Durante debate televisivo com o candidato
Geraldo Alckmin, no final do primeiro turno da eleição de 2006, Luiz
Inácio Lula da Silva, referindo-se à questão da informação na
imprensa, na televisão e nos meios eletrônicos, enfatizou a
necessidade de o governo expandir a “democratização dos meios de
comunicação” e, no mesmo diapasão, criar a Lei Geral de Comunicação
Eletrônica, com o objetivo de elaborar dispositivos legais para
“regulamentar e descentralizar a mídia”.
Segundo documento posterior divulgado pelo
PT, a nova lei cuidaria de estabelecer mecanismos para coibir a
“concentração da propriedade e de produção de conteúdos e o equilíbrio
concorrência, garantindo a competitividade, a pluralidade e a
concorrência por qualidade de serviços”. O documento petista -
veiculado na internet sob a intensa cobertura do “dossiêgate” -
afirmava que seria instituído órgão setorial comprometido em fazer o
recadastramento das concessões de rádio e televisão em todo o
território nacional, com o respectivo cancelamento das emissoras que
não estivessem “em conformidade com a lei”. Nos bastidores do poder
circulava que Lula não teria engolido a cobertura da Rede Globo sobre
o escândalo do dossiê, que deu margem, segundo entendimento pessoal, à
votação do segundo turno.
Resultado: reeleito, o ocupante do Palácio
do Planalto criou por força de medida provisória a Secretaria de
Comunicação Social, diretamente ligada à Presidência da República,
cargo para cuja chefia chamou o ex-guerrilheiro e jornalista Franklin
Martins, um dos participantes do grupo que seqüestrou o embaixador
americano Charles B. Elbrick. À frente dessa secretaria, Franklin
Martins partiu para a imediata instalação de uma rede pública de
televisão - a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) -, também criada por
medida provisória, em funcionamento a partir do próximo dia 2 de
dezembro.
Para o cargo de diretora-presidente da EBC
Lula nomeou a jornalista Tereza Cruvinel, ex-integrante da facção
Convergência Socialista (de orientação trotskista) que trabalhou, nos
anos de 1970, pela fundação do PT. E para ficar à frente da
diretoria-geral da empresa foi nomeado o cineasta Orlando Sena, que,
por sua vez, dirigiu a Escuela Internacional de Cine y Televisión de
Cuba, na localidade de San Antonio de los Baños, a 30 km de Havana.
A TV criada por Lula, verdade seja dita,
nasce sob o signo da fortuna. Ela reúne as estruturas da Radiobrás e
da TVE e contará - de início - com cerca 2.600 funcionários, alguns
dos quais contratados sem concurso e admitidos como “temporários”.
Para “aprovar a linha editorial da televisão” foi criado um conselho
curador com 20 membros, 19 dos quais nomeados pelo chefe do Executivo.
No plano financeiro, a EBC contará com R$
350 milhões provenientes do Orçamento da União, que não poderão ser
contingenciados, além de projetado fundo do Ministério da Cultura para
produção audiovisual na ordem de R$ 80 milhões. Melhor: como se pode
valer da publicidade institucional de estatais e empresas privadas e
de patrocínio de projetos que se beneficiam das leis de incentivo à
cultura, a TV pública pretende obter, de início, cerca de R$ 60
milhões do faustoso universo de verbas publicitárias oficiais, sob o
crivo da própria Secretaria de Comunicação Social - e que hoje
ultrapassam a casa do R$ 1,5 bilhão/ano.
Contra tal “desvirtuamento”, e temendo a
inusitada concorrência oficial, integrantes da Associação Brasileira
de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), da Rede Globo, da Record e
do SBT se mobilizam junto a parlamentares para saber até onde vai o
limite do financiamento com a publicidade oficial veiculada na TV de
Lula, visto que não se trata de uma televisão privada. O sr. Daniel
Pimentel, presidente da Abert, espera que, quando da votação da medida
provisória, o Congresso modifique a lei que criou a Empresa Brasil de
Comunicação.
No plano político prevalece uma atitude
crítica: o deputado Paulo Bornhausen (DEM-ST), presidente da Frente
Parlamentar Mista de Radiodifusão, considera, com precisão, que a EBC
representa uma real ameaça à democracia, tendo em vista sua
“inequívoca inspiração chavista”. Já o líder do Democratas, deputado
Onyx Lorenzoni (RS), acha impossível o não-uso político da EBC. “A TV
de Lula pode ser um instrumento poderoso para a tentativa do terceiro
mandato, pois ela não tem independência financeira nem administrativa.
Quem paga é quem manda”, adverte.
Em contraposição às palavras de Lorenzoni,
o ex-deputado Delfim Netto, convidado para integrar o conselho da rede
pública de TV (e um dos empenhados signatários do Ato Institucional nº
5, que estabeleceu censura virulenta da ditadura militar sobre os
meios de comunicação), não acredita que Lula faça uso publicitário da
EBC, mas, como na fábula do sapo e do escorpião, minimiza o problema:
“É óbvio que tem sempre mensagens subliminares implícitas. Algum
resíduo desses vai restar na TV Pública. Mas os conselheiros
escolhidos formam um grande ninho de encrenqueiros.”
De um modo ou de outro, em que pese o
impasse semântico e conceitual entre o que se tem como TV pública ou
estatal, estrategicamente estabelecido, a principal ameaça da Empresa
Brasileira de Comunicação reside no fato de que, nela, a informação se
transforme em mais um instrumento ideológico - subliminar ou não - a
serviço do pensamento único. Não se discute hoje que os objetivos
políticos do PT são de caráter hegemônico, o que vale dizer, numa
linguagem crítica, totalitário. Esperar uma postura isenta de
propósitos revolucionários no manuseio de um veículo de massa como a
televisão, dentro das hostes engajadas do PT, é como esperar que o sol
nasça quadrado. Ou que a democracia tida como “burguesa”
(representativa) venha a se tornar o supremo objetivo da esquerda
internacional.