintos. O governo Lula "deu corda", enquanto o
governo Dilma aparentemente está puxando de volta. Quem se sentia beneficiado
pelo esquema anterior vai chiar agora, e quem achava que o esquema anterior era
ruim vai achar que melhorou. É da vida.
Enfim, Smolka ... quem viver,
verá!
Como diria Caetano: ou não...
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J. R. Smolka