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Michael Stanton

Urnas eletrônicas aqui e nos EUA

Autor:  Michael Stanton

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Michael Stanton ( michael@ic.uff.br ) nasceu e viveu na Inglaterra até os 23 anos. Depois de dois anos nos Estados Unidos veio se radicar no Brasil, e mora atualmente no bairro da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Doutor em matemática pela Universidade de Cambridge, desde 1972 se dedica, já no Brasil, ao estudo, ensino e prática da informática e suas aplicações. Seu atual namoro com as redes de comunicação começou em 1986, e ele participou ativamente na montagem no País das redes Bitnet e Internet, tendo participado da coordenação da Rede-Rio e da Rede Nacional de Pesquisa nas suas fases formativas. Depois de longa atuação como professor do Departamento de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, hoje é professor titular de comunicação de dados do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Niterói, RJ, onde coordena o projeto de modernização da infra-estrutura de comunicação desta universidade; é  Diretor de Inovação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP); mantém uma coluna quinzenal no Estadão desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade.


Urnas eletrônicas aqui e nos EUA


Passada a primeira reação aos resultados das eleições gerais de outubro passado, onde não houve grandes surpresas, pois as previsões das pesquisas de opinião foram geralmente confirmadas no pleito oficial, é oportuno complementar os comentários feitos neste espaço antes das eleições, e informar um pouco sobre as novidades neste ramo dos EUA.

Já foi apresentada em diversas ocasiões a opinião deste colunista sobre os defeitos das urnas eletrônicas adotadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - que elas não admitem a auditoria de votos através da sua recontagem - e sobre as vantagens da introdução da impressão em papel do voto, como foi realizada em caráter "experimental" nesta última eleição (v. as colunas de 23 e 30 de setembro).

O uso de urnas equipadas com impressoras foi relativamente pequeno, e ainda não foi totalmente avaliado pelos interessados. Relembro que o objetivo da impressão é, primeiro, de permitir que o próprio eleitor realize a auditoria do seu voto pessoal, através do seu próprio escrutínio do voto impresso em papel, que depois de confirmado é recolhido a uma urna lacrada, onde ele poderá ser contada manual ou mecanicamente em caso da necessidade de validar o resultado da totalização dos votos dados por meio eletrônico.

Para a eleição de 2002, o TSE propôs ao Congresso Nacional a realização de um experimento com a impressão do voto, e ele foi conduzido em poucos municípios do país, além do que no Distrito Federal. A maioria das reações registradas veio do uso de impressão de voto em Brasília. O voto em papel requereu do eleitor um passo a mais do que no caso das urnas sem impressora: a impressão do voto e o subseqüente exame pelo eleitor, o que requerem certo tempo. Adicionalmente, o eleitor poderia não concordar com o que veio impresso, e escolher cancelar sua seleção para iniciá-la novamente. Antes da eleição, o TSE já avisava que este tempo adicional poderia causar atrasos na votação, especialmente se o cancelamento e repetição do voto forem feitos com o objetivo de tumultuar a operação da seção eleitoral.

No dia 6 de outubro, houve, de fato, atrasos na votação em Brasília, e alguns foram atribuídos ao uso do voto impresso. Entretanto, houve outras possíveis causas, tais como a mudança de formato do voto para os dois senadores, ou a simples complexidade de uma eleição com tantos candidatos e cargos para preencher. Um colega meu foi presidente de uma seção em Brasília, onde os votos eram impressos em papel, e na sua avaliação, o atraso na votação foi causado principalmente pela complexidade da escolha dos candidatos. Ele observou também que os eleitores pareciam bastante satisfeitos em ver suas escolhas impressas, pois isto dava maior confiança ao processo.

Por outro lado, no dia 28 de outubro, o presidente do TSE, ministro Nelson Jobim, sem ter sido concluído o processo de totalização dos votos, já condenou publicamente a impressão do voto como desnecessária, pois somente iria confirmar os totais gerados eletronicamente. Creio que tenha sido precipitada esta avaliação, pois não me consta que havia sido realizada a contagem dos votos impressos quando ela foi feita. De qualquer forma, se a impressão do voto serve para realizar auditoria do processo de votação (em que eu acredito sinceramente), acabar com ela tão intempestivamente seria tão sensato quanto eliminar a segunda fita de papel das máquinas dos caixas dos bancos ou dos supermercados, que fica com o banco ou loja, e onde são registradas todas as operações realizadas, permitindo identificar (e corrigir) problemas operacionais. Vamos torcer que prevaleçam conselhos mais circunspectos nas futuras discussões no Congresso Nacional sobre este assunto.

Vamos agora passar para os EUA, que acabam de realizar eleições para cargos no congresso nacional e para governadores de vários estados. Nas últimas eleições presidenciais naquele país em 2000, o resultado foi determinado pela votação no estado de Florida, que era (e continua sendo) governado pelo irmão do então candidato, George W. Bush. Naquela eleição foram usadas diversas tecnologias de votação, na sua maioria mecânicas, que dependiam de perfuração de cartões ou de papel pelo eleitor. Por causa da pequena diferença de votos entre os dois candidatos principais, foi solicitada a recontagem dos votos em vários distritos eleitorais, onde era alto o número de votos inválidos, e grande a desconfiança do partido eventualmente perdedor a respeito da lisura do processo. Como deve se lembrar, os pedidos para recontagem manual dos votos foram negados pelo governo do estado, mantidos nos tribunais inferiores e finalmente rejeitados no supremo tribunal dos EUA por 5 votos a 4. Com os votos favoráveis do estado de Florida, Bush se elegeu presidente.

Como conseqüência direta desta eleição confusa de 2000 nos EUA, procurou-se "modernizar" a tecnologia utilizada, e para a eleição de 2002 foram adquiridos muitos sistemas novos, na sua maioria eletrônicos, parecidos com nossas urnas eletrônicas. Tem uma diferença importante entre os dois países: no Brasil, o sistema eleitoral é administrado pela justiça eleitoral, que é federal; nos EUA, o congresso federal legisla normas genéricas, mas os detalhes são de competência estadual e/ou municipal. Portanto, a adoção de determinada tecnologia de votação é uma decisão municipal (estritamente, de condado). Isto significa que já se criou uma indústria de sistemas de votação eletrônica com diversos produtos comercializados, não sendo dois exatamente iguais. A existência desta indústria pode até ser benéfica, pois permite comparar a eficácia de diversas soluções alternativas - o sistema monolítico usado no Brasil estende a todos as características tanto de um sistema bom, como de um defeituoso.

Talvez os mais comuns entre os eletrônicos sejam modelos semelhantes aos nossos, mas, como o número de candidatos por cargo é menor (geralmente apenas um por partido, e há muito poucos partidos lá), é possível mostrar os nomes de todos os candidatos a cada cargo na tela, e o eleitor efetua sua escolha por aperto de botão. Os botões podem ser físicos (ao lado da tela) ou "virtuais", se for usado um terminal sensível ao toque, com possuem as caixas eletrônicas fabricado pela Itautec no Brasil.

A repentina adoção nos EUA desta tecnologia depois das eleições de 2000 agora começa a suscitar dúvidas a respeito da sua confiabilidade. Como alguns dos resultados das últimas eleições divergiam das previsões das pesquisas de opinião, precisam explicar se estavam erradas as pesquisas ou se foram manipulados os resultados das urnas. Foi posta em questão a credibilidade do sistema adotado.

Não se pode dizer que seria inesperado este acontecimento. Como aqui no país, existe nos EUA alguns estudiosos da segurança de sistemas eleitorais que vêm oferecendo suas críticas aos puramente eletrônicos há vários anos, entre estes o pesquisador Peter G. Neumann do SRI (Stanford Research Institute), o consultor de segurança Bruce Schneier e a professora Rebecca Mercuri do Bryn Mawr College. Todos os três estão inequivocamente opostos à adoção de meios puramente eletrônicos para realizar as eleições públicas usadas numa democracia para determinar quem serão os governantes e legisladores, pela impossibilidade de dar garantias sobre o real significado dos resultados.

Rebecca Mercuri talvez seja a maior estudiosa nos EUA da segurança de sistemas de votação eletrônica, tendo defendido em 2000 perante a Universidade de Pennsylvania sua tese de doutoramento sobre este tema. Na tese ela discute as características de sistemas de votação e sua automação, e examina as questões de segurança. Uma das suas conclusões é pela necessidade de incluir na urna eletrônica um mecanismo de auditoria, através da impressão do voto para viabilizar posterior recontagem, do mesmo modo que proposto aqui no país pelo senador Requião, e "experimentado" nas eleições do mês passado. Nos EUA, esta impressão do voto para fins de realizar auditoria já foi chamado de "mecanismo de Mercuri".

Schneier, autor de dois livros, um dos quais já foi o assunto da coluna publicado neste espaço em 23 de outubro de 2000, já se convenceu que as inseguranças de qualquer sistema dependem "do hardware, do software, das redes e das pessoas". Para ele, os sistemas nunca estão totalmente seguros, e o máximo que se pode fazer é investir o suficiente para limitar os riscos corridos.

Peter Neumann publica há anos a coluna "Risks" (riscos) que sai no periódico Communications of the ACM (a ACM é a associação profissional e acadêmica para ciência de computação nos EUA, e é a maior associação do mundo nesta categoria). Sua visão dos riscos enfrentados por quem põe toda sua fé em votação eletrônica foi repetida semana passada numa discussão na Internet:

"A pergunta mais importante que se deve fazer é a seguinte: Quando falamos das urnas eletrônicas usadas nas eleições (nos EUA) este ano, se existe qualquer evidência significativa que o voto que você deu foi contado corretamente -- isto é, evidência que não havia sistemas mal configurados, acidentes, fraude interno, et cetera ? Para quase todos os sistemas existentes (com a exceção solitária de um, feito por Avante, que realmente incorpora o mecanismo de Mercuri), a resposta é um não inequívoco. Esta situação é insustentável se você acredita na integridade das eleições, independentemente da sua afiliação partidária." (A ênfase é do próprio Neumann.)

Voltando ao Brasil para concluir: há dois anos, quando primeiro abordei este assunto neste espaço (v. coluna de 13 de novembro de 2000, o motivo foi para combater a euforia expressa na mídia nacional a respeito das dificuldades das eleições de 2000 dos EUA, quando comparadas com as eleições automatizadas daqui. Esta fase já passou, e a sua passagem foi facilitada muito pelo escândalo do painel do Senado em 2001, onde foi demonstrado cabalmente como os computadores podem enganar as pessoas crédulas. Foi este escândalo que permitiu a aprovação da proposta do senador Requião para incluir o mecanismo de Mercuri em nossas urnas eletrônicas, embora ela tenha sido enfraquecida por iniciativa do TSE. O assunto seguramente voltará à pauta do Congresso Nacional em 2003, pois será necessário aprovar nesse ano as regras para as próximas eleições municipais de 2004. Todo cuidado é pouco, e será importante estender e não retirar o uso de auditoria para garantir a segurança das nossas eleições.

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