José Ribamar Smolka Ramos
Telecomunicações
Artigos e Mensagens
ComUnidade
WirelessBrasil
Setembro
2011
Índice Geral
27/09/11
• Debate sobre o artigo de Flávia Lefèvre:
"Decreto 7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?" (7)
de J. R. Smolka smolka@terra.com.br
Celld-group@yahoogrupos.com.br
data 27 de setembro de 2011
assunto (Celld-group) Meus comentários sobre o artigo de Flávia
Lefèvre: "Decreto
7.175/2010 (que instituiu o PNBL) - Herança Bendita?"
Em 26/09/2011 09:24, Flávia
Lefèvre escreveu:
[FL] Olá, Smolka
Parece que essa nossa conversa vai longe.
[JRS] De fato Flávia, porém isto depende da nossa
capacidade de trazer fatos novos, e não de ficarmos repisando os mesmos pontos
eternamente.
[FL] Sou obrigada a começar por um erro básico que você
cometeu. O primeiro esclarecimento que tenho de fazer sobre a sua interpretação
do art. 175, da CF, é que, se você não fosse técnico de engenharia e fosse
advogado, ela estaria beirando a malícia.
[JRS] Ora Flávia... Uma hora destas nós precisamos
conversar sobre filosofia do Direito, e como, lá bem no fundo, ainda existe na
prática do Direito (especialmente no Tribunal do Júri) a idéia do julgamento
pelo combate: Deus favorecerá a parte que tiver a Justiça ao seu lado.
Curiosamente todos alegam que a Justiça está consigo, e não com o outro, que é
malicioso. Enfim... Não me ofendo com sua opinião sobre meu pretenso flerte
intelectual com a malícia, porque eu também percebo que você, sendo advogada,
possui conceitos sobre a realidade técnica das telecomunicações que dão
aparência de... vou ser politicamente correto aqui... incapacidade cognitiva,
digamos.
Bom dia, Smolka
Antes de tudo, fico contente que nossa conversa se desenvolva em bases de
lealdade, já que você reconhece que seu discurso flerta com a malícia.
....................................................................
Bom dia Flávia.
E, antes de mais nada, também, este é um truque básico de advogado,
especialmente no contexto onde as duas partes estão procurando, pela via da
argumentação, influenciar a opinião de uma terceira parte, seja ela um Juiz ou
um Júri (no nosso caso as demais pessoas que estejam acompanhando a conversa):
induza a terceira parte a crer que seu oponente concordou, em princípio, com sua
tese. Por favor, leia novamente minha frase (citada acima) e você verá que o que
eu realmente disse é que não me ofendo com sua afirmação que, fora
eu advogado (e, obviamente, não o sou), minhas opiniões poderiam ser avaliadas
(por outros advogados) como maliciosas.
Fosse outro o contexto de conversa, que não o clima de troca leal de opiniões,
tal como você ressaltou, e eu sentir-me-ia, sim, ofendido pela alegação de
possível malícia subjacente à minha argumentação. Já gastei português demais,
com tempos verbais incomuns e mesóclises. Então, por favor, vamos nos ater aos
fatos e nossas opiniões sobre eles, sem firulas de retórica, certo?
.............................................................................
Quanto às suas referência
sobre filosofia do direito e justiça, são temas dos quais gosto muito e por isto
mesmo tomo muito cuidado em chamar para minhas posições a atribuição de mais
justas. Acredito que no campo em que estamos essa virtude se mede pelo
cumprimento da lei, que expressa a dose possível de democracia.
..........................................................
Ora, Flávia. Uma das coisas mais básicas que pode haver neste campo é a
discussão sobre o tema: cumprir rigorosamente a Lei é sempre equivalente a
fazer justiça? Eu entendo que não. E abster-se do questionamento à
legitimidade das Leis não é o caminho.
Outra coisa interessante na sua frase é uma tendência semelhante, embora
politicamente oposta, à falácia
reductio ad hitlerum.
Eu a chamaria de falácia reductio ad democratiae defendendam (assumo que
usei o Google Translator para
criar a frase em Latim :-) ), que poderia ser
descrita mais ou menos assim: quanto mais longa uma discussão, a
probabilidade do argumento da defesa da democracia ser invocado tende a 1.
(isto é minha versão, com sinal trocado, da
Lei de Godwin).
................................................................
Além disso, partimos para o
campo religioso e, desde o começo de nossas conversas, acho que ficou consensual
que não iríamos adentrar por esses caminhos tortuosos.
.......................................................................
Vamos ver... Tem duas formas possíveis para avaliar esta sua frase, considerando
o que de fato escrevi (e está citado acima):
(a) Você entendeu que eu falei de
Deus apenas e tão somente no contexto em que Ele era invocado como Juiz supremo
dentro do conceito original de julgamento pelo combate, e que a prática do
Direito hoje em dia ainda possui, lá no fundo do seu genoma, o DNA desta forma
de julgamento, porém quer usar de algum recurso de retórica para descaracterizar
minha argumentação e tirá-la de foco; ou...
(b) Você realmente acredita que
minha afirmação trouxe alguma espécie de base religiosa à minha argumentação,
portanto ela não deve ser considerada.
Na boa... Prefiro acreditar na primeira opção, ok?
.......................................................................
Quanto à minha e à sua
incapacidade cognitiva nos campos de atuação um do outro, elas poderiam ser
insignificantes caso a ANATEL e o Ministério das Comunicações agissem com a
moralidade, a transparência e a eficiência que lhes atribui o art. 37, da
Constituição Federal.
................................................
Pessoalmente não sou fã da maneira como a Anatel vem sendo conduzida.
Especialmente após o "esvaziamento" sofrido nos últimos anos. Quanto ao minicom,
bem... eles são uma excelente justificativa para minha decisão de permanecer
defensor do Estado mínimo.
..............................................
Mas como a decência anda escassa
no setor público nos dias de hoje, ficamos nós aqui debatendo quais troncos eram
de quem e quais teriam sido ou não contratados na época da privatização.
...................................................
Opa... estamos mesclando duas teses aqui: (a) a decência anda escassa no setor
público; e (b) o debate sobre a persistência (ou não) do serviço de troncos após
a edição da LGT. Quanto à primeira tese sempre prefiro iniciar minhas análises
(e não só com relação ao serviço público) usando a
Navalha de Hanlon: "never
attribute to malice that which is adequately explained by stupidity" (ou
incompetência, eu acrescento). Com relação à segunda minha opinião é simples: o
serviço de troncos "muórreu" (pronúncia a la Nerso da Capitinga) com a
edição da LGT e do PGO-1.
Destaco que se houvesse
inventário de bens reversíveis nos contratos essa nossa discussão cairia no
vazio. Mas não foi isso o que aconteceu.
Sobre a questão da reversibilidade dos enlaces de transmissão? Nunca neguei que
o fossem. A interpretação da Lei é muito simples quanto a isso. O que não quer
dizer que eu ache o instituto da reversibilidade uma coisa boa ou útil. E, da
maneira que está, a única coisa que teremos é confusão no futuro, porque em caso
de término (normal ou anormal) do contrato de concessão, na hora de calcular a
indenização necessária por investimentos em bens reversíveis ainda não
amortizados (prevista pelo parágrafo único do art. 102 da LGT), porque vai ser
difícil (e polêmico) traçar uma linha clara entre o que é e o que não é
integrante do objeto da concessão para definir o que é e o que não é
indenizável.
Ademais este mesmo parágrafo único já traz confusão ao processo, porque ele
inclui a expressão antes de expirado o prazo contratual como condição
para que seja devida a indenização dos investimentos não amortizados. E como
fica se a concessionária não quiser participar da licitação de uma nova
concessão? Seu contrato estará terminando dentro do prazo acordado, mas ainda
assim podem haver investimentos não amortizados (a não ser que a gente assuma
que a concessionária, antevendo esta possibilidade, pare de investir algum tempo
antes do término do contrato - o que prejudicaria os usuários).
.......................................................................
E, quanto a isso, quero
dizer que a PROTESTE tem duas ações civis públicas que discutem esses aspectos:
a ação do backhaul, que você já conhece e a ação ajuizada neste ano, onde
pedimos que a ANATEL seja compelida a inserir nos contratos de concessão a lista
dos bens reversíveis, como manda a LGT.
.......................................................................
Limitando-se à questão do reconhecimento da reversibilidade e da elaboração da
lista dos bens reversíveis, nos termos da Lei atual, provavelmente ganhe as duas
causas. E vai ser uma vitória apenas no sentido do ditado: dura lex, sed lex.
Não vai tornar o instituto da reversibilidade, ao meu julgamento, nem bom nem
útil. Porque este é um dos casos onde, como falei antes, a letra da Lei será
cumprida, porém a sociedade não ficará mais justa por causa disso. Porque o
espírito que anima esta parte da Lei é inerentemente perverso.
..............................................................................
[FL] Veja Smolka, o art. 175
fala de serviços públicos e não de regime público. Desculpe, mas não dá para
sustentar que apenas os serviços prestados em regime público são serviços
públicos. Você teria coragem de afirmar que o serviço móvel pessoal, que é
prestado em regime privado, não é serviço público?
[JRS] Tenho sim. Meu conceito de engenheiro (e liberal, e
quase minarquista, e que tem mais de dois neurônios que funcionem) sobre o que é
serviço público é bem restrito: educação básica universal (a partir daí garantia
de continuidade educacional gratuita baseada em competência acadêmica
demonstrada, moderada pela condição econômica individual), saúde pública
universal, segurança pública, defesa civil e reação a desastres, forças armadas,
e só. Se isso representa ser o que chamam por aí como "ser direitista", então eu
assumidamente o sou.
A despeito de respeitar, sinceramente, as posições
contrárias às minhas, tenho que ressalvar que seu entendimento contraria
expressamente o que está disposto de forma literal no ordenamento jurídico
brasileiro, não deixando margens à interpretações, bem como a posição UNÂNIME da
doutrina de direito administrativo. Nomes como Marçal Justen Filho, Celso
Antonio Bandeira de Melo entre outros tão brilhantes quanto deixam muito claro
que a definição de serviço público é independente e distinta do regime sob os
quais sejam prestados os serviços públicos, que recebem essa qualificação tendo
em vista a titularidade da atribuição para sua prestação, que se dá ao Poder
Público por se tratar de objetos que interessam ao interesse coletivo e são
essenciais.
......................................................................
Eis aqui uma coisa interessante que diferencia crucialmente as disciplinas
sociais (e o Direito é uma delas) da ciência física. Eu começo a distinção por
não atribuir o adjetivo "social" ao substantivo "ciência", por considerar que
ciência implica, necessariamente, na aplicação do método científico. O método
científico baseia-se em alguns princípios muito simples: tudo que interessa é a
experiência objetiva (só isso rende uma discussão filosófica monstruosa), e sua
reprodutibilidade e análise, feitas por equipes independentes. Não importa o
quão bonitas sejam as teorias que usamos para explicar os fenômenos físicos;
basta um resultado experimental confirmado que contradiga a teoria e... dane-se
a teoria! Teremos que adaptar a teoria aos fatos, ou achar uma teoria melhor. Eu
sou um produto intelectual desta escola de pensamento.
Quando você alega que a "opinião UNÂNIME" dos grandes mestres do Direito é assim
ou assado, isso me recorda, em primeiro lugar, Nelson Rodrigues: "toda
unanimidade é burra". Repare que você recorre a um consenso como base de
apoio. Isto só é válido no campo das disciplinas sociais, e não no campo da
ciência. Para a ciência basta que um pesquisador obtenha um resultado relevante
(e comprovado) e é o suficiente. Mas disciplinas sociais refletem o contrato
social de seu tempo, logo são (e tem que ser) mutáveis. Portanto é possível que,
daqui a alguns anos, o consenso dos eméritos juristas tenha mudado, mas que E =
mc2 continue valendo (a menos que os
supostos neutrinos superluminosos do CERN consigam mudar isso).
O que eu acho é que existe, hoje em dia, uma grande pressão no ambiente
acadêmico que sufoca a voz de opiniões discordantes dessas teses consensuais.
Por isso eu observo estes "consensos unânimes" com uma dose grande de
desconfiança. Portanto não sinto nenhuma vergonha em assumir: discordo da
opinião destes doutores da Lei. E daí? Podemos ficar discutindo horas o que
significa "interesse coletivo" e "essencial" e não avançar absolutamente nada.
Você definirá muitas coisas como pertencentes a estas categorias, e eu
discordarei. e nenhum de nós estará mais certo ou mais errado que o outro.
......................................................................
Mas essa classificação nada
tem a ver com ideologia ou posições políticas individuais. Decorrem de opções
políticas coletivas que terminam por ficar consignadas nas Constituições e leis
de cada país.
..........................................................................
Opa... Agora você tentou, em termos intelectuais,
o equivalente a um triplo mortal carpado. O processo político deveria produzir
normas que representassem a opinião majoritária da sociedade sobre os temas que
ela mesma decidisse serem relevantes. Ocorre que eu, você e (novamente), gato,
cachorro, papagaio, periquito, elefante, Roberto Carlos e as baleias sabemos que
existem inúmeros desvios da prática política que tornam duvidoso o alinhamento
entre o resultado do processo e a opinião majoritária da população supostamente
representada.
Assumir infalibilidade intrínseca a este processo é perigoso. e eu certamente
não tenho a menor ilusão que o processo político praticado no Brasil tenha
alguma chance de ser infalível. Pelo contrário, parece que o processo é
desenhado para garantir que qualquer idéia em discussão possa ser
descaracterizada por completo.
Discutir filosofia do Direito é complicado, e discutir teoria constitucional
também. Mas vou dar apenas o meu "pitaco" sobre isso: o modelo que acho válido
(desde que você tenha um processo político razoavelmente confiável) é o dos
Estados Unidos. A constituição deve refletir apenas aqueles aspectos realmente
fundamentais da organização e funcionamento do Estado. O resto, que é
necessariamente volátil, de acordo com o consenso social vigente, deve ser
objeto da legislação comum. A propósito, também tenho simpatia maior pelo regime
parlamentarista em vez do presidencialista, e gosto muito da idéia do voto
distrital. Tudo para permitir que as mudanças do contrato social possam
refletir-se o mais rápido possível no arcabouço legal. E permitir que besteiras
comprovadas possam ser mudadas sem a obrigação da construção de maiorias
parlamentares absurdas (e que vão ter que ser objeto de outras negociações,
concessões, acordos, etc., o que pode trazer mais mal do que bem).
......................................................................
[FL] Resumindo: os serviços
públicos podem ser prestados em regime público ou privado. Aliás, o art. 65, da
LGT, fala a mesma coisa. Para deixar bem claro, veja o que dispõem os arts. 21,
inc. XI e 175, da CF:
[JRS] Sem novidades aqui. final isto não está em conflito
com a minha interpretação. Apenas as consequências da minha leitura são
diferentes das consequências da sua. Por isso vou pular a transcrição do texto
constitucional, ok?
[FL] Portanto, não há como escapar da obrigatoriedade de licitação para a
contratação do serviço de troncos, nos termos do caput do art. 207, da LGT.
[JRS] Salvo melhor juízo. Para mim não existe a obrigação,
por não haver continuidade assegurada para o serviço de troncos - já que o
mesmo, a meu ver, foi incorporado dentro do STFC. A argumentação disso está nas
mensagens anteriores. Por causa do meu senso de engenheiro, e não de advogado,
não vou ficar repetindo o que já foi escrito antes.
A obrigação de licitação independe de haver previsão legal de garantia de
continuidade . Veja o que dispõe o art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal (o
caput do 175 nós já os transcrevemos à exaustão, que diz que o repasse da
prestação do serviço público se dá SEMPRE POR LICITAÇÃO
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:"
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública
que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta,
nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação
técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
.......................................................................
Vou deixar bem claro: apesar de achar que isto não é, em princípio, matéria
constitucional (pelo que expliquei antes), não sou contra os princípios ali
expressos, ou contra o uso da licitação como forma obrigatória de certame para a
seleção do prestador do serviço público. O que eu questiono é a definição
propositalmente elástica do que constitui "serviço público", através de uma
leitura também elástica dos conceitos de "interesse coletivo" e
"essencialidade". Se isto contraria o pensamento dos grandes mestres do Direito,
so be it. Como diria
Alfred E. Neuman: "what?
Me worry?"
.........................................................................
[FL] Agora, o segundo
esclarecimento: A liminar deferida na Ação Civil Pública movida em 2008 pela
PROTESTE, que discute a legalidade da troca de metas JÁ TRANSITOU EM JULGADO. O
pedido principal ainda não foi julgado.
[JRS] Foi o que eu disse. A liminar (ou tutela antecipada,
para usar o termo jurídico apropriado) está em vigor e não poderá ser cancelada.
Mas o mérito da ação não foi julgado ainda.
[FL} O Presidente do TRF-1ª Região - Desembargador Antonio
Ezequiel da Silva determinou o seguinte:
"21. Nesse contexto, e tendo em vista que a Requerente (ANATEL) afirma (fl. 13),
que as próprias concessionárias do STFC reconhecem que o backhaul é reversível,
como foi corretamente esclarecido no site da Associação Brasileira de
Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado - ABRAFIX, cujo quadro de
conselheiros é integrado pelos presidentes das concessionárias, nada recomenda
que, por amor a uma alegada pureza da técnica jurídica, seja postergada uma
discussão que, tudo indica, surgirá no futuro, com grande probabilidade de êxito
das concessionárias, posto que, num regime democrático, em que nenhuma lesão de
direito pode ser subtraída ao exame do Poder Judiciário, não será a ANATEL que
dará a última palavra sobre o dever de indenizar a infraestrutura de rede que se
pretende construir.
[JRS] Minha leitura, em português claro, da decisão do Meritíssimo: na dúvida é
melhor parar tudo até a gente poder examinar melhor do que se trata. Eu sei que
você vai alardear que o que realmente move o juiz é o fumus bones juris, mas eu
tenho minhas dúvidas.
Eu prefiro ficar no que ele disse e não interpretar. E ele
disse: se não incluir uma cláusula garantindo que o backhaul é reversível, vou
manter suspenso o Decreto e contratos da troca de metas. Tanto é assim que a
ANATEL teve de torear as empresas durante 6 meses até que elas concordassem em
assinar os novos aditivos.
[FL] 22. Ressalte-se que a questão é tão importante que o
Tribunal de Contas da União, segundo afirma a Requerente (ANATEL) à fl. 15,
questionou o seguinte:
c) nos aditivos aos contratos do STFC, constou que a infra-estrutura a ser
instalada passará a integrar o patrimônio da União - Poder Concedente? Enviar
cópia de um aditivo que exemplifique a situação.
[JRS] Está só justificando porque ele achou a questão
importante o suficiente, e confusa o suficiente, para ser mais prudente parar
tudo do que deixar a bola rolar.
[FL] 23. Diante desse questionamento, a ANATEL insistiu na
tese da reversibilidade implícita, sem justificar o que lhe impede de deixar
expressa a questão, senão apenas alegação de melhor técnica jurídica redacional.
[JRS] Evidencia que os advogados da Anatel não merecem o salário que recebem. Ô
argumentação fraca, sô!
Gosto muuuuuiiiito quando posso concordar com você!!!!.
..................................................................
Sorte sua, no caso. A incompetência deles facilitou a sua vida.
..........................................................................
[FL] 24. Contudo, atento ao
fato de que compete, legalmente, a ANATEL dispor sobre as concessões na área de
telecomunicações, cabe-lhe, para não atrasar ou impedir a execução do programa
backhaul, restabelecer o item XIV do art. 3º dos aditivos contratuais, por ela
mesma proposto, ou assumir, nos autos e perante a História, a responsabilidade
expressa pela irreversibilidade de tal infraestrutura, pactuando-a
explicitamente.
[JRS] Ou seja: se a Anatel colocar o dela na reta pode ser. Mas ele não.
[FL] 25. Até que isto ocorra, DENEGO A SUSPENSÃO DA TUTELA
ANTECIPADA aqui impugnada".
[JRS] Por isso deixo tudo parado até que a bagunça se
resolva espontaneamente e esta ação deixe de existir; ou que as partes tragam
suas alegações detalhadas, eu possa contratar um perito para me assessorar e, aí
sim, tomar uma decisão sobre o assunto.
Exatamente!!! São as figuras do periculum in mora e do
fumus boni jures que instrumentalizam o princípio da cautela e segurança do
interesse público.
..........................................................
Respeitosamente, ainda acho que o Meritíssimo guiou-se pelo periculum
decidendi e pelo fumus ingens tumultus (novamente, Latim graças ao
Google Translator :-) ).
.....................................................................................
[FL] Isso foi em 14 de
janeiro de 2009 e, em junho do mesmo ano, as concessionárias cederam e assinaram
novos aditivos constando expressamente a cláusula da reversibilidade.
OU SEJA, O BACKHAUL É REVERSÍVEL POR ATO INEQUÍVOCO DE VONTADE DAS
CONCESSIONÁRIAS QUE ASSINARAM OS ADITIVOS. Essa situação se configura como ato
jurídico perfeito.
[JRS] Porque a situação jurídica do tal backhaul é clara, conforme a LGT: foi
incorporado ao STFC, então faz parte dos bens reversíveis. A Anatel foi burra em
tentar retirar isso dos contratos. O que não quer dizer que ela não pudesse
colocar no PGMU metas de expansão do backhaul para suporte a outros serviços
(acesso fixo à Internet em banda larga, no caso), já que a exploração industrial
do dito backhaul é um direito das concessionárias. Se a Anatel quer fazer de uma
parte desta exploração industrial uma meta de universalização e as
concessionárias concordam, então que conste no contrato a aceitação do que diz o
PGMU.
O que não elimina, depois, a discussão sobre eventual
necessidade de indenização por este investimento em caso de reversão dos bens,
já que foi feito sobre a infraestrutura de suporte do STFC, mas para a sua
exploração industrial, e não para o próprio STFC.
Concordo novamente com você! Mas quero introduzir uma
pergunta: porque você acha que, em 2008 as concessionárias aceitaram que o
backhaul ficasse no PGMU e, depois que o Poder Judiciário mandou reincluir as
cláusulas de reversibilidade, elas ajuizaram ação contra o PGMU III, cuja
proposta insistia em manter a expansão do backhaul como meta de universalização
do STFC?.
....................................................
Quer saber o que eu acho? Tanto a Anatel quanto
as concessionárias tentaram dar uma de "João sem braço". Todos sabiam da
existência do instituto da reversibilidade, e todos sabiam do potencial de
confusão que ele traz ao processo de modernização e expansão dos serviços. A LGT
poderia ser melhor escrita neste aspecto? Acredito que sim. Mas o que saiu ficou
com a cara típica de um camelo (todos sabem que o camelo na verdade é um cavalo,
só que foi projetado por um comitê).
O correto seria fazer pressão legislativa para mudar a redação da LGT, mas isso,
seja lá por que motivo, não foi nem tentado. Preferiu-se fazer de conta que o
problema não existia. E quebraram a cara. Do ponto de vista das concessionárias,
se o instituto da reversibilidade pudesse ser desprezado implicitamente pela
agência reguladora, ótimo. Mas não pode. E elas sabem da confusão que isso vai
trazer, e quem vai pagar a conta serão elas. Portanto nada mais natural que ser
contra algo que tem toda a cara de causar prejuízo.
O interessante é que todo mundo acha muito natural "pendurar" a conta nas
concessionárias. Qualquer negócio onde existe a probabilidade de, a qualquer
momento, surgirem custos imprevistos é inseguro. E insegurança custa dinheiro.
Principalmente dos usuários.
........................................................
[FL] Tudo isso graças a
PROTESTE e ao Poder Judiciário, pois se dependêssemos só da ANATEL para defender
o patrimônio público, estaríamos fritos. Tenho muito orgulho de ter vencido essa
batalha!
[JRS] Sou muito cético quanto a essas questões de "defesa
do patrimônio público" e "interesses do povo brasileiro". E isto parece ser um
fosso intransponível entre as suas idéias e as minhas.
Bem, Smolka, aí fico um pouco ofendida pelo viés moral que
essa sua afirmação revela. Você acha que essa ação foi movida com qual intenção?
A PROTESTE é associação de defesa do consumidor. Você de alguma forma supõe que
estaríamos defendendo outros interesses? De quais interesses então estaríamos
falando?
Não sei qual é seu histórico profissional, mas pelo que imagino, deve ter
trabalhado para empresas de telecomunicações. Não vou questionar seus
fundamentos por essa vertente.
.......................................................
Flávia, você está habituada demais a lidar com advogados. Deve ser por isso que
você assume que meus processos de raciocínio são semelhantes aos seus na hora de
escrever. O que não é verdade. Se eu quisesse implicar que você, ou a PROTESTE,
ou ambos, tivessem outros interesses além dos publicamente declarados eu o faria
diretamente, não por insinuações.
O que quero dizer, não insinuar, é que você (como qualquer outra pessoa, creio
- inclusive eu) dá à execução do seu trabalho um "colorido" pessoal, que é
fruto das suas convicções. Se você achasse que a PROTESTE não era o canal
adequado para expressar estas suas convicções na esfera profissional, você não
trabalharia lá. Certo?
Você (assim como provavelmente a maioria dos seus colegas de profissão, vista a
matriz de pensamento dominante na academia) é uma óbvia defensora da idéia do
"Estado intervencionista", enquanto eu sou exatamente o oposto. Para mim, quanto
menos presença do Estado, melhor. E é este fato que torna nossas apreciações dos
fatos tão dessemelhantes.
A propósito do meu histórico profissional, trabalhei os últimos 22 anos em
empresas de telecom, fixas e móveis, estatais e privadas. Antes disso trabalhei
durante 9 anos para indústrias (estatais e privadas) e um banco privado. Isto dá
um colorido às minhas opiniões? Certamente sim.
...............................................................
[FL] Quanto a Portaria que
estabelecia as atribuições da EMBRATEL, ela é muito importante, pois
considerando que a ANATEL não fez o inventário dos bens reversíveis como manda a
LGT, vamos ter de recuperar tudo no passado. Ou você defende que entreguemos
tudo às teles sem nenhuma verificação do que foi entregue na ocasião das
privatizações? Destaco, porém, que se essa for sua opinião, ela também está
contra a lei, que determina a reversibilidade dos bens afetados à prestação dos
serviços objeto dos contratos de concessão.
[JRS] Minha opinião é que esta tal reversibilidade é uma
burrice intrínseca da Lei. Se a empresa foi privatizada, deveria ser com todos
os seus ativos. Ponto. O que pode acontecer depois? A meu ver uma entre duas
hipóteses:
(a) a operadora não se interessa em continuar no mercado e não
participa da licitação para nova concessão; ou
(b) a União, seja por qual motivo
for, resolve cassar a concessão.
Em qualquer caso, se a atual concessionária não
alienar os ativos de rede para a nova concessionária - o que seria o normal,
sempre há a possibilidade da União desapropriar, a bem do interesse público, os
bens que ela julgar necessários para a continuidade do serviço e vendê-los, pelo
preço apropriado, à nova concessionária. Vai gerar discussão judicial? Provaelmente sim. Mas a tal lista de bens reversíveis também gerará. Então esta
solução não é intrinsecamente melhor que a minha sugestão.
O problema é que, prevalecendo sua sugestão, nunca teremos
modicidade tarifária, já que a cada contrato teremos custos pela aquisição da
titularidade dos bens afetados à prestação do serviço público. E como não tem
almoço de graça, como as empresas sempre gostam de nos lembrar, esse custo seria
suportado pela tarifa, que quem paga são os incautos aqui.
.............................................................................
Isso é discutível, Flávia. Eu encaro isto simplesmente como cost of doing
business. Você mencionou que (não chequei com os dados que o José Roberto
mencionou na mensagem dele) o valor das avaliações das empresas do sistema
Telebrás teriam caído durante o processo de confecção da LGT. E você atribuiu
esta queda à imposição de monosserviço aparentemente forçada pela redação do
art. 86 da LGT, embora houvessem indicações claras que não seria este o caso (a
"rota de fuga" do parágrafo único do próprio art. 86 e o art. 2º do PGO-1).
Minha opinião é que a avaliação caiu simplesmente porque ficou evidente que os
bens reversíveis representavam uma fatia considerável do patrimônio líquido das
empresas so sistema Telebrás, e eles não seriam realmente alienados.
Modicidade tarifária é garantida com concorrência, não com pressão regulatória
sobre o negócio. E isso vale para qualquer indústria, não só telecom.
..........................................................
Além disso, temos a Lei de
Improbidade Administrativa com a qual concordo (ainda que não interesse nem um
pouco se concordamos ou não com a lei; estamos todos obrigados a ela; mas como
você está lançando essas considerações ...), de acordo coma qual a transferência
de patrimônio público à iniciativa privada é crime – o malbaratamento do
patrimônio público é crime!
...........................................................
Voltamos à questão de cumprimento da lei
versus fazer justiça. Não creio que seja o caso de invocar a Lei de
Improbidade Administrativa, porque um processo de privatização autorizado em Lei
não é a mesma coisa que um prefeito que coloca os tratores da Prefeitura para
trabalhar nas terras dos seus correligionários políticos.
Ao decidir privatizar, por definição, o Estado está transferindo patrimônio à
iniciativa privada. E não faltaram aqueles que tentaram questionar na Justiça a
privatização do sistema Telebrás por esta veia, não foi? O problema principal
continua sendo: a partir da matriz ideológica de cada um, como se define o que é
"interesse coletivo" e "essencialidade"? A minha matriz ideológica me faz
interpretar isto de forma muito mais restrita que a sua (e a dos autores dos
livros-texto onde você estudou).
..........................................................
[FL] Agora, Smolka, tenho
uma pergunta, pois não entendi mesmo. Como se dava a separação da infraestrutura
operada pelas concessionárias locais e pela EMBRATEL? A impressão que tive de
seus esclarecimentos é de que a EMBRATEL só operaria conexões internacionais e
transporte de dados. Mas se fosse assim, então qual o sentido daquele
dispositivo da Portaria do MINICOM de 1988 (vou repetir):
[JRS] Vou pular a repetição dos termos da tal Portaria.
Mesmo motivo de antes. A Embratel operava todo tipo de conexão interurbana,
interestadual e internacional, seja para que serviço fosse (voz, dados, o
escambau). Se já era assim, em conformidade com o velho CBT, porque então foi
necessário que o minicom emitisse esta portaria?
Porque mesmo antes da privatização já havia um movimento forte das operadoras
estaduais em fazer concorrência (dentro da suas áreas de operação) aos serviços
da Embratel. Elas construíram e começaram a operar, de facto, conexões
multisserviço (ou troncos, como preferir) interurbanas, mas limitadas ao âmbito
de cada Estado. E passaram a não cursar o tráfego intraestadual pelos canais da
Embratel. Só repassavam a ela o tráfego interestadual ou internacional. Isso
gerou mais receita para as operadoras, e menos para a Embratel. Daí a choradeira
desta última, e a necessidade do minicom reafirmar via portaria o que o CBT já
dizia.
Bom, então, havia mesmo essa separação de infraestruturas.
E se o MINICOM, que é a autoridade competente, atribuiu à Embratel aquela
infraestrutura e atribuições, não podemos fugir disso. Acho que vale a pena
transcrever novamente algumas partes de Portaria 525∕1988:
...................................................................
Oh céus... Vocês advogados já gostam de uma citação, não? Pulei sumariamente.
Observe que a Portaria em questão atribui os mesmos serviços à Embratel e às
empresas estaduais. E libera as empresas estaduais a construir sua própria
infraestrutura de transmissão para isso. Na prática quebrou o monopólio da
Embratel na área de telecomunicações de longa distância no nível estadual (e sem
mexer no CBT, o que tornaria a Portaria ilegal?). O que a Portaria não faz é
declarar a especialização da infraestrutura de transmissão por serviço. Fica
implícito que toda a infraestrutura de transmissão, seja da Embratel ou das
operadoras estaduais, é multisserviço. E continuou sendo assim após a LGT. Daí
que afirmo e repito: o serviço de troncos "muórreu" com a edição da LGT e do PGO-1.
.................................................................
[FL] Por fim, parece que
chegamos ao ponto original de nossa discussão, pois, apesar de sua afirmação de
que "a autorização de SRTT apenas reconhece o fato que os demais serviços são
prestados sobre a rede de transmissão, concomitantemente com o STFC, e
regulamenta isso", entendo que esse entendimento, pelas razões acima, contraria
as obrigações de licitação (art. 175, CF) e contrato de concessão (caput do art.
207, da LGT), bem como a necessidade que esses contratos fossem firmados com
outras empresas que não as concessionárias, por força das condições impostas
pelo art. 86, da LGT.
[JRS] Chegamos sim. Você acredita nisso, e eu não. E ambos
nos consideraos bem calçados por argumentos sólidos. Alguma novidade sairá deste
debate, além disso? Não sei. Não tenho esperança que você adote o meu ponto de
vista, assim como não tenho inclinação a adotar o seu.
Smolka, desde o início quis deixar claro que não tinha a
menor intenção de te convencer ... quem sou eu? Mas aprendi bastante com esse
debate. Acho perda de tempo debater com quem não tem o que me ensinar, já que
não ganho nada para isso. Mas acho que este não é o caso.
...........................................................
Bom... Por definição um debate é uma contraposição de idéias. Idealmente seria
algo como o diálogo socrático: tese + antítese = síntese. O problema é que temos
uma questão de fundo aqui, que é Estado grande x Estado pequeno. O fato de
estarmos avaliando isto dentro do contexto de telecom é apenas incidental.
............................................................
Agradeço muito sua disposição e
estou sempre (mesmo) aberta para ouvir e melhorar meus parcos conhecimento
quanto as telecomunicações.Sempre às
ordens.
Boa semana!
Pra você também.
[ ]'s
J. R. Smolka
ComUnidade
WirelessBrasil
BLOCO