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VIDEOCONFERÊNCIA NA JUSTIÇA |
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AUTOR: FERNANDO NETTO BOTELHO (*) |
VIDEOCONFERÊNCIA NA JUSTIÇA
Desde os primórdios da civilização, o homem se comunica e, a cada passo, se entretém, revelando traço marcante de sua própria natureza, com a
obsessiva busca do domínio de sons, imagens, e, finalmente, da escrita.
O disco de vinil marcou o trato dos sons no final do século XIX, como primeira expressão de mídia de massa, seduzindo usuários e adquirentes da vitrola de Thomas Edison (de 1877) e do
gramofone de Berliner (1882).
O disco foi, no entanto, rapidamente superado pela criatividade de Guglielmo Marconi e seus famosos sinais de rádio de 1896, sobretudo após a fama que alcançaram na detecção de pedidos de socorro do "Titanic" (1912).
Depois de quase entrar em colapso, pelo sucesso desta nova indústria do rádio e da transmissão de sons por radiofreqüência, a do disco de vinil a ela terminou se adaptando, vendo, no veículo sucessor, eficiente mecanismo de próprio suporte e de difusão de produtos.
Nascia, ali, no início do século XX, nova base industrial, a da indústria de discos suportada pela do rádio.
No mundo das imagens, não foi diferente. Edison deu outra contribuição, criando a Câmera de Cinema (o Hinetoscópio de 1888), que concorreu com o Biograph e o Vitagraph (em 1900).
Ajustadas, também, estas inovadoras tecnologias, surgia, com elas, nova indústria, a de imagens em filmes, e a do cinema, com a áurea era dos filmes de estúdio (à partir de 1919).
Mas, a introdução do tubo iconoscópico de Farnsworth e Zworkin (1923), que permitiu a criação da câmera de TV, e a dos tubos de imagem e respectivos receptores, deram nova dimensão à feição de mídia de massa (da TV), que, por sua vez, e pela imensa escala, abalou a do próprio cinema, cinema que, por sua vez, passou, à seguir, a compreender a
rede que a TV proporcionaria, associando-se estrategicamente a ela,gerando nova formatação de indústria, a da produção de filmes para a TV, à partir de meados do século XX.
Foi sempre assim, porque é natural e compreensível que o seja.
Novas tecnologias de informação, transformam-se em objeto natural da obsessão humana, na busca por solução de obstáculos à comunicação (fatores espaciais, temporais). E terminam por consolidar solução impactante de setores pré-consolidados, os quais, por sua vez, passada a purgação do impacto, se ajustam - por vezes, se utilizam - da nova tecnologia surgida.
A primeira decorrência da inovação é, assim, a resistência - natural, compreensível - e, historicamente, vencível, das concepções conservadoras, formadas no mundo "do passado", ou que "está passando".
O paradigma, aceito, imposto, por costume, ou por cultura, tende a resistir, mas termina cedendo, sempre, ao valor, e à força, desigual, da evidência do melhor meio de solução de obstáculos.
Entrechoques históricos - do disco com o rádio; do cinema com a TV; agora, da TV analógica com as convergentes mídias digitais - foram, e serão, sempre resolvidos à luz da compreensão e da análise da busca humana por novos meios de comunicação.
Setores da sociedade variam, no grau, e níveis, desta resistência, definindo o tempo - nunca a possibilidade - da mudança.
A inovação tecnológica na comunicação não segue o costume; o costume persegue, por vezes de forma sôfrega, a novidade consolidada.
Fixado este ponto, viu-se, recentemente, que São Paulo - o Estado pujante da Federação - tomou a iniciativa de uma primeira
videoconferência: na Justiça.
A arrojada decisão judiciária fez com que um determinado réu fosse interrogado, por um Juiz, à distância, ou, como se diz no jargão tecnológico, remotamente, com do uso de recurso de telecomunicação, especificamente, de uma videoconferência ("ponto-a-ponto").
Na prática, o Juiz, no fórum, o réu, na prisão, estiveram "juntos", ciberneticamente, por alguns momentos e para a finalidade de uma específica "conversa", através de um sistema de telecomunicações que, em tempo real, colocou-os "tête-a-tête" (com uso de telas e câmeras de vídeo).
Foram trocados, naquele histórico evento "ponto-a-ponto", conteúdos informativos de repercussão jurídica: perguntas, respostas, esclarecimentos, dados que trafegaram, de um ponto a outro, por via da tecnologia da informação que o país hoje disponibiliza, não apenas àquela modalidade de aplicação público-oficial, mas ao universo da população, por intermédio de suas prestadoras (operadoras de telecomunicações), conforme regulamento editado pela agência apropriada
(ANATEL).
Pois aquele ato cibernético, do clássico interrogatório do réu - o mesmo interrogatório que os filmes de cinema mostram com grande destaque, e
eloqüência, nos cinematográficos Tribunais americanos - foi concluído, no Brasil, à distância, sem a necessidade de deslocamento físico qualquer (do réu, no presídio, ao fórum; do Juiz, no fórum, ao presídio).
Por isso, a comunidade cibernética, astros todos de um, digamos, ciberespaço brasileiro, se regozijaram e entraram em festa: sinos tocaram, num símbolo de que, talvez, Edison, Marconi, e os outros todos da encantada tecnologia da informação dos séculos passados, estariam conspirando, a esta altura, para que a Justiça brasileira pudesse finalmente por um "pé" no que há de arrojado e avançado da era cibernética.
Juiz e réu interconectados, não mais tête-à-tête"; não mais camburões indignos, de "carregamentos" de presos aos fóruns; não mais o desfilar de detentos e familiares por corredores forenses, no "show" miserável das entranhas sociais; não mais o custo alto-operacional, dos empenhos policiais, em escoltas e transportes; não mais o dispêndio de policiais diários, nas permanências prolongadas em dependências forenses.
Não mais, enfim, o paradigma do passado: agora, o novo paradigma, o do presente!
Eis que surge, então, a resistência - clássica, histórica, natural, compreensível, mas seguramente removível.
Entidades congregadoras de profissionais da área jurídica invocaram, quanto ao vídeointerrogatório de SP, anômalo direito de comparecimento físico do réu ao local sempre-físico de trabalho do Juiz, para objetarem a prática daquele interrogatório por videoconferência.
Querem, em suma, seja vetado o uso do recurso tecnológico da vídeo "ponto-a-ponto" nos serviços da Justiça criminal.
Não querem ver o réu interrogado pelo Juiz à distância, com o tráfego de imagem, som, e texto, de ambos, em tempo real, por sistemas de telecomunicações.
Querem-no, ao réu, disponível nos corredores, nos camburões, nos transportes físicos, no tête-à-tête que a Lei Processual programou através de sua edição da metade do século passado.
Desejam que o recurso comunicativo, para o "encontro" entre Juiz e acusado, continue a ser o mesmo do tempo em que a TV surgia, para o mundo, por embrionária associação com o cinema.
Abandonam, na luta contra a inovação gloriosa, heróica, do Juiz paulista, o arsenal técnico-legal, que permite, por outros meios adicionais, a conferência da segurança na prática do interrogatório, ato, aliás, que constitui um dentre os restantes da instrução do processo judicial-criminal.
Resistem as entidades, pelo valor de seu conjunto, à mudança, na verdade, de um dos vários paradigmas judiciários brasileiros.
Põem, sob enfoque, nesta exortação contrária, um abstrato "direito" do acusado - ao comparecimento exclusivamente físico à sala do Juiz - e abandonam toda a possibilidade de uma crítica séria e essencial ao valor efetivo da tecnologia à economia judiciária.
A crítica científica (jurídica e tecnológica) não está feita, com todo o respeito, no manifesto contrário, que terá sido entregue, pelas entidades, ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
E, por não havê-la, afeiçoa-se à resistência pela resistência, nos melhores moldes das que tantas vezes terminaram vencidas nas lutas conceptivas travadas por antigos e novos parâmetros de comunicação.
A tele ou videconferência, hoje, no Brasil, "dentro" ou fora do conceito internet (WEB) - os próprios "streaming" pela
rede mundial - não estão apenas disponibilizados, por alta capacidade tecnológica, de transmissão (bandas, equipamentos, etc.), ao Brasil oficial.
Estão, já, a efetivo serviço de inúmeras aplicações privadas, amplamente testadas em eficácia e segurança, do que são exemplos as destinadas à telemedicina (cujos valores essenciais envolvidos, com todo o respeito, são mais sensíveis do que o próprio interrogatório do acusado, no processo criminal), e podem ser graduadas, em termos de qualidade e segurança, com recursos tecnológicos apropriados.
Níveis adaptativos da videoconferência -definição da qualidade de imagens, taxas de compactação e de transmissão, redundância do sistema de transmissão, customização de equipamentos - tornam-se associáveis aos instrumentos clássicos, de segurança processual-jurídica, para tornarem factível, e sustentável, sob qualquer ótica (jurídica ou tecnológica), o interrogatório à distância, ou, o
"teleinterrogatório".
País que se lança a trafegar milhões de bits de cidadania, numa imensa rede eletrônica - a Urna Eletrônica e o Voto Eletrônico - como, recentemente, ocorrido em 100% dos pontos de votação brasileiros, e que dispõe de processamento bancário on-line para tráfego de valores (além de serviços de e-banking internacionalmente reconhecidos como dos mais evoluídos e utilizados), não pode acomodar-se diante de resistências paradigmáticas.
Ou elas - as resistências - tomam pé dos alicerces que necessitam editar de modo objetivo, concreto, e convincente, contra este pujante "mundo novo", ou a história se incumbirá de implanta-lo com a mesma repetição inexorável.
A Justiça brasileira precisa de muito. Não se lhe suprima o "algo" que possa elevá-la a melhor e mais econômico instrumento social, nacionalmente proveitoso, e internacionalmente reconhecível.
FERNANDO NETO BOTELHO
(fernandobotelho@terra.com.br):
- é Magistrado de carreira do Estado de Minas Gerais e Desembargador do Tribunal
de Justiça/MG, da 13a. Câmara Cível;
- foi
Juiz de Direito Titular da 4a. Vara de Feitos Tributários do Estado de Minas
Gerais em Belo Horizonte;
- possui MBA - Master Business of Administration em Gestão de Telecomunicações,
pela FGV/Ohio University-USA (2001/2002);
- foi Membro do Comitê de Defesa dos Usuários de Telecomunicações da ANATEL
(mandato 2002/2003);
- é autor do livro "As Telecomunicações e o FUST" (ed. Del Rey - 2001);
- é Membro da ABDI - Associação Brasileira de Direito de Informática e
Telecomunicações;
- foi Diretor de TI da AMAGIS - Associação dos Magistrados de MG;
- é autor de artigos, palestras, e trabalhos doutrinários sobre regulação de
telecomunicações;
- é Membro da Comissão de TI do TJM - Tribunal de Justiça de MG e Coordenador da
Comissão do Processo Eletrônico do TRE-MG;
- é co-autor dos Livros "Direito Tributário das Telecomunicações" (ed. Thomson
IOB-ABETEL, 2.004) e "Direito das Telecomunicações e Tributação" (ed. Quartier
Latin-ABETEL, 2.006).
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