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Michael Stanton |
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ENUM: a integração de acesso a serviços em redes |
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Autor: Michael Stanton |
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Michael Stanton ( michael@ic.uff.br ) nasceu e viveu na Inglaterra até os 23 anos. Depois de dois anos nos Estados Unidos veio se radicar no Brasil, e mora atualmente no bairro da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Doutor em matemática pela Universidade de Cambridge, desde 1972 se dedica, já no Brasil, ao estudo, ensino e prática da informática e suas aplicações. Seu atual namoro com as redes de comunicação começou em 1986, e ele participou ativamente na montagem no País das redes Bitnet e Internet, tendo participado da coordenação da Rede-Rio e da Rede Nacional de Pesquisa nas suas fases formativas. Depois de longa atuação como professor do Departamento de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, hoje é professor titular de comunicação de dados do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Niterói, RJ, onde coordena o projeto de modernização da infra-estrutura de comunicação desta universidade; é Diretor de Inovação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP); mantém uma coluna quinzenal no Estadão desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade.
ENUM: a integração de acesso a serviços em redes
Com a explosão do uso de máquinas de facsímile (fax) no início dos anos
90, o que coincidiu no EUA com o início da Internet comercial, não tardou
para alguém descobrir a possibilidade de economizar telefonemas de longa
distância, combinando o uso de correio eletrônico para envio de fax. A
idéia seria de enviar a mensagem via correio até um servidor de fax, de
onde seria reenviada via chamada telefônica local à máquina fax do
destinatário. Isto foi descrito primeiro por Carl Malamud e Marshall Rose
em 1993, e pode ser encontrado, por exemplo em
RFC 1529. Estes
dois montaram uma cooperativa de entidades e pessoas dispostas a operar
servidores fax para suas localidades, que passou a oferecer um serviço
público e gratuito de fax (v. www.tpc.int).
Desde 1995, o serviço é administrado por Darren Nickerson, e hoje atinge
mais de 30 países. No Brasil, servidores operam apenas nas cidades de Rio
de Janeiro, Campinas e Manáus, possivelmente por desconhecimento da
existência deste serviço de outras entidades que pudessem participar da
cooperativa.
Ao que eu saiba, foi esta a primeira aplicação que usava a Internet junto com a rede de telefonia para implementar um serviço. Mais recentemente surgiu a telefonia IP, que estendeu para a Internet alguns padrões de comunicação usadas em telefonia convencional, e que possibilita que duas (ou mais) pessoas conversarem usando transmissão via a Internet, quando pelo menos uma delas está usando um telefone convencional. A tendência é que a comunicação entre as pessoas passe a ter sempre mais opções de se realizar, e já podemos citar correio eletrônico, fax, pager, mensagens instantâneas, telefone IP, telefone celular e telefone fixo. A lista continua crescendo, e envolvendo diferentes redes e sistemas de entrega. Em conseqüência, criou-se um problema sério, o de gerir as informações sobre estas alternativas de acesso. Afinal, um cartão de visitas pode-se tornar pequeno para caber todas as alternativas, e ainda mais não resolve o problema de manter atualizadas as informações.
Uma solução muito interessante apareceu há menos de um ano com a proposta de uma modificação do Domain Name System (DNS), o diretório global de nomes usados na Internet, para incluir nele a capacidade de tradução de nomes DNS para outros nomes, e não apenas para endereços de computadores. O novo objeto guardado em repositórios DNS se chama um NAPTR (Naming Authority Pointer), e ele inclui uma fórmula (algoritmo) usada para fazer esta tradução (v. RFC 2915). Para um dado nome de consulta, poderá haver várias objetos NAPTR, que gerariam diferentes opções para fazer acesso ao recurso remoto, e estas alternativas poderiam incluir serviços alternativos, como telefonia, fax e correio eletrônico. Através deste mecanismo poderíamos associar todas estas diversas formas de acesso a um único nome de referência, desde que este pudesse ser bem definido.
Uma solução possível para este nome de referência é o número de telefone do interessado, que muito bem poderia identificá-lo unicamente. Para permitir criar um nome DNS a partir de um número telefônico, o RFC 2916 propõe a seguinte correspondência: a partir do número internacional do telefone, no formato +55 21 2717 0970, por exemplo, forma-se o nome DNS 0.7.9.0.7.1.7.2.1.2.5.5.e164.arpa. Nesta transformação invertemos a ordem dos dígitos e separamos estes por pontos, acrescentando o sufixo e164.arpa. (E.164 é a recomendação da União Internacional de Telecomunicações (ITU) que define o plano de numeração dos telefones.) Este esquema foi batizado de ENUM, de número eletrônico. A combinação do ENUM com o uso de registros NAPTR permitiria então indicar as diferentes formas de contatar uma pessoa, por exemplo, através de telefonia Internet, correio eletrônico, telefone convencional ou fax, em ordem de preferência, e o sistema de quem deseja realizar a ligação poderá escolher a forma mais apropriada na hora. Em função disto seria necessário anunciar, portanto, apenas um número de contato, o número de telefone, para cada pessoa, e o DNS proveria todas as demais informações.
Este esquema caiu no gosto de muitos, por causa da escala da operação necessária para montar a base de dados do DNS correspondendo ao domínio e164.arpa. Isto já provocou um cabo de guerra entre duas empresas potentes da era moderna, por um lado, a Network Solutions Inc. (NSI), que agora pertence à Verisign Inc, a gigante da certificação digital, e administra os nomes DNS dos domínios .com, .net e .org, e, por outro, a NeuStar Inc., que supervisiona a lista de números telefônicas para América do Norte.
Mais significativo, talvez, seja o súbito interesse da própria ITU pela Internet. Durante muitos anos, a ITU, órgão da ONU que representa os interesses da comunidade de empresas de telecomunicações até recentemente monopólios estatais na maioria de países, defendia fortemente uma alternativa à tecnologia Internet chamada OSI (Open Systems Interconnection). Em muitos países, inclusive no Brasil, a tecnologia OSI chegou a ser decretada como a única solução admissível legalmente para montar redes de computadores, sob o controle do monopólio estatal de telecomunicações. Esta camisa de força acabou sendo rompida pelas vantagens técnicas, administrativas e econômicas da alternativa Internet, que subverteu o esquema OSI, inicialmente na comunidade acadêmica internacional e nas redes corporativas das grandes empresas. A OSI ruiu nos anos 90 com a explosão da Internet comercial. Mais recentemente os interesses tradicionais da ITU têm sido ainda mais pressionados pelo aparecimento da telefonia IP, que poderá transitar na Internet, esculhambando todo o esquema cuidadosamente montado pela ITU para manter controle da telefonia internacional nas mãos das empresas tradicionais de telecomunicações.
A proposta da criação do domínio e164.arpa objetiva estender o DNS para o terreno da ITU, que administra a numeração E.164. Seria, portanto, algo natural que a ITU assumisse a responsabilidade por administrar o novo domínio. Ainda não se sabe exatamente o que isto significa, mas o pessoal da ITU já saiu em campo em defesa deste novo projeto (www.itu.int/infocom/enum). E é um projeto vultoso, porque é de se esperar que o tráfego de consultas a este domínio seja pelo menos tão intenso quanto o tráfego atual do DNS, que passa pelos 12 servidores do domínio raiz. A principal preocupação da ITU é com os níveis mais altos da hierarquia da numeração E.164, que dependerá de servidores continentais, e depois nacionais. Aliás, é explícito que haveria uma administração nacional em cada país para seu quinhão do domínio e164.arpa, e é mais do que claro que esta deveria ser exercida por empresas de telecomunicações. Resta ver quais as conseqüências disto em termos de custo ao consumidor, quando hoje em dia vemos que o Registro.br cobra R$40 por ano para cadastrar um nome DNS convencional. Devemos lembrar também que, enquanto cadastrar um domínio DNS convencional dá o direito de criar outros subdomínios, isto não seria uma alternativa para o cliente final do domínio e164.arpa, por este domínio não ser organizado hierarquicamente para usuários finais (exceto para aquelas organizações que utilizem DDR - discagem direta ao ramal). Dá para entender porque poderia interessar a muitos a existência deste mercado, e seria de esperar que pudesse ser encontrada uma forma de descentralizar seu atendimento e promover concorrência em ofertar o serviço para beneficiar os usuários.
Como cada país terá que resolver este problema individualmente, este será mais um que futuramente cairá no colo tanto do Comitê Gestor Internet, como da Anatel.