WirelessBR |
|
|
Fernando Neto Botelho |
FERNANDO NETO BOTELHO
(fernandobotelho@terra.com.br):
- é Magistrado de carreira do Estado de Minas Gerais e Desembargador do Tribunal
de Justiça/MG, da 13a. Câmara Cível;
- foi
Juiz de Direito Titular da 4a. Vara de Feitos Tributários do Estado de Minas
Gerais em Belo Horizonte;
- possui MBA - Master Business of Administration em Gestão de Telecomunicações,
pela FGV/Ohio University-USA (2001/2002);
- foi Membro do Comitê de Defesa dos Usuários de Telecomunicações da ANATEL
(mandato 2002/2003);
- é autor do livro "As Telecomunicações e o FUST" (ed. Del Rey - 2001);
- é Membro da ABDI - Associação Brasileira de Direito de Informática e
Telecomunicações;
- foi Diretor de TI da AMAGIS - Associação dos Magistrados de MG;
- é autor de artigos, palestras, e trabalhos doutrinários sobre regulação de
telecomunicações;
- é Membro da Comissão de TI do TJM - Tribunal de Justiça de MG e Coordenador da
Comissão do Processo Eletrônico do TRE-MG;
- é co-autor dos Livros "Direito Tributário das Telecomunicações" (ed. Thomson
IOB-ABETEL, 2.004) e "Direito das Telecomunicações e Tributação" (ed. Quartier
Latin-ABETEL, 2.006).
Uma webpage
mantida pela ComUnidade WirelessBRASIL registra seus trabalhos e suas
participações em Grupos de Debates.
PORTABILIDADE NUMÉRICA
Fernando Neto Botelho
A Portabilidade Numérica foi aprovada pela Anatel. Em recente reunião de seu Conselho Diretor – a 425ª., ocorrida em 07/março último – a agência reguladora concluiu processo administrativo destinado a preparar ambiente interno-regulatório para edição da norma correspondente. Ela tomará por base proposta formulada pela própria Anatel na Consulta Pública 734, de setembro/2006.
A CP 734 inaugurou o processo administrativo sobre o tema, que se submeteu, com o texto-sugestão da norma, a 63 dias de debate público, durante os quais foram colhidas quase mil contribuições-sugestões. Somaram-se a estas cinco audiências públicas, realizadas em diversos locais do território nacional – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, e Fortaleza – durante as quais a agência explanou o alcance de sua proposta.
A recente aprovação, pelo Conselho Diretor, equivale ao término da fase administrativa da discussão pública, ou da que deve preceder à edição da norma regulamentar (da portabilidade).
Resta então o derradeiro passo: a expedição do regulamento em si, ou, do RGP-Regulamento Geral da Portabilidade Numérica brasileira.
Mas, afinal, o que é portabilidade numérica ?
Para os menos afeitos à questão técnica e regulatória de telecomunicações, a expressão sugere significados os mais diversos, alguns nem muito precisos quanto a seu alcance material, outros, que permitem certa sensação, induzida pela primeira impressão, de que o empenho regulatório terá se voltado para coordenação do porte, ou do transporte, de números.
Embora não seja isso, não deixa também de sê-lo, sob certo aspecto.
Compreender a portabilidade e localizar limites e resultantes de sua regulamentação equivale a criar mecanismo de controle público e eficiente de sua implantação – que será histórica e inédita no cenário nacional.
Esse, o propósito específico da presente abordagem: convocar, no momento da expedição do RGP-Regulamento Geral de Portabilidade, reflexão sobre pontos neurais de sua estruturação, os quais irão interferir, significativamente, com a vida comunitária e com a vida empresarial de delegatários de serviços de telefonia.
Compreender, refletir, quem sabe, até, alterar pontos importantes da proposta inicial debatida na CP 734, pode evitar que o projeto brasileiro de portabilidade numérica – que, a exemplo de países europeus e do norte da América, deve atingir, depois de implantado, percentuais significativos de migração de terminais e usuários de telefonia, em proporção que se anuncia próxima dos 10% a 15%, ao ano (equivalente a alguns milhões de usuários brasileiros) – faça desaguar, na Justiça, novas e massificadas relações conflituosas das quais a da “tarifa-assinatura” continua a ser um importante e histórico alerta, para gestores da regulação, prestadores dos serviços, consumidores, e integrantes do sistema estatal de solução de conflitos.
Portabilidade Numérica é a denominação “oficial”, ou, a que será atribuída, por regulamento específico, a novo instituto da regulação brasileira de telecomunicações. O instituto ficou hibernado e potencializado na referência genérica dos contratos de concessão e de autorização de certos serviços – que previram abstratos direitos à portabilidade conforme “a regulamentação”.
Agora disciplinada por Regulamento (a ser editado), a portabilidade numérica passa a constituir instituto ao qual se sujeitarão atores da relação jurídico-prestacional de telecomunicações (o poder-público delegante, através de seu órgão regulador; os delegatários-prestadores dos serviços; e os consumidores-usuários destes). A nenhum se assegurará imunidade à nova norma. Daí, a seriedade da conferência da exatidão de seus disciplinamentos.
A Portabilidade Numérica assegura, a usuários de telecomunicações, direito de manutenção de respectivos códigos (numéricos) de acesso, obtidos quando da contratação primitiva, independentemente do prestador ao qual se vinculem por relação contratual.
É também expressão de um direito público – que, por se consagrar, agora, em norma jurídica-regulatória, se transmuta em direito subjetivo, oponível, pelo usuário, ao Estado delegante, conseqüentemente, a seus delegatários-prestadores executivos.
Nesta correlação, está presente o dever imposto a cada um dos prestadores-particulares executores dos serviços. Resume-se ele no encargo (que a norma lhes atribuirá), de garantirem plena e eficaz satisfação dos usuários-assinantes, na busca da portabilidade.
Noutro modo de dizer, se ao usuário a norma garante a manutenção do primitivo código (numérico) de acesso, a despeito de nova vinculação contratual, é ele, o código em si, que passa, por obra da norma, a integrar o patrimônio, ou, a personalidade jurídica, individual, do usuário, tornando-se elemento oponível ao universo de prestadores do serviço, que deverão se situar, em pólo oposto ao dos usuários, como garantidores de sua portabilidade.
A nova contratação de serviços – atingidos pela portabilidade numérica – confere, assim, pela norma regulamentar nova, eficácia à cláusula até o momento potencializada (cláusula suspensiva) pela delegação. Usuários passam a fruir mecanismos, inclusive judiciais, se necessário, de exigência da manutenção dos seus respectivos códigos de acesso, a despeito das primitivas ou futuras vinculações contratuais.
Não é coisa simples, como se vê, de conceber, e não é também de se configurar, nem tecnológica, nem juridicamente.
Pôr, de um lado, o universo dos consumidores de serviços, e, de outro, o dos prestadores – que, por sua vez, por obra da delegação, inseriram-se em mercado executivo subjeito a regras não só públicas-estatais, mas também privadas-obrigacionais, inerentes à iniciativa livre e competitiva “de mercado” – submetendo, uns e outros, a disciplina segundo a qual deverão migrar, entre eles, códigos (numéricos) de acesso a serviços, não é tarefa fácil.
Por não sê-lo, não deve ser levada a cabo sem adequada reflexão, que meça, para todos, condicionantes e caminhos ponderáveis, razoáveis, a serem seguidos.
A serem atingidos pela norma nova, de migração dos Códigos de Acesso, ou, dos que irão se submeter à regra da portabilidade numérica, estão todos os serviços de telefonia móvel e fixa do país – o SMP-Serviço Móvel Pessoal e o STFC-Serviço de Telefonia Fixa Comutada.
Justamente, portanto, os de maior capilaridade, determinantes de índices de maior teledensidade, maior abrangência social, maior número de assinantes – aproximadamente 150 milhões de usuários (de serviços fixos e móveis de telefonia) - serão os atingidos pelo efeito do regramento inovador, da portabilidade numérica.
Pelo lado dos prestadores (do SMP e do STFC), estarão submetidos todos os delegatários da telefonia fixa – que atuam em regiões do PGO-Plano Geral de Outorgas – além de todos os da telefonia móvel.
Nesta proporção de importância, abordaremos, a seguir, três aspectos específicos da questão, que pudemos observar no texto normativo proposto na (agora aprovada) CP 734. São eles:
I – A estrutura da portabilidade:
O RGP-Regulamento Geral da Portabilidade proposto pela Anatel não irá se restringir aos serviços (telefônicos) prestados em determinado regime jurídico – público ou privado – atuando, ao contrário, sobre todo o universo da telefonia brasileira, razão pela qual foi considerado, na CP 734, como aplicável aos serviços (de telefonia) de interesse coletivo (STFC, em regime público e privado, e SMP, em regime privado). Abrange, assim, códigos de acesso geográficos e não-geográficos de todos estes serviços, indistintamente.
Para esta abrangência, a Anatel sugere estrutura inédita, formada a partir da união dos atores diretamente envolvidos na relação contratual primitivamente armada para a prestação da telefonia – o poder público-delegante, a delegatária prestadora, o usuário-assinante/contratante.
Sugere, também, inserção de um terceiro, uma terceira entidade personalizada – denominada no texto da CP 734 “Entidade Administradora” (EA) – que “deverá” ser “contratada”, como empresa de TI-Tecnologia da Informação, pelas próprias delegatárias atuais da telefonia (SMP e STFC).
Cria-se, assim,, a necessidade de uma nova interveniente na execução dos serviços de telecomunicações – sugere-se a criação da específica entidade, a incumbir-se da execução do que se convenciona nominar “facilidade” dos serviços telefônicos (a “facilidade” seria a própria migração do Código Numérico de Acesso, de uma rede, de um local, ou de um serviço, para outros).
Uma EA, ou, “Entidade Administradora” é então a que deverá realizar esse “milagre” da migração (do código telefônico de acesso, entre redes de prestadoras envolvidas, ou entre os locais ou serviços por ela atingidos).
Formalmente definida no art. 4º do texto proposto, a EA deverá ser uma “...pessoa jurídica independente e de neutralidade comprovada, sem vínculo de controle com prestadora de serviços de telecomunicações de interesse coletivo
”.Haverá, então, na relação jurídico-obrigacional-comercial, fixada, primitivamente, entre o consumidor-usuário dos serviços e a prestadora-contratada de telefonia (móvel ou fixa), a inserção deste terceiro contratante para a hipótese do acionamento, pelo usuário, de pretensão à portabilidade de seu código de acesso.
Se a portabilidade se direcionar à migração do código para outra rede telefônica, pertencente a diversa prestadora, haverá a convocação, também, desta prestadora concorrente.
Como a migração só poderá ocorrer, nos termos da norma, entre serviços de mesma natureza, teremos, aí, a hipótese de o usuário transportar seu código de acesso, em serviço telefônico, de uma operadora para outra (contratação de serviço concorrente, móvel ou fixo, em mesma ou distinta base geográfica).
Para a hipótese, a norma institui qualificações, atribuindo, para a primeira envolvida – detentora da contratação primitiva, que terá gerado o Código de Acesso para o usuário – a qualidade de “Prestadora Doadora”, e, para a última –instada, pelo mesmo usuário, à prestação de novo serviço – a de“Prestadora Receptora”.
Embora não se possas aplaudir a escolha e atribuição de “Doadora” a prestadora que, forçosamente, isto é, mesmo sem “animus donandi”, deverá suportar migração compulsória de seu assinante e respectivo Código de Acesso para rede e serviços concorrentes aos seus, não se pode dizer que a norma não tenha, em seu art. 4º, identificado completamente a hipótese. Mas ela, por sua vez, apresenta possibilidades de conflito - usuário(s) disposto(s) a migrar(em) de serviços e rede, “carregando” seu(s) código(s) primitivo(s) de acesso à revelia de sua situação contratual de origem.
A norma sugere a imposição, nisso, de uma obrigação de tolerância – obrigação (negativa), de não-resistir - à saída incondicional do usuário em direção a rede e serviços concorrentes, através do porte – ou, do transporte – por ele, de seu Código de Acesso. Este Código o identificara e o vinculara à rede primitivamente contratada e, sabidamente, constituiu-se, ali, em fator decisivo de sua permanência, já que o código identifica usuários para as mais variadas aplicações e propósitos (negociais-comerciais, profissionais, educacionais, familiares, etc.).
É, por se ver, algo novo, inédito, que, de fato, impactará o mercado brasileiro de telefonia, pois a mudança será, antes, de filosofia quanto à titularidade “do código” (de acesso). Saindo este da “posse” das prestadoras – que o concediam, seguindo normas de mera numeração, mas o usavam, legitima e comercialmente, como elementos de fidelização subjetiva de seus usuários – os códigos passam, agora, a livre gestão, pelos próprios usuários, que, não é exagero prever, passam também com eles “a mandar” um pouco mais no mercado, face à perspectiva de portabilidade irrestrita (a qualquer tempo, por número ilimitado de vezes, de redes e serviços).
Não será afoito dizer, em paráfrase ao que Larry Lessig disse em seu “Code and other laws of cyberspace”, que, com a portabilidade numérica instituída, também a telefonia brasileira altera a realidade do “the code is law”.
Neste sentido, a fundamentação para sua instituição é, antes, a de que se estará fomentando competitividade entre prestadoras de serviços de interesse coletivo e assegurando, com ela, ao usuário melhores condições contratuais e prestacionais, livres que estarão do ônus da perda do Código primitivo-telefônico de acesso, e libertos, assim, dos efeitos de contratações insatisfatórias.
Cremos na valia desta vertente, e estamos nos ocupando aqui apenas do meio de sua implementação, pois a estrutura é o que não deve falhar na busca do objetivo maior; não deve incorrer no paradoxo, de arriscar a própria efetividade da equação a que se propõe servir.
Voltamos então a atenção para aquele “novo ator” criado como pilar de sustentação do “edifício” da portabilidade: a “Entidade Administradora”.
Para clarear esta questão, citamos novamente a hipótese da migração do Código de Acesso entre rede e operadoras concorrentes em serviços de mesma natureza. Para esta hipótese, a proposta do RGP enuncia envolvimento conjunto dos 4 “atores” mencionados. Serão: o assinante-usuário, solicitante da migração do código de acesso a outra rede; a “Prestadora Doadora”, titular da assinatura e obrigada à cessão compulsória e incondicional do Código à rede concorrente; a “Prestadora Receptora”, instada, pelo usuário, à celebração de novo contrato de serviços, para ela devendo ser portado o Código; e, finalmente, a “EA-Entidade Administradora”.
Sobre esta “EA”, o art. 22 do texto proposto na CP 734 anuncia que o modelo brasileiro de portabilidade se constituirá de uma “arquitetura centralizada para o acesso a banco de dados”. Esta “arquitetura” se resumirá à criação de uma “Base Nacional de Referência da Portabilidade” (denominada “BDR”). E a “Base Nacional” terá a finalidade de atualizar “Bases de Dados Operacionais” das próprias prestadoras, sendo que estas bases deverão ser usadas para o encaminhamento de chamadas originadas em suas respectivas redes.
A dinâmica foi cuidadosamente detalhada nos arts. 27 a 32 do texto.
Está programada por ela inédita triangulação de base de dados, através da qual haverá unificação-centralização nacional desses – quanto aos Códigos de Acesso dos usuários – sendo que a plataforma computacional-telemática incumbida de gerenciar a dinâmica deverá atuar sobre os dados das operadoras, com a finalidade de atualizá-los permanentemente.
Sem isso, deve-se dizer, não se terá o elemento definidor da comutação das chamadas em centrais telefônicas das operadoras – o localizador atualizado da rede-destino visada pela chamada, através da identificação instantânea do Código de Acesso portado.
Coisa, então, da maior importância conceptiva e parte-indissociável do “fechamento” dos circuitos habilitadores das chamadas telefônicas, a atuação (da BDR sobre as BDOs das operadoras) se insere, a partir da implantação da portabilidade, no fenômeno claramente materializador da comunicação telefônica – ou, como “conditio sine qua non” desta.
Não se atualizando, instantaneamente, a base de dados de cada operadora de telefonia – a BDO – através da unificada-centralizada atuação da base nacional e de sua ativa inserção sobre todas as demais (BDR), não se completarão chamadas originadas em redes de telefonia fixa e móvel cujos códigos de acesso tenham sido portados para outras redes.
Séria é a repercussão !
Pois à luz do disposto no art. 60, “caput”, da LGT (Lei 9472/97), não deve haver dúvida de que esta “conditio” imperativa da comutação e do “fechamento” do circuito telefônico para códigos portados torna a atuação da BDR parte indissociável, elementar, das atividades tecnológicas que possibilitam a oferta de telecomunicação telefônica.
Por isso, seguindo a topologia traçada pelo próprio art. 22 da CP 734, a atividade da BDR não pode equivaler a mera “facilidade”, ou, a “facilidade” autônoma, ou, a colateral implemento da comunicação telefônica; “a contrario sensu”, constitui atividade tecnológica a esta essencial, havendo código portado. Integra, nesta proporção, o conceito legal – “lato” e “stricto sensu” – de serviço de telecomunicação telefônica (móvel ou fixa), segundo o estatuído pelo art. 60 da LGT.
Daí, a certeza de que, como serviço típico de telefonia, ou atividade (a de portabilidade) que possibilita sua oferta eficaz, sua titularidade não pode ser conferida a terceiro, porque privativa da União Federal, fora do alcance do art. 21, XI, da Constituição da República.
Poderão prestá-la, executivamente, a própria União, como sua exclusiva titular, ou, mediante delegação executiva decidida por esta – concessão, permissão, autorização – entidades privadas às quais, como ocorre desde a Emenda Constitucional 08/95, seja delegada, na forma da lei, a atividade.
O que não se aceita é a pura ou direta transmutação em “facilidade” do que, tecnologicamente, caracteriza parcela essencial da própria eficácia do serviço. A essência de determinado serviço de telecomunicações – de que se faz titular, por natureza e origem, somente a União – não se transmuta, por ato do órgão regulador ou de sua norma administrativa, em “forma de telecomunicações” (art. 69, parágrafo único, da LGT), pois o que o configura é a sua natureza intrínseca.
Definido que o país da telefonia irá adotar portabilidade numérica dos códigos telefônicos de acesso, fixado que a topologia a viabilizar a inovadora aplicação adotará, como sua condição elementar, o gerenciamento centralizado-unificado – banco de dados nacional – dos códigos portados, a fim de que os bancos privados de dados (das operadoras de telefonia) possam ser atualizados seqüencialmente, de duas uma:
a) ou a União assume, diretamente, a prática também do gerenciamento centralizado-unificado, exercendo-o “de per si”;
b) ou delega, na forma da lei, a prestador autônomo, sua execução material, o que deverá ocorrer “sub conditionem” – e a delegação requererá, havendo preenchimento de exigências legais, prévio, público, e isonômico procedimento licitatório.
O que não se pode admitir, frente a esses disciplinamentos constitucionais e infra-constitucionais, é que, fugindo a ditas alternativas, o órgão regulador inove, por intermédio de ato normativo de porte infra-legal, conferindo, diretamente, a terceiros, “status” que a lei e a Constituição só asseguram a delegatários formais.
Nesta linha, parecem-nos alheios às exigências e limites constitucionais as disposições dos arts. 33 a 42 do texto proposto na CP 734, que incidem nos seguintes equívocos:
1 - criam única entidade – a EA-Entidade Administradora – à qual atribuem atuação em atividade essencial à prestação da telefonia móvel ou fixa (titularidade da BDR, e atuação desta sobre BDOs das operadoras, para a portabilidade dos códigos de acesso), com prerrogativa para prática de atos inerentes ao serviço de telecomunicações, sem prévia delegação por procedimento público-isonômico. A afetação direta, ao particular, do serviço público, por ato administrativo, sem formal delegação, destitui de legalidade a iniciativa. Imprescindível, assim, preveja o regulamento a licitação do serviço público à nova entidade criada;
2 - determinam seja a EA-Entidade Administradora instituída como ente autônomo, financeira e patrimonialmente, dotada de personalidade própria, estabelecendo, inclusive, que deverá ela ser “... constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no país...”. Deverá, também, apresentar, em sua estrutura interna, “...um Conselho Consultivo, presidido pela Anatel, do qual devem fazer parte as Prestadoras de Serviços de Telecomunicações de interesse coletivo, entidades públicas e privadas relacionadas com a Portabilidade” (art. 36). Inédito dirigismo contratual este, presente na imposição, voltado que está para o regramento da própria forma de instituição da entidade privada, cuja constituição, ao contrário, escora-se em antagônicos fundamentos constitucionais, especialmente no da livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170, da CF). Tratando-se de entidade, que, nos termos propostos, deverá ser criada “segundo as leis brasileiras” – o regulamento proposto não alude a entidade estatal pré ou pós instituída para esta mesma finalidade - o princípio-vetor de sua instituição é o da legalidade, ou, o da citada “lei brasileira”, o que significa vedação ao pré-direcionamento ou condicionamento de exigências para sua instituição. À ausência de lei limitativa da instituição da pessoa jurídica, vigora o princípio da autonomia da vontade e da liberdade institucional, haurido da própria Carta Maior. Não vemos como, por isso, exigir o regulamento, sem lei que o preveja, instituição da entidade administradora, autônoma, com composição obrigatória de órgão interno-consultivo. Nem temos como concordar com a determinação de seja ele integrado pela própria autarquia pública (a ANATEL), eis que esta não se acha dotada de quaisquer poderes para integração de órgãos internos-consultivos de outras entidades, sobretudo daquelas não sujeitas, formalmente, a seu poder público regulador (arts. 8º, 9º, e 19º, da Lei 9472/97). Além disso, obrigar-se também as empresas constituídas, que o foram na “forma da lei brasileira” – e, nos termos do proposto art. 35, sem vínculo societário com a entidade administradora - a integrarem o mesmo órgão interno-consultivo da entidade alheia às suas próprias estruturas, e de fazerem-no pelo fato de deterem delegação pública de serviços telefônicos de interesse coletivo (art. 36, III), fissura a legalidade, pois que, à míngua de lei expressa, a pessoa jurídica constituída não se sujeita, através de regramento administrativo ou por obra do vínculo delegacional, a integrar outras entidades igualmente instituídas com autonomia, o contrário equivalendo a violação da livre iniciativa, da autonomia da vontade empresarial, e dos limites da personalidade jurídica de cada entidade. Sugere-se inserção de exigência de licitação para a delegação do serviço específico – na forma já mencionada – à EA, com arbitramento dos pretendidos condicionamentos a esta sob forma de instrumentos do procedimento licitatório, ou seja, como cláusulas da contratação pública-administrativa a que se sujeitará o ente ao qual se venha a delegar formalmente o serviço (da portabilidade). A sua individualizada contratação, pelas demais prestadoras, passará, assim, a regramento por normas equiparáveis às da interconexão, ou seja, como modo de realização da portabilidade numérica, e somente após delegado, na forma da lei, o correspondente serviço público a que esta equivale. Sem a providência da integração prévia e formal da EA ao serviço público, de interesse coletivo, de portabilidade numérica, não se lhe poderá atribuir atividades e condicionamentos como os previstos nos arts. 36, 37, 42 e 51 do texto, nem se poderá exigir, das prestadoras do SMP e STFC, o atendimento do contido nos arts. 61, 62 e 65 do mesmo texto;
3 - determinam que a EA-Entidade Administradora (que, repita-se, não receberá, pela proposta, formal delegação de serviço de telecomunicações) seja contratada pelas prestadoras de serviços de telefonia de interesse coletivo (art. 34). Trata-se de imposição de contratação privada, entre particulares. A imposição afronta o princípio da autonomia da vontade e também o da liberdade de contratar (art. 421, do Novo Código Civil), motivando pactuação nula “ab initio”, especialmente quando se constata que o regulamento impõe responsabilidade apenas às prestadoras de serviços já consolidadas, que, assim, terminarão por assumir o ônus pela contratação (compulsória) de terceiro e o da própria atividade material deste. Lembre-se que, na forma do art. 34, parágrafo 2º, do texto proposto, fixou-se que “As prestadoras do SMP e do STFC são responsáveis pelo estabelecimento de relacionamento entre a Entidade Administradora e a Anatel, no sentido de permitir ao Órgão Regulador a obtenção de dados relacionados à Portabilidade “, o que não convive com a autonomia propugnada para a entidade administradora, por cujos atos não se pode convocar, administrativamente, responsabilidade de terceiros, igualmente autônomos, menos ainda se podendo atribuir, a estes (delegatários de SMP e STFC), encargos por intermediação de atuação fiscalizatória da ANATEL junto a entidade não submetida, formalmente, ao poder regulador da agência. Não há, na lei brasileira, previsão para intermediação de particulares – ou delegação de poder público – no exercício do poder de polícia administrativo afetado a órgão da administração direta ou indireta. Por esta razão, destitui-se de amparo jurídico o deslocamento, para as entidades delegatárias do SMP/STFC, da responsabilidade por obtenção de dados “relacionados à portabilidade”, dados esses manejados pela autônoma entidade administradora à qual não se delega serviço. Inaplicável, de conseqüência, a disposição do art. 79 do texto da CP 734, que prevê possibilidade de intervenção da ANATEL na contratação da EA pelas prestadoras de SMP/STFC.
4 - tornam responsáveis pela portabilidade as empresas prestadoras dos serviços de telefonia (art. 32), sendo que a própria operadora do BDR não recebe equivalente ou consorciada responsabilização, o que a torna excluída do alcance responsabilizante proposto na norma, a despeito de inserida no contexto topológico da conexão (arts. 22 e 27) – nota-se, nisso, descompasso, anti-isonômico, do tratamento conferido ao conjunto das entidades que deverão, em triangulação técnica não-hierárquica e incindível, operar, em associada harmonia, a portabilidade dos códigos;
II – O Sigilo de Dados
Outro pronto de relevo no texto sugerido na CP 734 liga-se à dinâmica prevista para a topologia da portabilidade.
Por se prever que a BDR – a base de dados nacional de referência – assumirá a função de atualizar, seqüencial e automaticamente, as BDOs das operadoras (as bases de dados operacionais destas), haverá intensa, dinâmica, e crescente fusão de dados entre tais entidades.
Mas quais deverão ser os dados a se sujeitarem à migração através das plataformas tecnológicas destas operadoras para a BDR – conseqüentemente, desta, também, para aquelas (na forma do art. 12 do texto proposto na CP 734) ?
Respondem-no os arts. 48 e 50 do texto:
“
Art. 48. Na solicitação de Portabilidade, o usuário deve informar à Prestadora
Receptora os seguintes dados:
I - Nome completo;
II - Número do documento de identidade ou número do registro no cadastro do
Ministério da Fazenda, no caso de pessoa física;
III - Número do registro no cadastro do Ministério da Fazenda, no caso de
pessoa jurídica;
IV - Endereço completo;
V - Código de Acesso;
VI - Nome da Prestadora Doadora.
Art.
50. A fase de autenticação do Processo de Portabilidade é caracterizada pela
conferência dos dados do usuário, que são encaminhados à Prestadora
Doadora por meio da Entidade Administradora.
Parágrafo único. Os dados referidos no caput são os seguintes:
a) Nome completo;
b) Número do documento de identidade ou número do registro no cadastro do
Ministério da Fazenda, no caso de pessoa física;
c) Número do registro no cadastro do Ministério da Fazenda, no caso de pessoa
jurídica;
d) Código de Acesso;
e) Nome da Prestadora Doadora
Como se vê, dados individuais, personalíssimos, de identificação não apenas tecnológica, mas também civil e tributária, do assinante-usuário, integrarão o processo da portabilidade, migrando da BDO da operadora “doadora” para a BDO da operadora “receptora”.
Como a migração – o processo material da portabilidade – não será feita diretamente, entre uma e outra operadora, atuará, para intermediá-la, segundo a sugestão da norma, a dita EA-Entidade Administradora, que será tornada gestora e implementadora, exclusiva, da tecnologia viabilizadora da BDR (arts. 36, VII, 50, 51 do texto proposto).
Embora a sugestão acentue, no inciso VII do art. 36, que a EA deverá, para isso, “Manter a confidencialidade das informações relacionadas aos processos da Portabilidade, não podendo divulgá-las, utilizando-as somente para suprir o Processo de Portabilidade “ e inobstante tenha o art. 10, V, do mesmo texto, se ocupado em estabelecer, como direito do usuário da portabilidade, o de ter “...assegurada a privacidade de seus dados pessoais informados quando da Solicitação de Portabilidade “, não se pode deixar de convir que a “...privacidade nos documentos...e na utilização de seus dados pessoais...” constitui prerrogativa subjetiva pública, estatuída, por origem, em lei, e não em regulamento (art. 3º, IX, da Lei 9.472/97).
Está, ali, textificado que a utilização de dados pessoais dos usuários de telecomunicações somente será feita “...pela prestadora do serviço...”, o que significa que o direito ao conhecimento e manuseio dos dados pessoais do usuário constitui prerrogativa exclusiva do delegatário formal do serviço público, ao qual a (mesma) lei ainda impõe o grave dever correlato, do respeito ao sigilo garantidor “...de sua privacidade...”.
Noutro modo de dizer, o direito subjetivo público, individual, ao sigilo de dados pessoais, somente cede espaço, em caráter estrito, à prerrogativa da prestadora formalmente constituída – pela delegação pública – e contratada, pelo usuário-titular da garantia, por vinculação privada.
Nem poderia ser diferente, pois a garantia, antes de ser legal, tem origem direto-constitucional, na medida em que fixada em cláusula pétrea-expressa da Carta da República, representativa do direito individual à inviolabilidade da “...intimidade,...vida privada...”, e do “....o sigilo....de dados... “ (art.5º, X e XII, da CF).
Se é assim, se a lei e a Constituição garantem e restringem, em proteção da privacidade e da intimidade, sigilo de dados pessoais, somente admitindo sua utilização por prestador formal do serviço público (de telecomunicações) – vale dizer, somente concebendo que o próprio Estado, através de seus formalizados delegatários (e com a responsabilidade que recai, “ex vi” da própria Constituição, sobre estes, em razão do vínculo público-delegacional), possa acessar dados pessoais de usuários – não se pode conceber sejam estes entregues, por obra de regulamento administrativo, de porte infra-legal, a entidade não-delegatária de serviços.
Retorna, aqui, então, a questão de não ser a EA, nos termos propostos na CP 734, delegatária formal dos serviços de telecomunicações, o que lhe retirará, por completo, poder de uso, recebimento, envio, ou mesmo acesso, como entidade autônoma-comum, a dados de usuários das operadoras-delegatárias de telefonia.
Em suma, a proposta de atuação da BDR sobre dados individuais de usuários contidos nos BDOs das operadoras, através de atuação da EA – que não será delegatária de serviço público de telecomunicações - não encontra respaldo constitucional. Sugere-se, uma vez mais, e sob a ótica, agora, da proteção ao sigilo de dados, seja corrigida a proposta neste ponto, e à EA delegado serviço formal de telecomunicações (destacando-se, quanto à necessidade de licitação prévia, a inocorrência das circunstâncias determinantes de inexigibilidade licitatória, de que cuida o art. 91 da Lei 9.472/97).
III – Os Custos da Portabilidade
Para o usuário de telefonia – móvel (SMP) ou fixa (STFC) – a portabilidade, apesar de um direito, constituirá ônus pecuniário-econômico, quando exercido.
Significa dizer que a relação jurídica entre o usuário e a nova prestadora para a qual pretenda ele migrar/portar seu código telefônico de acesso – ou à mesma para a qual pretenda portar, em novo local ou novo serviço, o mesmo código – é onerosa.
Consideramos sinalagmática, comutativa, bilateral, a relação jurídica-contratual que apresente onerosidade para as partes contratantes.
Nestas modalidades contratuais onerosas, especialmente naquelas cujo objeto seja a prestação de serviços, à fixação do preço remuneratório deve equivaler inconfundível contraprestação (o serviço em si).
Credor do preço deverá ser o devedor de serviço certo a ser prestado. Credor do serviço, terá de ser o devedor do preço.
Na prestação de serviços de telecomunicações, a comutatividade recebe interferência do poder público – representado pela presença do ente regulador no arbitramento de certas condições contratuais, dentre elas o preço.
O preço, por exemplo, da contratação dos serviços públicos de telecomunicações é arbitrado, pautado, ou homologado, pela Anatel, relativamente a serviços prestados em regime público (como ocorre hoje com parcela significativa dos serviços telefônicos – STFC). Para isso, a agência recebe, da lei – art. 103 da LGT – expressa delegação de competência para “...estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço...”.
Sem que haja, então, uma certa e inconfundível “...modalidade de serviço...” – pré-definida por formal instituição e respectiva delegação – não pode haver instituição de tarifa remuneratória, se público o regime prestacional do serviço.
Se privado o regime, o preço remuneratório, embora livre – diz a lei (129 da LGT) – sujeitar-se-á a especial controle pela mesma agência, que deverá, quanto a ele, reprimir “...toda prática prejudicial à competição, bem como o abuso do poder econômico, nos termos da legislação própria...”.
Como a proposta contida na CP 734 institui a portabilidade para todos os serviços de telefonia, ou, todos os de interesse coletivo, sem pré-delimitação ou restrição a quaisquer deles, abrangendo concessões cuja prestação está submetida ao regime jurídico público (STFC-regime público) e autorizações sujeitas ao regime privado (SMP e STFC-regime privado), o preço remuneratório da portabilidade deveria se sujeitar, na forma dos arts. 103 e 129 da LGT, a modalidade híbrida de controle regulatório.
Todavia, ao instituir a onerosidade da portabilidade e, assim, sujeitá-la a custeio específíco pelo usuário – arts. 10, 13, e 14 do texto da CP 734 – a proposta não esclarece a titularidade do custeio, isto é, a prestadora que deverá, efetiva e finalmente, patrimonializá-lo, como receita (operacional ou não).
De se dizer que ao fixar que “A Portabilidade pode ser onerosa ao Usuário Portado, por meio de valor cobrado pela Prestadora Receptora, em uma única vez ou de forma parcelada “ (art. 14 do texto), a norma não define mais que a legitimidade para a cobrança, não se sabendo deva ser esta cobradora (a “Prestadora Receptora”) a efetiva credora material legitimada à apropriação definitiva da receita.
Não se dá também o título desta receita – se operacional ou não relativamente ao escopo, ao objeto, à atividade-fim, da cobradora eleita – o que leva a crer que, se por esta mesma patrimonializável a receita cobrável (da portabilidade), o será sob título de receita tipicamente operacional, derivada, portanto, do implemento estrito de seu próprio objeto, fora do qual não atuará, em percepção de tarifa pública com sacrifício do usuário, dentro da legalidade.
Se operacional, assim, a receita – da “Prestadora Receptora” – há de fixar o regulamento a equivalente contraprestação devida por ela, ou a seu cargo exclusivo, correspondente ao preço da portabilidade.
E, aí, há outra questão a ser resolvida, pois a norma estatui que a conclusão do processo da portabilidade estará a cargo não desta “prestadora receptora”, mas da “EA-Entidade Administradora”, em cujo âmbito se dará a atuação da BDR. Desse modo, ou não perceberá a EA qualquer remuneração com base na tarifa/portabilidade – devendo ser remunerada exclusivamente por preço privado, ajustado contratual e diretamente com as próprias operadoras, cuja repercussão não poderá recair jamais sobre a tarifa, da portabilidade (preço privado, insuscetível de repercussão na tarifa remuneratória da portabilidade) – ou o repasse, pela “Prestadora Receptora”, da tarifa recebida do usuário-portador, equivalerá a trespasse de recurso em remuneração indireta de atividade não integrante de seviço delegado, de telecomunicações.
Além de tudo disso, ao fixar o texto do regulamento proposto, no parágrafo 1º do citado art. 14, que o “...valor máximo a ser cobrado e a forma de pagamento serão propostos pela Prestadora Receptora e homologados pela Anatel...”, faz-se clara adequação do preço tarifário (a tarifa/portabilidade) à exigência do art. 129 da LGT, o que caracteriza esta tarifa como preço controlado administrativamente, logo, preço público, pois não bastará a idealização de seu “quantum” pela “Prestadora Receptora”, exigindo a norma o ato administrativo específico de convalidação, ou que, seja “homologado pela Anatel”.
Se a homologação administrativa é, assim, a condicionante de validez formal da tarifa, está-se diante de tarifa visivelmente pública, ou, de preço público, arbitrado, para a portabilidade, isto é, para a nova atividade integrada aos serviços de telefonia de interesse coletivo, sejam eles públicos ou privados. Atividades sujeitas a regime privado (SMP e STFC-regime privado) passarão a se submeter, assim, a dúplice modalidade tarifária (uma, livre, privada – remuneratória de seus serviços; outra, pública, arbitrada-homologada, para a portabilidade).
Em suma, a norma proposta edita regramento que torna o preço pelo exercício estrito da atividade material de portabilidade remuneratório da contraprestação exigível no âmbito apenas da “Prestadora Receptora” – que o cobrará em vínculo estrito com seu objeto social - o que transforma o produto do seu recebimento em receita operacional desta, típica, exclusiva, intransferível a terceiros, ainda que à EA, que, por sua vez, não poderá ser remunerada, indiretamente, por transferência desta mesma receita, eis que não-delegatária formal de serviços públicos.
Há outras conseqüências ainda.
Como receita operacional (da “Prestadora Receptora”), o preço (público) pela portabilidade ensejará incidências tributárias repercussivas, eis que a percepção de receita operacional em serviços de telecomunicações submete o importe, na forma das respectivas exigências legais, a recolhimento de “tributos do setor”, como as CIDEs-Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico devidas ao FUST e ao FUNTTEL (alíquotas, respectivamente, de 1% e 0,5% sobre a base de cálculo definida pelo importe bruto da receita, deduzidos PIS-COFINS, e ICMS). Serão tributos, portanto, devidos pela “prestadora receptora”.
Não só a esses, aliás, se submeterá o mesmo preço/portabilidade, mas, ainda, a outros tributos igualmente incidentes sobre a receita operacional dos serviços de telecomunicações, eis que devidos, uns e outros, a entes públicos diversos. São eles:
a) PIS-COFINS;
b) ICMS estadual – figurando, também quanto a este, a “prestadora receptora”, como de substituta tributária, cujo “quantum” fiscal deverá ser antecipado e repassado, na fatura respectiva, ao usuário-tomador-final do serviço (de portabilidade), eis que a portabilidade, integrando operação comunicativa de telefonia, exaurirá, por completo, a hipótese adicional de incidência do imposto estadual de circulação de mercadorias e serviços. Convém que a norma regulatória indique o dever de que a expressão pecuniária do tributo sujeito à transferência seja anunciada ao usuário-contribuinte, que o suportará ao final.
Como se vê, aliada à repercussão tributária – para as “prestadoras receptoras” – patrimonial – para a Entidade Administradora – e fiscal-patrimonial - para o usuário – a repercussão do preço (público) pela portabilidade se faz ampla e deve sintetizar, para o consumidor dos serviços, uma segura e objetiva garantia de efetividade da contraprestação, sob pena de não se lhe poder exigir o pagamento.
Conclusão
Não se pode, neste momento, negar a valia da iniciativa administrativa, de pôr em marcha a implantação da portabilidade no país.
Mas, por tudo o que foi abordado, não se pode, por outro lado, olvidar aspectos que contaminam a proposta de regulamentação geral da inovação, os quais, a não se sujeitarem a correção, podem, ao invés de fomentar a competição e o beneficiamento público do uso da telefonia brasileira, judicializar, intensamente, a questão, seja por iniciativa de usuários insatisfeitos com imprecisões definidoras da contraprestação que lhes será devida, seja pela de prestadores que, no complexo vínculo com a entidade administradora não-delegatária criada, terminarão suportando, sozinhos, a repercussão patrimonial pela portabilidade.