WirelessBR

WirelessBr é um site brasileiro, independente, sem vínculos com empresas ou organizações, sem finalidade  comercial,  feito por voluntários, para divulgação de tecnologia em telecomunicações 

Voz sobre IP : Regulação a caminho   -   Parte 2

Rodney de Castro Peixoto  (*)

[Leia a Parte 1 deste artigo]

Esta página contém uma figura grande. Aguarde a carga se a conexão estiver lenta.

A prestação de serviços de entrega de voz com utilização do protocolo Internet é foco de uma intensa movimentação ao redor do globo, pontuada por interesses econômicos e políticos. A batalha é mais intensa nos Estados Unidos, berço do VoIP e principal mercado para os provedores, porém já verificamos movimentações no Canadá e Austrália, e vem da Suécia uma novidade na área que promete revolucionar os serviços de telecomunicações. 

Iniciativas de regulamentação 

Presenciamos, no dia dois de Abril último, uma movimentação de congressistas norte-americanos no sentido de estabelecer regras para os serviços de voz sobre IP naquele país. Batizado de "VoIP Regulatory Freedom Act of 2004"
(1), o Projeto de Lei tramita agora perante as casas legislativas ( House of Representatives e Senate ), foi introduzido pelo Senador John Sununu. 
Eis uma declaração do Senador comentando o Projeto: 

"Unfortunately, some interests would like to impose an outdated and stifling regulatory framework on this service, rather than allow VoIP to continue to expand freely."
(2)

Os principais pontos de discussão previstos no VoIP Regulatory Freedom Act of 2004 são: 

- Section 2.(a). a regulação do VoIP nos EUA é monopólio do Governo Federal norte-americano;

- Section 2.(b). proibição expressa de qualquer Estado ou entidade estadual de emitir lei, padrão, regra, regulação ou outra provisão com força legal sobre aplicações e oferta de serviços VoIP.

- Section 2.(c). a proibição de delegação de poderes de regulação de VoIP por parte da administração federal em favor de qualquer Estado ou subdivisão política. 

- Section 4.(a). previsão da obrigação da chamada "interprovider compensation", um conjunto de parâmetros para compensar a utilização de redes alheias. 

- Section 4.(b). previsão de adoção de mecanismo de contribuição para o Universal Service Fund
(3)

- Section 4.(c).(1).(a).(b). previsão de possibilidade de interceptação das comunicações efetuadas com uso de VoIP pelo governo norte-americano.

- Section 5.(a).(1)(2)(3)(4). escolha de um provedor que represente o segmento de VoIP para a adoção de mecanismos comparáveis ao 911
(4) e outros parâmetros de segurança e utilização dos serviços por portadores de deficiência. 

- Section 7.(a). a vedação de imposição de taxas estaduais ou locais aos serviços VoIP


Contraditório a começar do título, o Projeto de Lei norte-americano insere o VoIP na categoria dos serviços de telecomunicações, com equiparação direta à regulação conferida aos prestadores de telefonia comutada. 

Paralelamente, o Estado da Flórida contribui para o debate com movimentação que impõe taxas aos serviços VoIP e também aos usuários de LANs
(5) que transmitem chamadas de voz. 

Uma legislação pouco conhecida foi promulgada na Flórida em 1985, chamada Florida´s Substitute Communications Law, trazendo a equiparação das obrigações tributárias perante as companhias que fornecem sistemas de comunicação via satélite com as operadoras de telefonia fixa. Em 2001, esta legislação foi revista, tendo seu alcance aumentado. A inclusão de obrigação de recolhimento de taxas semelhantes às percebidas por operadoras de serviço comutado agora se insere no contexto de qualquer serviço de comunicação, através da frase "any system that is used for voice or data that connects multiple users with the use of switching or routing technology"
(6)

Os representantes da Flórida decidirão nos próximos dias esta questão, o que preocupa os provedores de serviços VoIP, pois teme-se que o exemplo seja seguido por outros Estados. A decisão, se admitida, irá conflitar diretamente com o disposto no VoIP Regulatory Freedom Act of 2004


Iniciativas de não regulamentação 


No dia sete de Abril de 2004, alguns grupos representativos de setores da sociedade dos Estados Unidos enviaram uma carta ao diretor da FCC, no sentido de requisitar reforço na posição do órgão sobre a não regulamentação dos serviços VoIP. Dentre os trinta e quatro subscritos está a National Taxpayers Union
(7), demais associações voltadas à redução de impostos, conselhos e entidades ligadas ao Partido Republicano. 

Na contramão das operadoras de telefonia, a Qwest Communications International anunciou que pretende derrubar as tarifas de acesso à sua rede sobre ligações derivadas de aplicações VoIP, aos seus consumidores finais. Mesmo assim, a Qwest entende que o uso corporativo do VoIP continuará a ser taxado ao trafegar por sua rede, ainda que sofrendo diferenças na tarifação de serviços comutados. 

A posição do FCC permanece firme no sentido de que estatutos regulatórios concernentes a serviços de telecomunicações não se estendem ao chamado VoIP puro, por se tratar de um serviço de informação. 
Assim, veremos ainda outros capítulos nesta seara de interesses contrapostos. 

Skype 

O sueco Niklas Zennstrom é um dos co-autores do Kazaa, programa utilizado para compartilhamento de arquivos embasado no conceito de distribuição peer-to-peer
(8) que trouxe grandes preocupações às indústrias fonográfica, cinematógráfica e demais negociadoras de direitos autorais. Após a venda do Kazaa no ano passado, Zennstrom continuou imaginando serviços baseados em peer-to-peer, e recentemente lançou a sua nova iniciativa, batizada de Skype:



Trata-se de um programa que viabiliza o VoIP em redes peer-to-peer, que promete revolucionar o modelo de negócios de comunicações como visto até os dias de hoje. Ao invés de troca de arquivos, desta vez o resultado é a troca de voz. 
A utilização do Skype é por enquanto gratuita, bastando o usuário baixar o programa e instalá-lo para se comunicar com os demais cadastrados no sistema, que já ultrapassam a barreira do milhão e meio. 
Essa convergência entre o VoIP e o peer-to-peer vem sendo foco de atenção redobrada por parte das companhias de telecomunicações, já que está entre os planos da Skype conectar o serviço à rede comutada. 

Panorama nebuloso 

Migram-se os dissabores experimentados na troca de arquivos, com o Kazaa, para operadoras de telefonia, que passam a ter seu até então intocável modelo de negócios ameaçado por uma tecnologia emergente. 

O panorama regulatório do VoIP se encontra em estágio nebuloso. 
No Brasil, a ANATEL continua a exigir a outorga do Serviço de Comunicação Multimídia - SCM para as operações de VoIP, em qualquer modalidade. 
Grandes provedores de serviços, infra-estrutura e aplicações destinam altos investimentos para o desenvolvimento do VoIP, apostando no bom senso regulatório por parte dos órgãos governamentais responsáveis. 

Como única certeza em se tratando de VoIP, neste momento ( primeiro semestre de 2004 ), a adoção da tecnologia é incontestável e só tende a aumentar, e decisões equivocadas podem obstar o potencial benefício em prol da comunicação humana. 


(1) "Lei de Livre Regulação do VoIP de 2004". (Trad. do Autor) 

(2) "Infelizmente, alguns interesses gostariam de impor um quadro regulatório antiquado e reprimido neste serviço, ao invés de permitir que o VoIP continue se expandindo livremente".(Trad. do /autor). 

(3) "Fundo Universal de Serviços", formado por contribuições dirigidas às operadoras de telefonia e com destinação a vários projetos de ordem social, como a construção de escolas públicas.

(4) Serviço de emergência. 

(5) Local Area Network, redes de comunicação locais. 

(6) "qualquer sistema usado para voz ou dados que conecte múltiplos usuários com uso de tecnologias de switch ou roteadores> (Trad. do Autor). 

(7) "Associação Nacional de Contribuintes" (Trad. do Autor). 

(8) "par-a-par, arquivos compartilhados entre os usuários de uma rede"


(*) Rodney de Castro Peixoto (rodney@csalaw.com.br) é advogado especialista em tecnologia da informação, consultor de empresas de Internet, autor do livro "O Comércio Eletrônico e os Contratos" Ed. Forense, 2001, e professor do IPGA - Instituto de Pós-Graduação Avançada .
Seus trabalhos na área das telecomunicações estão relacionados no website Direito Digital 

Home WirelessBR