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Voz sobre IP : Regulação a caminho - Parte 1 | ||
Rodney de Castro Peixoto (*) |
A comunicação na Internet se
estabelece a partir de um protocolo. O termo deriva do grego
protocollon ( uma folha de papel colada a um manuscrito que descrevia seu
conteúdo ) e em tecnologia da informação a palavra descreve um conjunto de
regras que permite o intercâmbio de informações entre pontos conectados de redes
de comunicações. Os protocolos recebem padronização internacional de acordo com
o seu uso industrial. O conjunto de padrões que permite a entrega de dados entre
dois sistemas conectados à Internet recebe o nome de Internet Protocol -
IP, que juntamente com outro protocolo, o Transmission Control
Protocol - TCP/IP possibilita a "conversa" entre estes mesmos
sistemas.
Em razão do fato da Internet e suas tecnologias sofrerem
indiscutível avanço e evolução nos últimos anos, presenciamos a formulação de
inúmeros usos e possibilidades de usos destes recursos. Uma das possibilidades
mais evidentes abrange as comunicações, fator crucial e estratégico para
o desenvolvimento econômico e humano de qualquer nação.
Neste
particular, a convergência de tecnologias de comunicações e Internet deu-se de
maneira inequívoca e inevitável, e temos hoje atenção voltada à chamada
Telefonia IP, que se traduz na utilização da Internet, por meio de
seus protocolos de comunicação, para estabelecimento de chamadas
telefônicas.
O assunto é de novidade absoluta, o potencial é imenso
e ainda desconhecido. Conectar escritórios remotos da mesma corporação ao redor
do planeta, reduzir significativamente o custo com telefonia, efetuar chamadas
de longa distância a custo local, integrar dispositivos móveis com telefonia
fixa são apenas algumas das vantagens viabilizadas pela Telefonia
IP.
Algumas discussões já tiveram lugar na International
Telecommunications Union, sediada em Genebra, com ausência, entretanto, de
consenso regulatório sobre a matéria.
O presente artigo está sendo
escrito em início de Fevereiro de 2004, e no próximo dia nove será aberta uma
seção da Federal Communications Commission - FCC (1) para
analisar proposta de regulamentação em serviços de telecomunicações baseados na
Internet.
Em paralelo, a FCC irá decidir sobre uma petição da
empresa Pulver.com (2) , cujo teor implica na não
obrigatoriedade de pagamento de taxas de interconexão para empresas de telefonia
por chamadas originadas e recebidas em computadores conectados à
Internet.
Na mesma sorte, a Agência Nacional de Telecomunicações -
ANATEL ainda não se pronunciou especificamente a respeito da oferta de serviços
similares no Brasil. Como vimos repetidamente em questões envolvendo uso da
Internet, a adoção dos serviços antecedeu sua estruturação administrativa e
regulatória em muitas jurisdições.
Trata-se de prestação de serviço
conhecido como VoIP, acrômio de Voice over Internet
Protocol (3), que significa literalmente a entrega de voz sobre o
Protocolo Internet, originalmente formatado para entrega de dados. Este termo é
utilizado para definir o conjunto de configurações que permitem o gerenciamento
da entrega de comunicação de voz com uso do Protocolo
Internet.
Tecnicamente, VoIP vem a ser a entrega da voz
digitalmente em pequenos pacotes de comunicação ao invés dos tradicionais
protocolos de circuitos comutados presentes em sistemas de Public Switched
Telephone Network - PSTN, redes públicas das operadoras de telefonia
outorgadas por órgão competente.
Temos, portanto, três cenários
possíveis para a utilização de serviços VoIP:
1. VoIP puro: a
comunicação se estabelece entre dois sistemas informáticos conectados à
Internet, sem intermédio do PSTN;
2. POTS (4): a comunicação se
estabelece entre um sistema PSTN e outro sistema de VoIP;
3. VoIP
para POTS: O VoIP é utilizado para transportar "segmentos" da chamada telefônica
com uso de PSTN, porém este não finaliza a ligação (
Interconexão).
Neste panorama, concluímos que esta convergência
entre comunicação e computadores influencia sistemas regulatórios de maneira
única, pois há diferenças intrínsecas no conjunto de regras de telecomunicações
e sistemas de informação.
Muitas dúvidas e controversas tem surgido a
partir deste panorama vislumbrado com o surgimento de prestadores de
VoIP.
Nos Estados Unidos, a questão fundamental que se coloca
perante a FCC é a chamada Intercarrier Compensation, vale dizer, a
obrigatoriedade de pagamento de taxas por parte das empresas de Telefonia
IP em favor das Operadoras de telefonia licenciadas de
PSTN.
Já no Brasil, não chegamos ainda especificamente a um
estágio de discussão sobre VoIP, porém temos como herança uma intensa
ingerência estatal ( agora regulatória ) em matéria de telecomunicações, o que
nos leva a pensar que em breve teremos movimentos neste sentido.
Seria o
VoIP passível de taxação equiparada perante operadoras de telefonia
fixa?
Diante do quadro de controvérsia que se instala com o
incremento do VoIP no Brasil, necessário o exame sobre a Lei Geral de
Telecomunicações - LGT, no que tange a definição do escopo de serviços de
telecomunicações:
"Art. 60. Serviço de telecomunicações é o
conjunto de atividades que possibilita a oferta de
telecomunicação.
§ 1° Telecomunicação é
a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou
qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais,
escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza."
Assim, a transmissão, emissão e recepção de sinais e
sons de qualquer natureza implica em serviço de
telecomunicações.
Interessante também verificar o que diz a legislação
norte-americana pertinente à
matéria:
"Telecommunications
- §
The transmission, between or among points specified by the user, of information
of the user´s choosing, without change in the form or content of the information
as sent and received." (5)
"Telecommunications
Service" ("Basic)
- § The offering of
telecommunications for a fee directly to the public, or to such classes of users
as to be effectively available to the public, regardless of facilities used.
(6)
Voltando ao nosso ordenamento jurídico, temos no art. 61 da
LGT:
"Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que
acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não
se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento,
apresentação, movimentação ou recuperação de
informações.
§ 1º Serviço de valor adicionado
não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como
usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e
deveres inerentes a essa condição."
E informação similar no
1996 Act Definitions dos Estados Unidos:
"Information
Service"
("Enhanced")
- § The offering of a
capability for generating, acquiring, storing, transforming, processing,
retrieving, utilizing, or making available information via telecommunications.
(7)
Analisando paralelamente os dispositivos legais
supra citados, verificamos a diferença conferida pelo legislador ao serviço
de telecomunicações perante serviço de informação, o que dirime
dúvidas sobre a zona cinza na qual se encontra os serviços de VoIP.
Em
se tratando de telecomunicações, tanto a lei brasileira como a norte-americana
definem a transmissão de informação como seu fim precípuo caracterizador,
o que não ocorre com serviços de informação, onde atividades como armazenamento,
acesso, apresentação, movimentação e utilização de dados informáticos são
intrínsecas da natureza destes serviços, o que não pode ser confundido com
telecomunicações tão somente. Estes serviços acrescentam utilidades à cadeia de
comunicação, perfazendo com que dois sistemas remotos possam conectar-se, sem
utilização das redes de telefonia públicas.
Com foco nos mandamentos
legais brasileiros, o VoIP não pode ser enquadrado como serviço de
telecomunicações, e sim como serviço de valor adicionado, quando presente
em parte de rede pública de telecomunicações.
Sendo um serviço de
informação, já que se utiliza de protocolos de Internet, o VoIP possui,
em primeiro momento, natureza jurídica de serviço de valor adicionado, pois
"acrescenta utilidades" à comunicação. Corroborando este entendimento,
temos as palavras de Renato Navarro Guerreiro, ex-presidente da Anatel, por
ocasião do Terceiro Fórum Político Mundial de Telecomunicações, no ITU:
(8)
"Por fim, concluo reafirmando que não se deve confundir os
SERVIÇOS INTERNET, enquanto serviços de INFORMAÇÃO e, portanto, de VALOR
ADICIONADO, com o SERVIÇO MULTIMÍDIA, que é um serviço de TELECOMUNICAÇÕES e que
precisa na medida certa, sem exageros ou omissões, ter sua REGULAÇÃO formulada
pelas Adminstrações dos países."
Ainda podemos evidenciar o
fato da atividade econômica no Brasil possuir diretrizes baseadas nos princípios
da livre concorrência, livre iniciativa e repressão ao abuso de poder econômico,
o que obsta qualquer iniciativa de limitação de atividades que possam trazer
benefícios e redução de custos ao usuário final. Onerando-se os serviços VoIP em
face de operadoras de telefonia abre-se caminho para a caracterização de
atividades monopolistas, o que ultrapassa o espectro da regulação das
telecomunicações e insere a matéria em campo contrastante com os ditames
constitucionais. Renato Navarro Guerreiro, na mesma ocasião,
prenota:
"Primeiramente a questão do modelo de prestação de
serviços de telecomunicações nos diversos mercados. Falo, principalmente, das
diversas situações que vão do MONOPÓLIO até a AMPLA COMPETIÇÃO. É evidente que o
uso do Protocolo Internet, nos hoje denominados Serviços Internet, constitui uma
nova ameaça aos mercados monopolistas e atenua-se à medida que esses se tornam
mais competitivos. Portanto uma consequência dessa nova tecnologia é eliminar,
de vez, a crença, o pré-conceito ou ideologia do MONOPÓLIO NATURAL para os
serviços de telecomunicações."
É claro que estamos aqui
discorrendo sobre VoIP em estado puro, vale dizer, o estabelecimento de
conexão entre dois computadores conectados à Internet, com ausência de uma
PSTN neste processo. Os modelos POTS e VoIP para
POTS podem, em determinadas condições, serem passíveis de taxação pelas
operadoras, de acordo com a configuração do Intercarrier e as condições
de contratação de suas redes PSTN. Porém, o prestador de serviços
VoIP nestes casos, recebe o tratamento de usuário de serviços de
telecomunicações.
Resta esclarecido, portanto, que serviços
VoIP tem sua natureza direcionada pelo teor do art. 61 da LGT.
Ressaltamos ainda o parágrafo primeiro do referido artigo, que indica
categoricamente não se confundir com serviços de telecomunicações aqueles
enquadrados como serviços de valor adicionado.
Necessário se faz,
entretanto, o afastamento do excesso de vontade das operadoras de telefonia
pública bem como dos governos inclinados a regular a matéria em limites
estreitos, o que pode acarretar restrição de uso em serviço com imenso potencial
de beneficiar sociedades.
Neste esteio, embasados na lei vigente e
em princípios que informam atividades mercantis, afirmamos que não há que se
falar em obrigatoriedade de cumprimento de taxas às operadoras outorgadas para
explorar redes de telefonia fixa em território brasileiro por parte de
prestadores de serviços VoIP.
Ponto pacífico, o VoIP
é realidade, e a cada dia ganha mais terreno no ambiente corporativo. Outras
questões controversas surgirão, e deverão ser analisadas e dirimidas com uso de
bom senso regulatório pautado pelo fim último de atender à uma das principais
necessidades humanas: comunicação.
[Leia a Parte 2 deste artigo]
(1) Agência
Reguladora das Telecomunicações dos Estados Unidos.
(2) Empresa norte-americana prestadora de serviços de voz
sobre protocolo IP.
(3) Voz sobre Protocolo
Internet.
(4) Plain Old Telephone
System, nomenclatura utilizada em Telefonia IP para evidenciar sistemas
PSTN.
(5) Telecomunicações: A
transmissão, entre ou sobre dois pontos especificados pelo usuário, de
informação de escolha do usuário, sem alterações na forma ou conteúdo da
informação como enviada ou recebida" (1996 Act Definitions). (trad.
Autor)
(6) Serviço de Telecomuniações -
Básico: A oferta de telecomunicações por uma taxa diretamente ao público, ou
àquelas classes de usuários conhecidos efetivamente como público, sem prejuízo
das facilidades utilizadas" (1996 Act Definitions) .(trad.
Autor)
(7) Serviço de Informação -
Avançado: A oferta de uma possibilidade de geração, aquisição, armazenamento,
transformação, processamento, retribuição, utilização ou viabilização de
informação via telecomunicações" ( 1996 Act Definitions).(trad.
Autor)
(8)
http:://www.anatel.gov.br
(*) Rodney de Castro Peixoto (rodney@csalaw.com.br) é advogado
especialista em tecnologia da informação, consultor de empresas de Internet,
autor do livro "O Comércio Eletrônico e os Contratos" Ed. Forense, 2001, e
professor do IPGA - Instituto de Pós-Graduação Avançada .
Seus trabalhos
na área das telecomunicações estão relacionados no website Direito
Digital