ROGÉRIO GONÇALVES
Telecomunicações - Artigos e Mensagens
ComUnidade
WirelessBrasil
Maio 2008
Índice Geral
28/05/08
• Sobre backhauls e etc.
----- Original
Message -----
From: Rogerio Gonçalves
To: wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Wednesday, May 28, 2008 2:36 AM
Subject: [wireless.br] Re: Sobre backhauls e etc.
Alô Professor Smolka e demais participantes do grupo,
Como sempre,
o amigo mandou muito bem...
O atual marco regulatório não é apenas ruim. Na realidade, ele não passa
de um amontoado de lixo ilegal inventado pela Anatel para transformar o
antigo monopólio estatal dos serviços de telecom em oligopólios
privados, de forma a atender os interesses da Telefonica
(principalmente) e dos demais empresários que dispunham de
informações privilegiadas por ocasião da privatização da Telebrás.
A história registra que, no período de setembro de 1995 a maio de 1997,
o governo comercializou cerca de 4 milhões de planos de expansão, a R$
1.117,63 cada um, permitindo que a Telebrás, então presidida pelo
Fernando Xavier (atual presidente do conselho de administração da
empresa espanhola), investisse cerca de R$ 15
bilhões na implementação de redes SDH em todas as subsidiárias de
telefonia local e também na rede de longa distância da Embratel.
Era tanta grana que, em 1997, quando a rede de telefonia possuía cerca
de 17 milhões de terminais em operação e a tarifa de assinatura custava
R$ 10,00, o lucro líquido da Telebrás foi de R$ 3,9 bilhões.
Porém, toda essa saúde financeira da estatal despertou o interesse dos
grandes "players" internacionais que ficaram doidos para colocar as suas
garras nela, o que não era nada bom para a Telefonica que, desde 1992,
quando o Collor assinou aquele acordo de intenções com o Banco Mundial,
nunca escondeu de ninguém que estaria interessada em adquirir a Telesp,
como parte de sua estratégia de dominar o mercado de telecomunicações na
América do Sul, que também incluía a aquisição
de empresas na Argentina e no Chile.
Quando comparada com as empresas de telecom dos "los hermanos" e dos
chilenos, a Telesp tinha um atrativo muito especial pois, enquanto os
governos daqueles países empurraram todo o ônus da universalização dos
serviços para as futuras concessionárias privadas, o nosso bondoso
governo fez exatamente o contrário, enterrando uma montanha de dinheiro
público na modernização das redes, de forma a zerar a demanda reprimida
por novos terminais ANTES de privatizar as
empresas. Creio que o pessoal da velha guarda deve lembrar das
entrevistas do Sérgio Motta falando do tal "processo de preparação para
as privatizações". Com a implementação das redes SDH, virou moleza
cumprir o prazo de dois anos para a instalação dos novos terminais
estabelecidos nos planos de expansão.
O art. 80 do projeto de lei da LGT, enviado ao Congresso em dezembro de
1996, previa que as futuras concessionárias de telefonia seriam
operadoras multi-serviços o que manteria o alto valor de mercado das
subsidiárias Telebrás dessa modalidade. Aí, durante a tramitação do
projeto, entrou em cena um deputado "muy amigo" dos espanhóis (eu não
consegui identificar quem é esse novo milionário) que apresentou uma
emenda ao artigo acrescentando o texto: "criada para explorar
exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão",
manobra que eliminou completamente o interesse dos grandes "players"
pela Telebrás, pois afinal, em plena era da convergência digital nas
redes IP e com a telefonia celular na cara do gol, quem seria louco de
comprar concessionárias de telefonia que deveriam explorar única e
exclusivamente o secular e já decadente serviço de telefonia fixa
comutada (STFC)?
Em conseqüência da aprovação da emenda-premiada, que resultou no art. 86
da LGT e eliminou pela raiz a possibilidade da existência de
concessionárias de telefonia multi-serviços, a reestruturação dos
serviços públicos de telecom iria requerer algumas atitudes radicais por
parte do governo FHC, como por exemplo:
1) A Embratel teria de se tornar a concessionária do serviço de troncos,
responsável pela exploração em regime industrial da RTT pública (art.
207 da LGT).
2) As subsidiárias Telebrás de telefonia local teriam de se tornar
concessionárias específicas do STFC, mantendo porém a faculdade de
poderem oferecer serviços de telefonia de longa distância aos usuários
via interconexão com a RTT pública.
3) A Telebrás teria de criar subsidiárias para a exploração dos serviços
públicos de comunicação de dados (previstos no art. 69) e o Minicom,
representando o Poder Concedente, deveria outorgar à essas empresas
concessões específicas para a exploração dessa modalidade de serviço.
4) A operação dos satélites dedicados à RTT e às comunicações
estratégicas (ex. banda x), deveria permanecer sob responsabilidade da
Embratel.
O resultado dessa maracutaia, no caso específico dos leilões das
concessionárias do STFC, foi aquele amplamente divulgado pela imprensa,
no qual os únicos interessado em adquirir o controle das empresas eram a
Telefonica (interessada na Telesp), o consórcio armado pelo Opportunity
do Daniel Dantas (interessado na Tele Centro Sul) e a MCI (interessada
na Embratel), além do consórcio do Jereissatti, montado às pressas para
adquirir a Tele Norte Leste que, até o dia do leilão, não tinha nenhum
pretendente e foi a pivô do escândalo que ficou conhecido como "os
grampos do BNDES".
No mesmo dia em que enviou para a CVM a relação dos consórcios que iriam
participar dos leilões (27.07.98), a Anatel outorgou autorizações à
todas concessionárias Telebrás para que elas pudessem explorar o
inexistente "Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações" (SRTT),
artifício ilegal que entregava às empresas
o controle absoluto sobre a rede de transporte pública (RTT). Com isso,
ao invés de simples usuárias, como qualquer outra empresa de telecom, as
concessionárias do STFC passaram a ser operadoras exclusivas da
infra-estrutura de redes de alta hierarquia que, nos termos da Lei
4.117/62 e do art. 207 da LGT, deveriam ser destinadas
ao transporte integrado de informações de forma neutra em relação à
concorrência.
Assim, quando arremataram o controle das novas concessionárias do STFC
nos leilões de privatização, sem concorrência e a preço de banana, a
Telefonica, a MCI, a Brasil Telecom e a Telemar sabiam direitinho que,
por força do art. 86 da LGT, aquelas empresas deveriam explorar
exclusivamente o STFC pelo resto de suas vidas e
mais, que para elas poderem atuar como operadoras multi-serviços, iriam
depender eternamente de trambiques inventados pela dupla Minicom/Anatel.
Daí Professor, surgiu esse "atual marco regulatório" que não tem nada a
ver com o que determina a LGT, a começar pelas centenas de
"regulamentos" "colocados em vigor" por resoluções da agência, haja
vista que as competências da outorga, regulamentação e fiscalização dos
serviços de telecom foram atribuídas expressamente
ao Minicom pela alínea "b" do inciso V do art. 14 da Lei 9.649/98 que,
por ser específica e mais nova, prevalece sobre a LGT.
A minha insistência no cumprimento do art. 207 da LGT e a conseqüente
transformação da Embratel em concessionária do serviço de troncos, é que
isso resultará no restabelecimento de algo muito parecido com modelo "open
reach", um "novo" paradigma de neutralidade em redes de transporte,
completamente voltado para o incentivo da concorrência, que está fazendo
muito sucesso na Inglaterra, Itália, Nova Zelândia, Índia e, se não me
engano, até no Japão.
Ao contrário do que o amigo imagina, o restabelecimento da
concessionária do serviço de troncos também servirá para acabar com essa
imoralidade da Embratel utilizar a RTT pública para explorar serviços de
comunicação de dados em regime privado sem a devida concessão legal,
como ocorre atualmente com os serviços de redes IP
fornecidos por ela. Afinal, por força do art. 86 da LGT, sendo a empresa
uma concessionária de serviços STFC de longa distância, ela deveria
explorar exclusivamente os serviços objetos da concessão do STFC e não
os de rede de transporte, que são inerentes à concessão do serviço de
troncos. Certo?
O risco de monopólio também não existe, pois nada impede que, além da
RTT pública, explorada exclusivamente em regime industrial pela
concessionária do serviço de troncos, outras empresas também forneçam
serviços de rede de transporte, como sempre foi feito pelas
autorizatárias dos Serviços Limitados Especializados (SLE).
Portanto Professor, antes de se pensar em mudar a LGT, será necessário
neutralizar a alquimia da Anatel que transformou em pó a RTT pública e
também, colocar um ponto final nos trambiques praticados pela autarquia
para transformar as concessionárias do STFC em operadoras multi-serviços
providências que, na prática,
implicariam na obrigação do Poder Concedente, representado pelo Minicom,
regulamentar o livro III da LGT a partir do zero, algo que inclusive,
deveria ter sido feito ainda em 1997, logo após a publicação da LGT.
O que não pode, é toda essa canalhice que está sendo patrocinada pelo
governo (ex. alterações no PGMU e no PGO) para transformar, via decretos
ilegais, as concessionárias do STFC em operadoras multi-serviços. Pô? Se
os atuais donos das empresas desembolsaram uma micharia para adquiri-las
em 1998 justamente porque elas deveriam explorar exclusivamente o STFC,
me parece que a única solução cabível, até mesmo para dar uma sobrevida
ao serviço público, é obrigá-las a retornar as suas origens, de forma a
deixar o caminho livre para que outras empresas, em regime de ampla
concorrência proporcionada pelo modelo "open reach", se encarreguem de
promover a convergência dos serviços de telecomunicações.
Quem pariu Mateus que o embale...
Um abraço
Rogério
ComUnidade
WirelessBrasil
BLOCO