José Ribamar Smolka Ramos
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Janeiro 2012               Índice Geral


19/01/12

• José Smolka comenta os documentos apresentados pela Oi pedindo a impugnação quase todos os artigos dos recém publicados Regulamentos de Gestão da Qualidade (RGQ) dos serviços SCM e SMP - Parte 01

De: J. R. Smolka <smolka@terra.com.br>
Data: 19 de janeiro de 2012 19:50
Para: "wirelessbr@yahoogrupos.com.br" <wirelessbr@yahoogrupos.com.br>, "Celld-group@yahoogrupos.com.br" <Celld-group@yahoogrupos.com.br>
Assunto: [wireless.br] RGQ-SCM e RGQ-SMP: análise da impugnação da Oi (parte 1)

Oi pessoal,

Li os documentos apresentados pela Oi (disponíveis para download na Anatel - consulta pública nº 2/2012) pedindo a impugnação quase todos os artigos dos recém publicados Regulamentos de Gestão da Qualidade (RGQ) dos serviços SCM e SMP. A quem mais interessar-se pelo tema, aviso: é leitura árida, texto feito por advogados e para ser lido por advogados... Éca! Vou resumir as objeções interpostas pela Oi e dar minha opinião sobre elas.

Os documentos iniciam-se argumentando sobre a legitimidade e tempestividade dos pedidos. Em linguagem comum, a argumentação justifica que a Oi tem o direito de reclamar e que esta reclamação está sendo apresentada dentro dos prazos legais. Aparentemente, para mim, não vejo problemas nesta área - mas eu não sou advogado. Quem quiser queimar os miolos para descaracterizar os pedidos da Oi com base da falta de direito a reclamar ou da apresentação da reclamação fora do prazo hábil, sinta-se à vontade.

Aí são apresentados os objetos dos pedidos de impugnação, que não são feitos da mesma forma em cada um dos documentos. No caso da impugnação ao RGQ-SCM - depois de muita verborragia e citações do texto do regulamento - as irregularidades alegadas são:
(1) vícios de motivação;
(2) ilegalidade na estipulação de metas (entendidas como obrigações a cumprir) para o SCM;
(3) descumprimento do princípio da proporcionalidade;
(4) bis in idem (no caso: duplicidade de regras sobre o mesmo objeto) entre os artigos que regem os indicadores de reação do usuário e o indicador de solicitações de reparo; e
(5) a insegurança jurídica causada pelo art. 8. Na impugnação ao RGQ-SMP a apresentação do objeto da reclamação é mais direta: vício de motivação e violação aos princípios da legalidade, proporcionalidade e finalidade.

Os dois documentos seguem tratando dos alegados vícios de motivação. A Anatel tem por obrigação apresentar exposição de motivos para seus atos (art. 40 da LGT), e esta exposição de motivos tem que ser explícita, clara e congruente, podendo-se adotar os preceitos de pareceres anteriores (§ 1º do art. 50 da Lei do Processo Administrativo na Adminstração Pública Federal).

E existem exposições de motivos anteriores, para o RGQ-SCM no Informe 382/2010/PVSTR/PVST/SPV que foi apresentado no início da consulta pública nº 46/2010 (já que não consegui achar a versão final que foi levada ao Conselho Diretor - a MACD); e para o RGQ-SMP no Informe 720/2010/PVSTR/PVST/SPV apresentado no início da consulta pública nº 27/2010 (assim como no SCM, não achei a MACD).
Aparentemente as exposições de motivos constantes das MACDs são o informe nº Informe 1014/2010/PVSTR/PVST/SPV para o SCM, e o informe nº 1060/2010/PVSTR/PVST/SPV (a este a Oi diz explicitamente que não teve acesso, e ao outro ela não diz se teve acesso ou não).
Nos informes que consegui ver, e, supostamente, também naqueles que suportaram a decisão final do Conselho diretor da Anatel - que não consegui ver - e de acordo com o que diz a Oi nos seus documentos de impugnação, a decisão de efetuar a regulação da forma publicada foi altamente influenciada pela análise comparativa de casos internacionais semelhantes, bem como em padrões ITU-T e ETSI.

Argumenta a Oi que, no caso da análise de exemplos internacionais - foram citadas a Anacom (Portugal), OFCOM (Reino Unido) e a TRAI (Índia) - a forma de regulação adotada segue o exemplo mais complexo (o da Índia), sem uma explicação clara do porquê desta opção, e desconsiderando documentos formais da própria TRAI que indicam a dificuldade de execução do modelo adotado por eles. Além do mais a Oi aponta que as normas usadas como referência não são apropriadas para a medição de desempenho do serviço de acesso à Internet (fixo ou móvel). Assim sendo, a Oi argumenta que, para justificar claramente o modelo regulatório adotado, seria necessário que a Anatel gerasse um documento de Análise de Impacto Regulatório (AIR), nos moldes propostos pela OCDE e - segundo ela - amparado pelo Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação - PRO-REG (especialmente pelos seus objetivos, citados nos incisos I, II, III, IV e V do art. 2º do Decreto 6.062 de 16/03/2007). A estrutura do AIR, sugere a Oi, deve calcar-se nos itens e subitens do Anexo I do Decreto 4.176 de 28/03/2002).

Na falta dos informes que devem ter feito parte das MACDs, tenho que presumir seu conteúdo apenas com base nos informes que consegui ler (e que devem ter servido de subsídio para o voto dos conselheiros relatores dos processos para o Conselho Diretor). Em um exame rápido, a regulação de QoS dos acessos à Internet em Portugal é feito por uma pesquisa anual, patrocinada pela Anacom (além do documento usado no informe da Anatel, existe um relatório mais recente, de julho de 2010 - acompanhado de um relatório sobre a metodologia dos testes), do qual participam todos os principais provedores de acesso fixo e todos os provedores de acesso móvel. O resultado dos testes é tornado público, e não parecem haver metas de desempenho obrigatórias para os provedores, embora um bom desempenho nos testes garanta bragging rights.

No Reino Unido o OFCOM publicou em 2008 um código de prática de adesão voluntária tratando da velocidade (taxa efetiva de transmissão) dos serviços de acesso à Internet em banda larga. Em paralelo também foi feita uma página para o público explicando  os princípios e objetivos do código. O código foi atualizado em 2010, mas continua sendo de adesão voluntária. O OFCOm também patrocina pesquisas anuais de desempenho dos acessos de banda larga à  Internet. Foram publicados os relatórios referentes às pesquisas de 2008 (o utilizado pela Anatel), 2009 e 2010. Assim como em Portugal, a vantagem para os provedores em aderirem ao código de prática é poder usar nas suas ações de marketing os eventuais bons resultados nas pesquisas.

Mas na Índia é diferente. A TRAI publicou em 2006 o Quality of Service of Broadband Service Regulations, que impões metas específicas que devem ser obedecidas pelos provedores de acesso em banda larga (isto me chamou a atenção: o uso da palavra shall - deve - e não do imperativo must - tem que). Obviamente a Anatel simpatizou mais com este modelo, mas ainda não pude ver uma boa explicação para isso. Neste ponto, estando certas as alegações da Oi, simpatizo com elas.

E existe a questão das normas técnicas citadas pela Anatel.

As duas normas da ETSI citadas são:
- ETSI EG 202 057-1 User related QoS parameter definitions and measurements - Part 1: General; e
- ETSI EG 202 057-4 User related QoS parameter definitions and measurements - Part 4: Internet access.

As normas são adequadas, porém é estranho, e deveria ser objeto de explicação formal, porque o parâmetro de latência bidirecional foi estabelecido em um valor tão reduzido (até 80 ms), quando a sugestão dada no anexo H da norma ETSI EF 202 057-4 é de até 150 ms? E isto para aplicações exigentes, tais como voz e vídeo (e também online gaming com gráficos de alta definição). Objetivos de desempenho da rede para esta área, além do jitter e da perda de pacotes, só se justificam para garantia de QoS destas aplicações mais exigentes. E ainda que o operador garanta que, no segmento da rede sob sua administração, estes parâmetros serão observados, não existe garantia que a qualidade observada fim a fim pelo usuário será satisfatória, já que o seu tráfego cursará através de múltiplos segmentos de rede (possivelmente internacionais).

Quanto à recomendação ITU-T citada: E.802 Framework and methodologies for the determination and application of QoS parameters, existem alguns problemas. O primeiro é que existem recomendações mais recentes e que deveriam ser usados pela Anatel, especialmente Y.1540 IP packet transfer and availability performance parameters; Y.1541 Network performance objectives for IP-based services (já existe uma versão mais nova desta recomendação, mas ainda está no status de pré-publicação, e só é acessível para os usuários do sistema TIES da ITU); e Y.1542 Framework for achieving end-to-end IP performance objectives. Novamente fica faltando saber o porquê da escolha da Anatel por parâmetros de performance que só fazem sentido para aplicações real-time e pela escolha de valores de referência tão baixos para a latência bidirecional (round-trip delay).

Enfim... Sobre o alegado vício de motivação, acho que a Anatel está devendo uma explicação muito melhor das suas razões para escolher um modelo de avaliação ao estilo indiano, do porquê da escolha destes parâmetros de avaliação da qualidade do serviço e da rede, e, especialmente, do motivo para estabelecer os limites aceitáveis e os horizontes de tempo para seu atingimento.

Até ler estas novas exposições de motivos, tendo a simpatizar com a posição da Oi. Cai bem a apresentação de um AIR, mesmo que seja para não alterar nada nos regulamentos, e a estrutura sugerida nos itens e subitens do Anexo I do Decreto 4.176 de 28/03/2002 é uma boa sugestão de como confeccionar o AIR.

Depois continuo com o este assunto... Até lá.

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J. R. Smolka
 


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