WirelessBR

Michael Stanton

Vint Cerf e a Internet

Autor:  Michael Stanton

O Site WirelessBR é parte integrante da ComUnidade WirelessBrasil

Michael Stanton ( michael@ic.uff.br ) nasceu e viveu na Inglaterra até os 23 anos. Depois de dois anos nos Estados Unidos veio se radicar no Brasil, e mora atualmente no bairro da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Doutor em matemática pela Universidade de Cambridge, desde 1972 se dedica, já no Brasil, ao estudo, ensino e prática da informática e suas aplicações. Seu atual namoro com as redes de comunicação começou em 1986, e ele participou ativamente na montagem no País das redes Bitnet e Internet, tendo participado da coordenação da Rede-Rio e da Rede Nacional de Pesquisa nas suas fases formativas. Depois de longa atuação como professor do Departamento de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, hoje é professor titular de comunicação de dados do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Niterói, RJ, onde coordena o projeto de modernização da infra-estrutura de comunicação desta universidade; é  Diretor de Inovação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP); mantém uma coluna quinzenal no Estadão desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade.


Vint Cerf e a Internet

Vinton G. Cerf ou, simplesmente, Vint é uma pessoa cuja biografia corre em paralelo com a história da Internet. Como pesquisador do projeto ARPANET, publicou em 1974 uma artigo com Bob Kahn que definiu a arquitetura fundamental do que viria a ser a Internet. Neste artigo seminal eles propuseram estruturar grandes redes de computadores como uma coleção de sub-redes menores, onde cada sub-rede usaria uma tecnologia específica para comunicação interna, por exemplo Ethernet ou ATM. O grande pulo dado por Cerf e Kahn era nas interconexões entre as sub-redes, que seriam feitas através de equipamentos hoje conhecidos como roteadores, que têm a função de receber mensagens chegando em uma sub-rede e reenviá-las por outra. São os roteadores que suportam a heterogeneidade das redes, possibilitando a interconexão de sub-redes de tecnologias diversas. Hoje chamamos de inter-rede uma coleção de redes interligadas por roteadores, e a maior de todas é escrita em inglês com letra maiúscula - a Internet. A tecnologia que habilita esta costura é também conhecido pelo nome de um dos seus padrões técnicos - o Internet Protocol, ou IP.

Cerf acompanha até hoje a evolução da sua criança. Depois da Internet virar negócio no início dos anos 1990, tornou-se executivo da MCI, originalmente uma operadora de telefonia de longa distância dos EUA que optou vigorosamente pelo caminho de redes de dados, quando isto ainda não era tão comum. (A MCI também chegou a comprar a Embratel na época da desestatização do setor de telecomunicações nacionais, mas já a vendeu para a Telmex.) Cerf também vem participando ativamente em atividades mais públicas: ajudou a criar e foi presidente da Internet Society (www.isoc.org), uma organização dedicada à cultura e à tecnologia da Internet, e hoje ele é presidente da ICANN, organização civil que supervisiona a infra-estrutura báscia da Internet - seus endereços e nomes de domínios (www.icann.org).

Em reconhecimento das suas contribuições científicas Cerf e Kahn foram nomeados para o prêmio Turing da sociedade profissional, a Association of Computing Machinery (ACM) (www.acm.org). Este prêmio, que honra o matemático inglês, Alan Turing, um dos pioneiros da computação digital, é dado anualmente desde 1965, e é considerado o equivalente para a computação de um prêmio Nobel.

Cerf já esteve algumas vezes no Brasil, mais recentemente como presidente da ICANN, que se reuniu no Rio de Janeiro em 2003. Entretanto sua primeira visita foi a São Paulo em 1975, para demonstrar o uso da ARPANET na USP. Há uma curta descrição desta visita no seu sítio particular em global.mci.com/us/enterprise/insight/cerfs_up/transitions/uncapher, onde ele fala das dificuldades enfrentadas nesse período para estabelecer uma conexão intercontinental de 300 bits por segundo para permitir usar um terminal "teletipo". Esta seguramente deve ter sido a primeira vez que se fez transmissão internacional para um computador a partir do Brasil. A comunidade acadêmica nacional ainda teve que esperar mais 13 anos antes de implantar uma rede de computadores aqui, que pudesse se comunicar com outras redes congêneres no exterior, e mais 3 anos para realizar sua primeira comunicação através da Internet.

Como Cerf se manteve ligado (em todos os sentidos) aos assuntos da Internet, tem uma visão bastante ampla da maneira que ela vem evoluindo para expandir seu alcance. Recentemente esteve numa conferência em Washington sobre conectividade onde falou sobre alguns dos seus pensamentos a respeito das tendências das comunicações no mundo (v. www.isp-planet.com/news/2005/cerf_f2c.html). Neste discurso fez várias considerações interessantes sobre a tecnologia Internet e suas conseqüências.

Uma era a ubiqüidade da Internet, que hoje se estendeu para permitir a integração física de todo tipo de tecnologia de comunicação ao nível das sub-redes componentes. Um exemplo disto é a incorporação na teia mundial da Internet das novas redes que utilizam comunicação sem fio: telefonia celular, WiFi, WiMax e Bluetooth. Desta forma um equipamento que utilize qualquer uma destas tecnologias de comunicação poderá fazer parte da Internet. O outro lado da moeda seria garantir que este equipamento consiga usar todas as possibilidades interessantes para a comunicação que a Internet abre.

Aqui a chave é o padrão de comunicação entre pares (peer to peer, ou P2P), que é diferente da assimetria da relação tradicional cliente-servidor, onde os papéis dos dois computadores são fixos, sendo que um dos dois computadores (sempre o mesmo) pede algum serviço do outro. No P2P os dois computadores em comunicação se tratam como iguais ou pares. Em relações entre pares, qualquer um dos dois computadores poderá servir ou ser servido, ou, juntos, eles podem implementar um serviço simétrico, como é o caso em teleconferências, de voz e de vídeo. O interessante deste tipo de aplicação é a grande liberdade para criação que abre. Entre pares, não há necessidade de seguir padrões existentes, e as novas aplicações poderão explorar criativamente as oportunidades assim abertas. Por exemplo, o Skype (aplicação de telefonia IP - v. a coluna de 30 de novembro de 2003) procura brechas em paredes corta-fogo que admitem passar tráfego WWW, simplesmente usando o mesmo caminho, tornando difícil seu controle por administradores de rede.

Muitas das novas aplicações P2P são hoje usadas para distribuição de conteúdo digital. Entre estas, a mais importante hoje é o Bit Torrent, que já ultrapassou o KaZaA nas preferências dos usuários. Um estudo realizado recentemente em vários países, mencionado por Vint Cerf em seu discurso, mostra que dois terços de todo o tráfego Internet hoje é de aplicações P2P, sendo uma boa parte destas de transmissão de vídeo. Em redes de acesso, a proporção sobe para 80% de todo o tráfego (v. www.isp-planet.com/research/2004/cachelogic_data.html).

Uma característica importante destas novas aplicações P2P, enfatizada por Vint Cerf, é a simetria dos fluxos de dados. Da mesma forma que uma relação P2P é simétrica entre o par de computadores, o volume de tráfego também tende a ser igual nas duas direções, com o volume de dados recebidos sendo parecido com o volume transmitido. Isto ocorre porque cada nó combina as funções de cliente e servidor. Por exemplo, além de receber conteúdo digital, os usuários de Bit Torrent também o distribuem. Isto traz outro desconforto para a tecnologia das redes de acesso hoje usadas. As mais comuns usam ADSL (como Speedy ou Velox) ou sistemas de TV a cabo (como Virtua ou Ajato). Em ambos estes casos, a rede de acesso é assimétrica, supondo-se que o volume de informação entregue ao usuário (download) excede o que ele transmite (upload). Isto simplesmente não vale hoje em dia, por causa das novas aplicações. De certa forma esta tendência casa bem com novas redes de acesso baseadas em canais ópticos, que começam ser usadas em alguns países, e onde a largura de banda é simétrica entre os dois sentidos de transmissão. Isto ainda é distante da nossa realidade atual, mas normalmente não ficamos com muitos anos de atraso comparado com a situação de outros países. É bom que já esteja sendo apontado o caminho da evolução futura!

Vint Cerf já fez muitas contribuições a nossa mundo atual. É bom ver que continua bem ativo e pensante. Que sirva de inspiração para nós outros que laboramos nesta seara.

 

Portal da ComUnidade WirelessBRASIL                    Índice dos Artigos