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         Márcia Furukawa Couto  | 
      
         
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[Página 18]
Discussão parcial:
Neste experimento investigou-se a relação da posição do objeto no espaço e o seu 
preenchimento perceptual. Estudos paramétricos anteriores utilizando o modelo de 
escotoma artificial indicam que o contraste escotoma/area circundante, 
excentricidade, tamanho e cor facilitam ou dificultam o preenchimento perceptual 
(Ramachandran e Gregory, 1991) (De Weerd et al., 1998) (Friedman et al., 1999) (Welchman 
e Harris, 2001) (Sakaguchi, 2001). Escotomas situados mais perto do ponto de 
fixação e com aumento de tamanho e contraste com o fundo são mais difíceis de 
preencher do que os menores, mais periféricos e com menos contraste. 
Estímulos com disparidade cruzada dão ao observador a sensação de que o objeto 
está mais próximo dele, ao contrário da disparidade não cruzada que produz a 
sensação de maior distância. Além disso, os estímulos estereoscópicos com 
disparidade cruzada são mais fáceis de detectar do que aqueles com disparidade 
não cruzada em todas as posições do campo visual (Manning et al., 1987), 
especialmente no campo inferior (Breitmeyer et al., 1975). Estudos psicofísicos 
e eletrofisiológicos mostram que disparidades cruzadas e não cruzadas são 
provavelmente processadas por grupos ou classes separadas de células neurais que 
possuem: (i) sensibilidades diferentes; 
(ii) propriedades espaciais distintas; e 
(iii) talvez diferentes constantes temporais (Mustillo, 1985). 
Adicionalmente, estímulos mais próximos do observador são favorecidos em relação 
aos mais distantes em experimentos envolvendo atenção (Gawryszewski et al., 
1987).
Entretanto, no presente experimento, o tipo de disparidade não influenciou a 
latência de preenchimento, a despeito das diferenças entre o processamento 
visual de estímulos estereoscópicos cruzados e não cruzados listados acima. 
Apesar da utilização de uma excentricidade correspondente à área parafoveal 
(6°), esta é perto o suficiente do ponto de fixação central para garantir uma 
boa acuidade estereoscópica (Burian, 1951) e para evitar diplopia (Bishop, 
1981). 
Comparou-se os dados agrupados de acordo com sua proximidade em relação ao 
horóptero vertical, considerando que os estímulos deste experimento foram 
dispostos na linha vertical central do campo visual. O horóptero vertical é 
definido como uma linha no espaço onde ocorre o menor limiar estereoscópico; 
essa linha apresenta uma inclinação de tal modo que passa através do ponto de 
fixação e de um ponto próximo aos pés do observador. A inclinação do horóptero é 
atribuída à uma distorção da correspondência retiniana e/ou a movimentos 
oculares torsionais (Siderov et al., 1999). Essa inclinação é em média de 12° a 
2 metros e cai para 3° a 50 centímetros, com alguma variação entre observadores 
(Siderov et al., 1999) e tem sido utilizada pela indústria de telas de 
computador e óculos para melhorar o conforto dos usuários (Ankrum, 1997). Além 
disso, existem evidências de especialização funcional dos campos visuais 
superior e inferior, levando a um melhor processamento peripessoal (ou de 
disparidades cruzadas) no campo inferior e melhor processamento extrapessoal (ou 
de disparidades não cruzadas) no campo superior (Previc, 1990).
Neste experimento, os estímulos não cruzados do campo superior e os cruzados do 
campo inferior estavam situados próximos do horóptero vertical. Os estímulos 
cruzados do campo superior e não cruzados do campo inferior estavam mais 
afastados do horóptero vertical. 
Entretanto, não encontrou-se diferença significativa de latência de 
preenchimento entre estímulos próximos ou afastados do horóptero vertical. Esses 
resultados indicam que a influência da variação de parâmetros visuais no 
preenchimento perceptual é limitada. Se um objeto situado no campo periférico se 
torna invisível pelo efeito de preenchimento neural, provavelmente esse fato é 
influenciado principalmente por parâmetros tais como brilho do objeto e o 
tamanho de sua projeção cortical. Diferenças induzidas por degradação de borda (Welchman 
e Harris, 2003) ou variação de profundidade a partir do ponto de fixação não 
exercem efeito significativo no tempo que ele leva para preencher, pelo menos na 
extensão avaliada neste experimento.
O resultado significativo foi a diferença de latência de preenchimento entre os 
campos superior e inferior, corroborando os resultados do experimento 1 e o de 
Sakaguchi 2003. Dez tricromatas e sete dicromatas apresentaram latências mais 
longas no campo visual inferior; oito tricromatas e dois dicromatas apresentaram 
latências mais longas no campo visual superior. Esse resultado sugere que apesar 
do estímulo no campo inferior ser significativamente mais difícil de preencher 
do que no campo superior para a maioria, essa não é uma característica uniforme 
para todos os indivíduos. Sakaguchi sugeriu que diferenças de magnificação 
cortical entre os campos inferior e superior poderiam explicar essa anisotropia. 
Entretanto, estudos fisiológicos e de ressonância magnética funcional mostram 
que não há diferença significativa de magnificação entre os campos visuais 
superior e inferior (Sakaguchi, 2003) (Daniel e Whitteridge, 1961) (Horton e 
Hoyt, 1991) (Sereno et al., 1995).
Por outro lado, as diferenças de processamento entre os campos visuais superior 
e inferior podem explicar nossos resultados. Evidências de assimetria vertical 
de campo visual foram apresentadas para diferentes parâmetros visuais. A 
concentração de células ganglionares é maior na retina superior do que na 
inferior (Curcio e Allen, 1990), o que leva a uma maior representação do campo 
visual inferior nas áreas do córtex visual. Isso contribui para a explicação do 
fato de que campo visual inferior é mais eficiente do que o superior na maioria 
das funções estudadas. 
A percepção de: 
(i) contornos ilusórios (Rubin et al., 1996); 
(ii) estereogramas com disparidade cruzada (Breitmeyer et al; 1975); 
(iii) movimento cromático (Bilodeau e Faubert, 1997); (iv) avaliação de 
comprimento (Fukusima e Faubert, 2001), é melhor no campo visual inferior. 
A percepção de estereogramas com disparidade não cruzada é melhor no campo 
visual superior (Breitmeyer et al., 1975). 
Tem sido demonstrado que o campo visual inferior possui vantagem na coordenação 
visuo-motora (Danckert e Goodale, 2001) e em tarefas de memória espacial (Genzano 
et al., 2001) enquanto que o campo visual superior possui vantagem em atividades 
visuais tais como procura e reconhecimento de objetos (Previc e Neagele, 2001). 
Essa relativa separação de funções foi também demonstrada para as vias visuais 
que se estabelecem a partir de V1, que são a via ventral e a via dorsal. A via 
ventral se projeta para o lobo temporal (V4) e a via dorsal para o lobo parietal 
(MT). A via ventral possui um papel importante na identificação de objetos, 
enquanto que a via dorsal intermedia as transformações sensoriomotoras 
necessárias para ações guiadas pela visão (Goodale e Milner, 1992). A 
especialização do campo visual inferior em processamento visuo-motor estabelece 
uma relação deste principalmente com a via visual dorsal, enquanto que o campo 
visual superior estaria ligado principalmente ao sistema ventral para mecanismos 
de procura e reconhecimento visual. Adicionalmente, existe vantagem do campo 
visual superior para julgamentos espaciais alocêntricos requeridos para tarefas 
de localização e vantagem do campo visual inferior quando são necessários 
julgamentos espaciais egocêntricos. Essa dissociação foi interpretada como sendo 
devida à atividade de duas vias neurais separadas realizando transformações de 
informação de entrada para diferentes saídas: reconhecimento de cenas pela via 
visual ventral e ação pela via visual dorsal (Sdoia et al., 2004). Outras 
assimetrias entre campo visual superior e inferior: (i) a capacidade de achar um 
objeto num espaço tridimensional é melhor quando este aparece nos campos visuais 
superior e direito (Previc e Blume, 1993); (ii) EEG occipitais apresentam pico 
muito mais precoce para estimulação de hemirretina superior (campo visual 
inferior) do que de hemirretina inferior (campo visual superior) (Lehman et al., 
1977). Tem sido sugerido que essas diferenças funcionais podem estar 
relacionadas a aspectos ecológicos e filogenéticos do sistema visual (Previc, 
1990) Todas essas diferenças poderiam contribuir para aumentar a saliência de 
objetos situados no campo visual inferior e consequentemente retardar seu 
preenchimento. 
A comparação entre dicromatas e tricromatas não mostrou diferença significativa 
em relação à influência de variação de posição espacial. Ambos grupos não foram 
influenciados por parâmetros estereoscópicos e ambos apresentaram diferença 
significativa entre campos visuais superior e inferior. Apesar de recentes 
evidências a respeito da contribuição cromática no processamento e construção de 
imagens estereoscópicas (Domini, 2000), não encontrou-se interferência do 
dicromatismo no preenchimento estereoscópico. Os dicromatas apresentaram média 
total de latências maior do que os tricromatas, mas isso pode ser atribuído a 
diferenças de percepção de brilho entre esses grupos (Verhulst e Maes, 1998).
Concluiu-se que: 
(i) a variação paramétrica estereoscópica não é crucial para o processamento do 
preenchimento perceptual, ao contrário do tamanho, excentricidade e contraste de 
brilho; 
(ii) a especialização do campo visual superior em tarefas de busca e 
identificação, e do campo inferior em tarefas de ação influencia o processo 
neural de preenchimento; essas diferenças podem ser responsáveis por um retardo 
no preenchimento de um objeto ou estímulo situado no campo visual inferior, já 
que além de ser identificado ele é submetido a processamento adicional 
preparando o indivíduo para ações motoras guiadas pela visão; 
(iii) os dicromatas e os tricromatas apresentam performance similar no 
preenchimento de estímulos estereoscópicos.