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Novembro 2008
Índice Geral do
BLOCO
O conteúdo do BLOCO tem
forte vinculação com os debates nos Grupos de Discussão
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WirelessBR.
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17/11/08
• A Justiça e a Videoconferência (1) - Novo
editorial de Alice Ramos + Editorial do Estadão + Outros textos
01.
Iniciamos um novo "Serviço ComUnitário": "A
Justiça e a Videconferência".
O objetivo do "Serviço" é informar e estimular o "compartilhamento" das
opiniões, conhecimentos e experiências dos participantes.
O "Serviço" se completa com o debate do tema.
02.
A motivação deste mensagem pode ser resumida neste recorte de
uma das matérias citadas hoje:
(...) Um mês depois de o Supremo Tribunal Federal ter
declarado inconstitucional a lei estadual paulista que autorizava o
interrogatório de presos e testemunhas por videoconferência, a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a utilização desse sistema em
todo o País. Como o projeto foi aprovado em caráter terminativo, se não houver
recurso dentro de 30 dias, ele será enviado para a Câmara dos Deputados, sem
passar pelo plenário do Senado. (...)
03.
Esta mensagem é uma reciclagem e
atualização de uma anterior, veiculada em 2007.
Uma das decisões do Supremo Tribunal
Federal de maior repercussão, em 2007 (a maior foi o histórico
enquadramento dos 40 "mensaleiros"), foi a da 2a Turma, que
considerou que interrogatório criminal realizado por videoconferência
fere o direito constitucional da ampla defesa.
O ministro Cezar Peluso relatou o caso e
afirmou que "a adoção da videoconferência leva à perda de substância
do próprio fundamento do processo penal" e torna a atividade jurídica
"mecânica e insensível". Segundo ele, o interrogatório é o momento em
que o acusado exerce seu direito de autodefesa.
A tecnologia da videoconferência é uma
realidade e sua utilização pela Justiça interessa a todos.
Reunimos e transcrevemos mais abaixo
vários textos sobre o tema para que o leitor/participante possa formar
sua própria opinião.
04.
Esta coluna se sente revigorada
ao ver a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovar ainda que
“sob certas condições” autorização para o uso da videoconferência
pela justiça. Ainda não é uma grande vitória, mas, após tantas derrotas, e por
tanto tempo encampando a bandeira da videoconferência por entender que ela é
um enorme avanço na nossa justiça tão arcaica, o fato nos mostra que ainda
existe uma luz no fim do túnel.
Foram muitas vezes em que nos
sentimos clamando no deserto e muitos golpes desferidos contra o uso dessa tão
importante tecnologia. Chegamos a pensar em desistir. Afinal, não somos
lobistas de nenhuma empresa e só não desistimos por acreditar que a política
tecnofóbica haveria de ser vencida. Não desistimos também por sentir o clamor
de toda sociedade brasileira que deseja e merece um pouco de tranqüilidade e,
mais, clama pelos seus direitos. E agora? O que podemos esperar da proposta
que segue para a Câmara?
Leiam abaixo:
“Como já relatado, o PLS nº
679, de 2007, permite, sob certas condições, o uso da videoconferência não só
para a realização do interrogatório do réu preso, mas também a tomada de
depoimento da testemunha presa e da testemunha que reside em outra comarca,
tornando desnecessária, neste último caso, a chamada carta precatória”.
“O juiz poderá,
excepcionalmente, realizar o interrogatório por sistema de videoconferência,
desde que a decisão esteja fundamentada sob certos parâmetros”.
Será que esse importante passo dado pelo Senado, por menor que seja e ainda
que “engessado” por ressalvas, poderá antever uma mudança de pensamento do
Supremo Tribunal Federal (SFT) aonde o uso da videoconferência conta com o
apoio de pequena minoria entre seus ministros e das Instituições Jurídicas
Brasileiras de uma forma geral?
A princípio, o uso da tecnologia
teve a defesa solitária do corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson
Dipp que se manifestou publicamente na semana passada dizendo que “...como
meio para obtenção de provas, a videoconferência é essencial para a instrução
do processo penal”. Isso é muito pouco na verdade, mas pelo menos já é
alguma coisa.
Á Câmara caberá a importante
decisão de ratificar ou não o que o Senado aprovou, e esperamos que este fiapo
de esperança não seja ignorado ou deixado ao Deus dará, mas e depois?
Com a palavra, os senhores
deputados federais.
A coluna mais uma vez não
pode se furtar a comentar certos pontos que nos incomodam e as dúvidas que
eles contém:
Ler mais
Aqui estão outros Editoriais da jornalista Alice
Ramos sobre o tema:
Fonte: BLOCO
05.
Transcrevemos mais abaixo este Editorial do Estadão, também publicado
ontem:
06.
Entre os autores das demais matérias transcrita
novamente hoje, estão o nosso participante Desembargador Fernando Botelho,
o Governador José Serra, o jornalista Ethevaldo Siqueira e o
juiz Josemar Dias Cerqueira:
O Estado de S.Paulo
Um mês depois de o Supremo Tribunal Federal ter declarado inconstitucional a
lei estadual paulista que autorizava o interrogatório de presos e testemunhas
por videoconferência, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado
aprovou a utilização desse sistema em todo o País. Como o projeto foi aprovado
em caráter terminativo, se não houver recurso dentro de 30 dias, ele será
enviado para a Câmara dos Deputados, sem passar pelo plenário do Senado.
A decisão do Supremo foi tomada no julgamento de um pedido de habeas-corpus
impetrado por um preso condenado por crime de roubo que havia prestado
depoimento na Justiça estadual por videoconferência. Seu advogado pediu a
anulação da condenação, alegando que a Assembléia Legislativa de São Paulo não
tinha competência legal para votar projetos que alteram a legislação
processual.
O Supremo acolheu o recurso, anulou o julgamento e afirmou que, pela
Constituição, só o Congresso Nacional pode alterar o Código de Processo Penal.
A decisão abriu caminho para que os advogados de 2 mil pessoas já condenadas
pela Justiça paulista e que haviam sido ouvidas pelos juízes em
videoconferência começassem a preparar pedidos de anulação do julgamento de
seus clientes, o que levou o secretário da Administração Penitenciária e o
próprio governador José Serra a afirmarem que isso poria em risco a segurança
pública.
Com a aprovação, no Senado, do projeto que autoriza a videoconferência em todo
o País, o problema está próximo de uma solução que atende a uma antiga
aspiração do Judiciário e do Executivo. Desde a década de 90, juízes,
promotores de Justiça e autoridades carcerárias vêm afirmando que o
deslocamento de réus de alta periculosidade, presos em estabelecimentos penais
de segurança máxima no interior, para depor no fórum criminal da capital, tem
um alto custo para os cofres públicos. Além disso, facções criminosas, como o
Primeiro Comando da Capital, vinham aproveitando o deslocamento para tentar
resgatar cúmplices.
Pelos cálculos da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, a Polícia
Militar é obrigada a manter uma frota de veículos e mais de 2 mil policiais
fortemente armados apenas para fazer a escolta de presos que têm de ser
conduzidos do interior para a capital, e vice-versa, para prestar depoimento
ou participar de audiências. É um efetivo que poderia estar nas ruas
combatendo a criminalidade.
Em média, os gastos com combustível e armamento em cada deslocamento de um
preso comum é de R$ 2,5 mil no Estado de São Paulo. Se é um preso de alta
periculosidade ou pertencente à "tropa de choque" de uma facção criminosa,
esse custo pode se elevar a R$ 20 mil, pois há casos em que eles têm de ser
transportados de avião. Somente no primeiro semestre do ano passado, mais de
78 mil presos foram levados sob forte escolta para prestar depoimento e
comparecer a audiências judiciais em todo o País.
Graças ao avanço da tecnologia de comunicações, o sistema de videoconferência
traz várias vantagens para o funcionamento da Justiça. Além da redução dos
gastos com escoltas e a transferência dos policiais encarregados dessa tarefa
para atividades em que podem ser mais úteis, agiliza-se a instrução dos
processos criminais, fase em que são recolhidas provas e ouvidos réus e
testemunhas. Quanto maior o uso de equipamentos informatizados que permitem a
comunicação virtual em tempo real, mais rapidamente as ações podem ser levadas
a julgamento, o que aumenta a eficiência da Justiça.
As videoconferências são amplamente usadas nos Estados Unidos e na União
Européia, mas aqui no Brasil a adoção do sistema enfrenta a oposição dos
advogados. A alegação é que dificultaria o trabalho da defesa e impediria o
juiz de captar traços psicológicos e reações dos depoentes.
Num mundo cada vez mais informatizado, já era hora de a Justiça brasileira
incorporar o avanço tecnológico, modernizando seus ritos e procedimentos. O
projeto aprovado pela CCJ do Senado é um passo importante nesse sentido.
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Fonte: Terra
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal
(STF) considerou nesta terça-feira que um interrogatório realizado por meio de
videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal
e da ampla defesa. A decisão anulou uma condenação de 14 anos de prisão.
O condenado havia sido julgado pelos crimes de
extorsão mediante seqüestro e roubo. Os ministros do STF julgaram ilegal o
interrogatório, que aconteceu em 2002, ilegal.
O ministro Cezar Peluso relatou o caso e afirmou
que "a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio
fundamento do processo penal" e torna a atividade jurídica "mecânica e
insensível". Segundo ele, o interrogatório é o momento em que o acusado exerce
seu direito de autodefesa.
Ele esclareceu que países como Itália, França e
Espanha utilizam a videoconferência, mas com previsão legal e só em
circunstâncias limitadas e por meio de decisão devidamente fundamentada. Ao
contrário, no Brasil ainda não há lei que regulamente o interrogatório por
videoconferência.
Segundo Peluso, o acusado o juiz não justificou
a necessidade do interrogatório ser realizado por meio de videoconferência.
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Ethevaldo Siqueira
Respeitáveis ministros do Supremo Tribunal
Federal. Antes de mais nada, devo confessar que, como brasileiro, fiquei muito
feliz com o enquadramento dos 40 do mensalão.
Como é bom acreditar que a impunidade vai
acabar, ainda que, lá no fundo, meu coração me diga que, daqui a três anos, a
maioria esmagadora desses 40 réus será absolvida.
Mas meu tema é tecnologia. Aceitar o novo não é
fácil. Assim tem sido ao longo da história. A inovação sempre encontra
resistência dos guardiães do direito, da justiça, da educação, da religião ou
da economia. Digo isso ao referir-me de forma especial à recente decisão da
Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou
inconstitucional a realização de interrogatórios por meio de videoconferência,
no dia 14 do mês passado. Decisão unânime.
Recordando: o STF decidiu que a tomada de
depoimentos por meio de sistemas de áudio e vídeo, sem a presença física do
réu perante o juiz, é inconstitucional, uma vez que fere o direito de ampla
defesa e torna os julgamentos ''''mecânicos e insensíveis''''.
No caso em pauta, o Supremo concedeu habeas
corpus e anulou a condenação de um réu interrogado por meio de
videoconferência, em São Paulo, condenado em primeira instância a 14 anos,
dois meses e 20 dias de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo.
Eis aí uma típica vitória do formalismo
conservador contra o interesse da coletividade. Lembra-me a resistência de
alguns bispos e clérigos - que, felizmente, não prevaleceu - contra as
primeiras edições impressas da Bíblia de Gutenberg, produzidas segundo uma
técnica "fria, metálica, artificial, sem o toque humano e sem a bênção de
Deus".
RESISTÊNCIA
A história tem centenas de exemplos de
preconceito e resistência diante das inovações. Por volta de 1840, alguns
médicos norte-americanos chegaram a condenar as viagens de trem por considerar
"antinaturais e prejudiciais ao ser humano quaisquer deslocamentos a mais de
40 quilômetros por hora, já que o homem não consegue correr a mais de 36
km/hora".
Outro caso clássico da luta do novo contra o
velho, ocorreu em 1925, no Tennessee, Estados Unidos, tendo como personagem
central o professor secundário John T. Scopes, processado num caso de
repercussão internacional, por ensinar a teoria evolucionista de Charles
Darwin. O defensor do professor, Clarence Darrow, foi proibido pelo juiz de
discutir a validade do evolucionismo darwinista. O resultado foi desastroso.
Considerado o maior advogado da época nos Estados Unidos, Darrow desafiou o
promotor, o fundamentalista William Jennings Bryan, a defender a validade da
interpretação bíblica ao pé da letra, criando-lhe os maiores embaraços e
situações ridículas. Mesmo assim, o formalismo obscurantista venceu. O
professor foi condenado a pagar uma multa de US$ 100 - importância maior do
que seu salário de três meses, na época.
No passado, professores de matemática proibiam o
uso da calculadora eletrônica, obrigando seus alunos a fazer cálculos
infindáveis, sob pretexto de que aquelas maquininhas "emburrificavam seus
alunos".
ATRASO
Vejam, senhores ministros, como anda atrasada a
Justiça quanto ao uso de novas tecnologias, como informática ou
telecomunicações. Rejeitar a videoconferência - que em nada prejudica o
direito de defesa dos mais perigosos criminosos, mas protege a população e
economiza milhões - é mais uma decisão terrível na direção oposta ao progresso
e à eficiência dos tribunais brasileiros.
Se vier a prevalecer, a imputada
inconstitucionalidade da videoconferência é dessas decisões que confundem o
povo, reforçando-lhe a impressão de que a defesa dos direitos humanos está
muito mais centrada na integridade e na proteção ao bandido do que em suas
vítimas.
Como entender a insensibilidade de magistrados
diante dos riscos e elevados custos que o Brasil continuará tendo com a
remoção de milhares de presos, muitos deles de alta periculosidade, apenas
para interrogá-los com o rito tradicional?
No sistema de videoconferência implantado e
utilizado pela Justiça criminal paulista, a comunicação entre juiz, promotor,
advogados e depoentes se tem dado em tempo real com a utilização de canais
exclusivos de áudio para que o réu possa conversar em sigilo com seus
defensores.
Com a chegada da TV digital de alta definição e,
em especial, dos moderníssimos sistemas de telepresença, recentemente exibidos
nos Estados Unidos, a videoconferência confere o máximo de fidelidade de
imagem e de realismo aos depoimentos, como se as pessoas estivessem
praticamente frente a frente. Até as menores reações, como a palidez ou a
respiração do depoente, podem ser captadas. Nada, portanto, de mecânico, frio
ou insensível.
Diante da tecnologia, não cabe pavor nem
deslumbramento. Temos que utilizá-la da melhor forma, em benefício do ser
humano e de toda a sociedade.
Meu velho pai dizia: para o formalista o que
vale não é a vacina que imuniza e salva, mas, o atestado, um papelucho que
pode ser falso e mentiroso.
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Em Paulicéia Desvairada, Mário de Andrade afirma
que "ninguém pode se libertar duma só vez das teorias-avós que bebeu". Não é
apenas na literatura que a tradição e o preconceito embaraçam a descoberta do
que é novo, moderno e pode ser muito útil. Na prática jurídica, a tendência a
conservar velhos ritos cria notória dificuldade para se aceitar toda mudança
tecnológica. É este o caso, atualmente, da videoconferência. No passado, a
datilografia e a estenotipia provocaram tanta controvérsia que se considerou
prudente dizer no Código de Processo Penal (de 1940) que a sentença pode ser
datilografada (artigo 388) e, no Código de Processo Civil (de 1973), que o uso
da taquigrafia é lícito (artigo 170). Providência semelhante se justifica a
propósito do interrogatório a distância.
Em nome de princípios constitucionais valiosos -
o devido processo legal e a ampla defesa -, recente decisão da Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal anulou um interrogatório porque fora realizado por
videoconferência, sem que o réu tivesse saído do presídio em que se
encontrava. O velho Código de Processo Penal não regula nem proíbe o uso da
videoconferência, que se difundiu amplamente em São Paulo, com a realização de
2.452 teleaudiências em apenas dois anos, a adesão de muitos juízes e a
aceitação do Superior Tribunal de Justiça. Essa técnica também foi acolhida
num projeto de lei proposto pelo senador Tasso Jereissati, para o qual a
Câmara dos Deputados apresentou um substitutivo e que está pronto para ser
votado, em definitivo, pelo Senado.
Defendo a aprovação desse projeto e não creio
que o método seja contrário à Constituição federal nem aos direitos
fundamentais. É natural que o acusado de um crime queira ser visto e escutado
pelo juiz que irá julgá-lo. Isso integra a própria noção de um processo penal
justo, que só merece essa qualificação quando é disciplinado e percebido como
um diálogo, do qual o réu participa, com o respeito à sua condição humana e a
oportunidade de ser ouvido e, deste modo, influir na decisão que afetará sua
vida. Mas para isso não parece indispensável que o réu e o juiz estejam na
mesma sala. Há muito tempo a tecnologia permite transmitir e receber som e
imagem em tempo real, assegurando a observação de expressões faciais e de voz
de quem participa do interrogatório.
A videoconferência traz para o ambiente judicial
o que o telefone e a internet trouxeram para a convivência humana. Elimina o
espaço e encurta o tempo. Sob fiscalização e acompanhamento do defensor, do
Ministério Público e da sociedade, permite o interrogatório a distância.
Também permite que o processo tenha, sem prejuízo das garantias
constitucionais, uma duração menor, que o juiz multiplique sua capacidade de
trabalho e que o Estado não exponha a sociedade a riscos desnecessários nem
dissipe seus escassos recursos com o transporte de presos.
Não há razão para impedir esse ganho de
eficiência, que tem entre seus defensores tribunais como o nosso Superior
Tribunal de Justiça, a Corte Constitucional da Itália e a Corte Européia dos
Direitos Humanos. Estes dois tribunais já examinaram a validade da
videoconferência para o interrogatório, que é prevista na legislação italiana,
e concluíram que essa técnica garante a ampla defesa e o direito ao processo
justo.
Ao redigir a decisão, um dos grandes juristas
italianos, Giuliano Vassali, argumenta que não tem fundamento a premissa
segundo a qual somente a presença física do acusado no Fórum poderia assegurar
a efetividade do seu direito de autodefesa, princípio que não pode ser
confundido com as modalidades práticas pelas quais se concretiza em cada
processo e cuja realização requer, apenas, que se garanta a participação
pessoal e consciente do réu e meios técnicos que sejam idôneos para alcançar
esse objetivo.
A Corte Européia dos Direitos Humanos recorda
que o uso da videoconferência é previsto no direito internacional, como, por
exemplo, na Convenção da União Européia sobre extradição judiciária em matéria
penal. A videoconferência realizada em São Paulo, com o apoio do Tribunal de
Justiça, conforme procedimento regulado por uma lei do Estado, não torna a
atividade judiciária mecânica e insensível, não sacrifica nem diminui a
defesa.
Como já foi lembrado em decisões do Superior
Tribunal de Justiça, o que muda é a forma de apresentação do acusado, com uma
extensão digital da sala de audiência, que "possibilita o contato visual e
verbal, em tempo real, entre todas as pessoas envolvidas com o processo, quais
sejam, réu, juiz, promotor, defesa, vítima e testemunhas". E tudo isso
garantindo-se que o réu se comunique "com seu advogado através de telefone,
reservadamente", e facultando-se a presença de um defensor "na sala de
audiências e outro no presídio". Ou seja, este é um modo de assegurar a
participação livre e consciente do acusado, por meio de uma tecnologia
moderna, cuja aplicação é cercada de todos os cuidados para garantir que se
expresse com liberdade.
Além disso, o uso da videoconferência torna
possível a filmagem do interrogatório e o seu registro perene num CD-ROM, que
fica arquivado para consulta de todos, inclusive de outros magistrados. Assim,
no julgamento de eventuais recursos, o tribunal pode ver e ouvir exatamente o
que o réu disse e o modo como o fez, o que não acontece na forma tradicional
de documentação do interrogatório. E este é um benefício valioso, pois faculta
a observação direta dessa prova pelo tribunal, o que é melhor do que a mera
leitura de palavras impressas, que são veículos imperfeitos do pensamento e
estão mais expostas a equívocos de interpretação do que a observação atenta do
modo como o interrogatório realmente ocorreu.
José Serra é governador do Estado de São Paulo
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Fonte:
WirelessBR
Videoconferência na Justiça
por Desembargador Fernando Botelho
Desde os primórdios da
civilização, o homem se comunica e, a cada passo, se entretém, revelando traço
marcante de sua própria natureza, com a obsessiva busca do domínio de sons,
imagens, e, finalmente, da escrita.
O disco de vinil marcou o trato dos sons no final do século XIX, como primeira
expressão de mídia de massa, seduzindo usuários e adquirentes da vitrola de
Thomas Edison (de 1877) e do gramofone de Berliner (1882).
O disco foi, no entanto, rapidamente superado pela criatividade de Guglielmo
Marconi e seus famosos sinais de rádio de 1896, sobretudo após a fama que
alcançaram na detecção de pedidos de socorro do "Titanic" (1912).
Depois de quase entrar em colapso, pelo sucesso desta nova indústria do rádio
e da transmissão de sons por radiofreqüência, a do disco de vinil a ela
terminou se adaptando, vendo, no veículo sucessor, eficiente mecanismo de
próprio suporte e de difusão de produtos.
Nascia, ali, no início do século XX, nova base industrial, a da indústria de
discos suportada pela do rádio.
No mundo das imagens, não foi diferente. Edison deu outra contribuição,
criando a Câmera de Cinema (o Hinetoscópio de 1888), que concorreu com o
Biograph e o Vitagraph (em 1900).
Ajustadas, também, estas inovadoras tecnologias, surgia, com elas, nova
indústria, a de imagens em filmes, e a do cinema, com a áurea era dos filmes
de estúdio (à partir de 1919).
Mas, a introdução do tubo iconoscópico de Farnsworth e Zworkin (1923), que
permitiu a criação da câmera de TV, e a dos tubos de imagem e respectivos
receptores, deram nova dimensão à feição de mídia de massa (da TV), que, por
sua vez, e pela imensa escala, abalou a do próprio cinema, cinema que, por sua
vez, passou, à seguir, a compreender a rede que a TV proporcionaria,
associando-se estrategicamente a ela,gerando nova formatação de indústria, a
da produção de filmes para a TV, à partir de meados do século XX.
Foi sempre assim, porque é natural e compreensível que o seja.
Novas tecnologias de informação, transformam-se em objeto natural da obsessão
humana, na busca por solução de obstáculos à comunicação (fatores espaciais,
temporais). E terminam por consolidar solução impactante de setores
pré-consolidados, os quais, por sua vez, passada a purgação do impacto, se
ajustam - por vezes, se utilizam - da nova tecnologia surgida.
A primeira decorrência da inovação é, assim, a resistência - natural,
compreensível - e, historicamente, vencível, das concepções conservadoras,
formadas no mundo "do passado", ou que "está passando".
O paradigma, aceito, imposto, por costume, ou por cultura, tende a resistir,
mas termina cedendo, sempre, ao valor, e à força, desigual, da evidência do
melhor meio de solução de obstáculos.
Entrechoques históricos - do disco com o rádio; do cinema com a TV; agora, da
TV analógica com as convergentes mídias digitais - foram, e serão, sempre
resolvidos à luz da compreensão e da análise da busca humana por novos meios
de comunicação.
Setores da sociedade variam, no grau, e níveis, desta resistência, definindo o
tempo - nunca a possibilidade - da mudança.
A inovação tecnológica na comunicação não segue o costume; o costume persegue,
por vezes de forma sôfrega, a novidade consolidada.
Fixado este ponto, viu-se, recentemente, que São Paulo - o Estado pujante da
Federação - tomou a iniciativa de uma primeira videoconferência: na Justiça.
A arrojada decisão judiciária fez com que um determinado réu fosse
interrogado, por um Juiz, à distância, ou, como se diz no jargão tecnológico,
remotamente, com do uso de recurso de telecomunicação, especificamente, de uma
videoconferência ("ponto-a-ponto").
Na prática, o Juiz, no fórum, o réu, na prisão, estiveram "juntos",
ciberneticamente, por alguns momentos e para a finalidade de uma específica
"conversa", através de um sistema de telecomunicações que, em tempo real,
colocou-os "tête-a-tête" (com uso de telas e câmeras de vídeo).
Foram trocados, naquele histórico evento "ponto-a-ponto", conteúdos
informativos de repercussão jurídica: perguntas, respostas, esclarecimentos,
dados que trafegaram, de um ponto a outro, por via da tecnologia da informação
que o país hoje disponibiliza, não apenas àquela modalidade de aplicação
público-oficial, mas ao universo da população, por intermédio de suas
prestadoras (operadoras de telecomunicações), conforme regulamento editado
pela agência apropriada (ANATEL).
Pois aquele ato cibernético, do clássico interrogatório do réu - o mesmo
interrogatório que os filmes de cinema mostram com grande destaque, e
eloqüência, nos cinematográficos Tribunais americanos - foi concluído, no
Brasil, à distância, sem a necessidade de deslocamento físico qualquer (do
réu, no presídio, ao fórum; do Juiz, no fórum, ao presídio).
Por isso, a comunidade cibernética, astros todos de um, digamos, ciberespaço
brasileiro, se regozijaram e entraram em festa: sinos tocaram, num símbolo de
que, talvez, Edison, Marconi, e os outros todos da encantada tecnologia da
informação dos séculos passados, estariam conspirando, a esta altura, para que
a Justiça brasileira pudesse finalmente por um "pé" no que há de arrojado e
avançado da era cibernética.
Juiz e réu interconectados, não mais tête-à-tête"; não mais camburões
indignos, de "carregamentos" de presos aos fóruns; não mais o desfilar de
detentos e familiares por corredores forenses, no "show" miserável das
entranhas sociais; não mais o custo alto-operacional, dos empenhos policiais,
em escoltas e transportes; não mais o dispêndio de policiais diários, nas
permanências prolongadas em dependências forenses.
Não mais, enfim, o paradigma do passado: agora, o novo paradigma, o do
presente!
Eis que surge, então, a resistência - clássica, histórica, natural,
compreensível, mas seguramente removível.
Entidades congregadoras de profissionais da área jurídica invocaram, quanto ao
vídeointerrogatório de SP, anômalo direito de comparecimento físico do réu ao
local sempre-físico de trabalho do Juiz, para objetarem a prática daquele
interrogatório por videoconferência.
Querem, em suma, seja vetado o uso do recurso tecnológico da vídeo
"ponto-a-ponto" nos serviços da Justiça criminal.
Não querem ver o réu interrogado pelo Juiz à distância, com o tráfego de
imagem, som, e texto, de ambos, em tempo real, por sistemas de
telecomunicações.
Querem-no, ao réu, disponível nos corredores, nos camburões, nos transportes
físicos, no tête-à-tête que a Lei Processual programou através de sua edição
da metade do século passado.
Desejam que o recurso comunicativo, para o "encontro" entre Juiz e acusado,
continue a ser o mesmo do tempo em que a TV surgia, para o mundo, por
embrionária associação com o cinema.
Abandonam, na luta contra a inovação gloriosa, heróica, do Juiz paulista, o
arsenal técnico-legal, que permite, por outros meios adicionais, a conferência
da segurança na prática do interrogatório, ato, aliás, que constitui um dentre
os restantes da instrução do processo judicial-criminal.
Resistem as entidades, pelo valor de seu conjunto, à mudança, na verdade, de
um dos vários paradigmas judiciários brasileiros.
Põem, sob enfoque, nesta exortação contrária, um abstrato "direito" do acusado
- ao comparecimento exclusivamente físico à sala do Juiz - e abandonam toda a
possibilidade de uma crítica séria e essencial ao valor efetivo da tecnologia
à economia judiciária.
A crítica científica (jurídica e tecnológica) não está feita, com todo o
respeito, no manifesto contrário, que terá sido entregue, pelas entidades, ao
Tribunal de Justiça de São Paulo.
E, por não havê-la, afeiçoa-se à resistência pela resistência, nos melhores
moldes das que tantas vezes terminaram vencidas nas lutas conceptivas travadas
por antigos e novos parâmetros de comunicação.
A tele ou videconferência, hoje, no Brasil, "dentro" ou fora do conceito
internet (WEB) - os próprios "streaming" pela rede mundial - não estão apenas
disponibilizados, por alta capacidade tecnológica, de transmissão (bandas,
equipamentos, etc.), ao Brasil oficial.
Estão, já, a efetivo serviço de inúmeras aplicações privadas, amplamente
testadas em eficácia e segurança, do que são exemplos as destinadas à
telemedicina (cujos valores essenciais envolvidos, com todo o respeito, são
mais sensíveis do que o próprio interrogatório do acusado, no processo
criminal), e podem ser graduadas, em termos de qualidade e segurança, com
recursos tecnológicos apropriados.
Níveis adaptativos da videoconferência -definição da qualidade de imagens,
taxas de compactação e de transmissão, redundância do sistema de transmissão,
customização de equipamentos - tornam-se associáveis aos instrumentos
clássicos, de segurança processual-jurídica, para tornarem factível, e
sustentável, sob qualquer ótica (jurídica ou tecnológica), o interrogatório à
distância, ou, o "teleinterrogatório".
País que se lança a trafegar milhões de bits de cidadania, numa imensa rede
eletrônica - a Urna Eletrônica e o Voto Eletrônico - como, recentemente,
ocorrido em 100% dos pontos de votação brasileiros, e que dispõe de
processamento bancário on-line para tráfego de valores (além de serviços de
e-banking internacionalmente reconhecidos como dos mais evoluídos e
utilizados), não pode acomodar-se diante de resistências paradigmáticas.
Ou elas - as resistências - tomam pé dos alicerces que necessitam editar de
modo objetivo, concreto, e convincente, contra este pujante "mundo novo", ou a
história se incumbirá de implanta-lo com a mesma repetição inexorável.
A Justiça brasileira precisa de muito. Não se lhe suprima o "algo" que possa
elevá-la a melhor e mais econômico instrumento social, nacionalmente
proveitoso, e internacionalmente reconhecível.
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O uso da videoconferência, doravante denominada
VC, particularmente como meio para interrogatórios criminais, enseja debates
calorosos. De regra, os magistrados que manifestam desconforto com a
possibilidade são considerados exemplos do caráter conservador do Poder
Judiciário. Entendo, porém, como membro da magistratura nacional, que o que
alguns chamam de conservadorismo retrógrado nada mais é do que preocupação com
direitos que só são realidade pelo sofrimento de várias pessoas ao longo dos
séculos.
Apaixonado por informática, fruto de formação
anterior em Engenheira Elétrica, e com quase quinze anos de experiência
desenvolvendo softwares e implantando tecnologias, evitarei as conhecidas
ressalvas quanto à VC por violações aos Princípios Constitucionais, dentre
eles o da publicidade e do devido processo legal, sem falar das normas
contidas em tratados internacionais, ponderações que endosso totalmente.
O interrogatório por videoconferência, não
colocando ao mesmo tempo, e frente a frente, magistrado, acusador, réu e
defensor, é uma redução dos direitos do réu, cuja implementação interessa
precipuamente ao Estado: "tem cunho predominante de economia de recursos
materiais para superar deficiências outras: falta de magistrados, excesso de
presos, acúmulo de processos." (CERQUEIRA, Josemar Dias e outros. Princípios
Penais Constitucionais. Org. Ricardo A. Schmitt. Pág. 436). A questão é saber
se a redução destes direitos é admissível no ordenamento vigente.
Existem três premissas básicas nesta discussão.
A primeira é que não se pode confundir a comunicação de atos processuais por
meio eletrônico – já autorizadas pela lei 11.419/2006 – com a VC, forma de se
realizar atos a distância. A segunda é que no Processo Penal o interrogatório
interessa predominantemente ao réu, que pode optar em ficar em silêncio ou
não, sendo diretamente afetado pela forma com que este ato é realizado. A
terceira é que não se pode, também, justificar a VC pela possibilidade de
oitiva do réu por carta precatória, já que esta acontece com réu, acusador,
defensor e magistrado – ainda que seja outro – no mesmo recinto.
Estabelecidas estas considerações, imaginado o juiz em um local e o réu em
outro, passemos a algumas questões – dentre muitas outras, reconheço.
Qual será a localização física dos autos,
enquanto a sonhada digitalização não chega? O réu, para consultas sobre o
interrogatório, pode querer conversar com seu patrono, discutir uma
determinada foto, documento ou parte do processo, sanar uma dúvida surgida
naquele dia. Se os autos não estão a seu alcance, conseguirá exercer sua
defesa plenamente? Como buscar orientações de seu defensor, se os autos não
estão acessíveis a pelo menos um deles?
Como o magistrado controlará o ato em sua
plenitude? No ambiente onde ficar, o magistrado percebe perifericamente tudo à
sua volta, de forma simultânea: se alguém acena, se alguém se mexe, se a
pessoa olha para um determinado lado ou se alguém faz sinais. No local onde
estará o réu, o magistrado fica limitado ao que a câmara mostra. Ainda que
possa operar a imagem remotamente – tecnologia mais dispendiosa – verá uma
imagem de cada vez.
A despesa pelo deslocamento do réu deve a ele
ser atribuída? O réu, no momento em que tem sua liberdade restringida fica ao
sabor do Estado. O processo demora? Culpa do Estado. O réu está longe? Culpa
do Estado que o coloca longe. O réu precisa se deslocar toda hora? Culpa do
Estado que não o julga de forma célere. Neste aspecto, aliás, o interrogatório
não pode ser considerado como um simples obstáculo a ser rapidamente superado
até a pena já decidida. Eventualmente, quando se menciona a situação de um
famoso preso do Rio de Janeiro, indo de um Estado a outro, tenho lido a
opinião de políticos criticando tais deslocamentos e que parecem que estão
simplesmente querendo acabar logo com o processo e apresentar uma condenação,
sendo que o deslocamento do réu dificulta tal objetivo.
Porque se associa o uso da VC com a questão da economia? Tratar limitações de
direitos em termos monetários traz arrepios de toda ordem. A abordagem faz os
mais temerosos imaginarem que no futuro alguns defenderão a eliminação de atos
processuais apenas porque implicam em gastos ao erário. Em um cenário em que o
simples acesso de patrono a inquéritos policiais em delegacias necessita,
eventualmente, de manifestação judicial, inclino-me a resistir a qualquer
redução de direitos, por mais insignificante que pareça.
Qual o custo real da implementação da VC em
larga escala? Em um País que não consegue sustentar velocidade de comunicação
de dados em um patamar mínimo de segurança e custo, a VC exige conexões caras
e equipamentos dispendiosos, sujeitos a interrupções freqüentes, sem falar na
utilização concorrente, pois em uma Penitenciária com óbvios inúmeros presos,
é altamente provável que alguns precisem participar de uma VC ao mesmo tempo,
já que respondem a processos em locais diversos. Teremos salas de VC
suficientes?
A questão já divide nossa corte constitucional,
com decisões contra e a favor (HC 88914 e HC 91758).
Modernizar, informatizar, digitalizar os
documentos e substituir o processo físico pelo meio eletrônico são medidas
viáveis e que não restringem direitos e garantias dos envolvidos no processo.
A realização de atos por VC introduz elementos negativos em uma ferramenta de
otimização administrativa. Se lembrarmos que o réu é inocente até prova em
contrário, concluiremos que estamos restringindo a defesa de um inocente e só
porque o Estado não fez sua parte. A questão-fim não é só viabilizar a
conversa entre o réu e o juiz. A dúvida maior não é só se há ou não presença
física e se o juiz precisa estar no mesmo ambiente do réu por ser importante
para a sentença que dará. O significativo aqui é que o interrogatório é um ato
marcante para o réu e que o uso da VC não o beneficia, muito pelo contrário.
Defender que a VC é mais célere e econômica não lhe tira as outras
conseqüências. Ou, como diz o sábio homem do interior, não adianta chamar boi
de borboleta e pedir para voar.
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Uma das decisões do Supremo Tribunal Federal de
maior repercussão, nos últimos meses, foi a da 2a Turma, que considerou que
interrogatório criminal realizado por videoconferência fere o direito
constitucional da ampla defesa. Trata-se de um Hábeas Corpus concedido em
favor de um réu já condenado na primeira instância e no Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, com HC negado pelo STJ.
Ele foi condenado pelo crime de extorsão
mediante seqüestro e roubo. Teria que cumprir pena de 14 anos e dois meses, em
regime fechado. Com a concessão do Habeas Corpus certamente saiu livre, se não
condenado em definitivo por outro delito. Espera-se que, pelo menos por
gratidão às sofisticadas teorias constitucionais, se abstenha, por algum
tempo, de novos roubos e seqüestros. A comunidade, confusa e indefesa,
agradeceria.
O grande perigo social da decisão está no
discutível precedente, que pode mandar para as ruas centenas ou milhares de
assaltantes, já condenados — com robustas provas, como parece ter sido o caso
em exame — mas que foram interrogados sem o tal “contato físico” com o juiz.
Espera-se um dilúvio de Hábeas Corpus invocando o mesmo direito. E não será a
nata da bondade humana que festejará a inesperada liberdade.
Os inimigos da videoconferência — fiquemos
apenas na tese, em abstrato —alegam que é direito do réu comparecer a uma
audiência tendo um juiz de carne e osso à sua frente. Seria sua oportunidade,
como réu, de convencer o juiz quanto à sua inocência. Com seu jeitinho humilde
e simpático, semblante irradiando honestidade, o réu certamente, se
fisicamente presente, “faria a cabeça do juiz”, mostrando que tudo o que
consta do inquérito policial é ilusão de ótica e perseguição policial.
O juiz, obviamente seduzido pelo poder
persuasivo do réu, acreditaria na sinceridade do réu, revelada até no tom de
voz. Em suma, a defesa direta, pessoal, do réu, seria muito mais eficaz que
aquela, técnica, produzida por seu advogado — esse profissional frio,
interesseiro e que não estava no local dos fatos. Sem condições, portanto, de
informar o que realmente aconteceu. “Eu, Excelência, que estava lá, é que
tenho autoridade para dizer o que ocorreu!” — explicaria o réu ao crédulo
juiz.
Argumentam, ainda — os inimigos da
videoconferência — que o Código de Processo Penal, de outubro de 1941, não
prevê esse uso da tecnologia, não havendo também lei federal posterior a
respeito, como seria necessário, vez que cabe à União legislar sobre processo.
Além do mais — acrescentam —, falar frente a uma tela, mesmo vendo a figura do
juiz, produz certa inibição, o que não ocorreria se o “contato” fosse pessoal,
mais “humano” e acolhedor. Isso tudo em mencionar que o “recente” — de 1969 —
Pacto de San José da Costa Rica também assegura ao réu o direito de ser
apresentado ao juiz.
Contra-argumentando, cabe dizer inicialmente que
o interrogatório do réu não tem única finalidade. Não é apenas peça de defesa.
Se assim fosse, poderia o réu confessar seu crime com calma, detalhes e
verossimilhança, sem que essa confissão fosse levada em conta porque,
“afinal’, o interrogatório — concebido apenas como forma de defesa, consoante
a unilateral teoria — não poderia ser desvirtuado, transformando-se em
confissão. Mesmo que o réu, em crise de remorso, chorasse e implorasse ao juiz
para que, por favor, acreditasse na sua culpa, esse raro, milagroso esforço de
sinceridade teria que ser ignorado. Essa teoria que vê no interrogatório
apenas uma manifestação de defesa é obviamente insensata e favorecedora do
crime.
No interrogatório cabe ao réu defender-se, se
quiser. Tolera-se até que minta — não será processado por isso. Ao juiz, por
sua vez, cabe — sem ameaças, mas com psicologia e “jeito” — tentar obter a
verdade, ou um máximo de verdade. Nada faz de errado se conseguir obter uma
confissão. A mesma habilidade deve usar quando ouve a vítima, que pode,
excepcionalmente, ser moralmente pior que o réu. Não pode mentir ao acusado,
dizendo, por exemplo, que o cúmplice já confessou, mas deve perquirir o que
realmente ocorreu. É sua obrigação, se não quiser que a justiça se transforme
num jogo mentiroso, ingênuo e desmoralizado.
A busca da verdade é o objetivo maior de toda
atividade processual, em qualquer país civilizado. Descobrir a realidade para
poder a ela aplicar a legislação pertinente, com os possíveis temperos da
equidade e princípios gerais de direito. Não se alegue que o juiz tem a
obrigação de agir como um funcionário ingênuo, perguntando mecanicamente
detalhes irrelevantes, preocupado em evitar que o réu, mesmo defendendo-se,
acabe revelando o que realmente aconteceu.
Há quem, absurdamente, critique o juiz que faz
bom uso da sua superioridade cultural sobre o réu, geralmente de pouca
escolaridade. Se todo processo visa a busca da verdade, isso ocorre também, e
até com mais razão, na área penal. Os juízes são — pelo menos em tese —,
selecionados pelo critério de competência técnica e capacidade mental. Têm que
usar essa inteligência em toda a instrução processual, inclusive nos
interrogatórios. Se o réu se prejudicar respondendo, paciência. Mesmo porque
poderia silenciar, cabendo ao juiz extrair conclusões pessoais — bem
razoáveis... — sobre o significado desse silêncio. Silêncio, lembre-se,
interpretado em conjunto com outras provas. Com boa informação — inclusive a
fornecida pelo réu, mesmo suspeita — haverá maior possibilidade de decisão
justa, tanto ao réu quanto à vítima e a sociedade.
O interrogatório apenas compõe o conjunto da
prova. E toda prova é relativa. Há até mesmo, sabe-se, confissões falsas, com
réus presos e condenados a “infinitas” penas de prisão que “negociam” sua
confissão com outros presos. Assumem a culpa de um homicídio, por exemplo,
porque nova condenação seria gota d’água em seu balde de condenações. E já que
falei em “conjunto da prova”, tudo indica — não li os autos — que houve prova
de sobra comprovando que o seqüestrador, libertado pelo Habeas Corpus em
exame, cometeu o crime. Não foi condenado por um detalhe relacionado,
estritamente, com a técnica inerente à videoconferência.
Alegam ainda, os inimigos da videoconferência,
que responder a perguntas, frente a um computador, mesmo vendo a fisionomia do
juiz, inibe o réu, o que não ocorreria se o contato fosse pessoal, “olho no
olho”, menos “insensível, mecânico”.
O argumento não convence. Se o juiz tem
expressão naturalmente carrancuda, é antipático, mesmo sendo o interrogatório
realizado à moda tradicional a alegada “inibição” permaneceria. O réu, nesse
caso, preferiria ser “entrevistado” por videoconferência, por um juiz
simpático, cara de bonzinho.
Em suma, a alegada necessidade de um “contato
físico” é ilusão. Réu e juiz nem mesmo se cumprimentam. Não apertam a mão nem
dão tapinhas nas costas. Não confraternizam. Na verdade, tradicionalmente, é
mínima a utilidade do interrogatório. Alguns acusados até trancam-se em
silêncio. O réu “abre-se” se assim quiser, mas isso é raro. Quem realmente
defende o réu é seu advogado. O réu mais atrapalha do que lucra quando se mete
a atentar convencer o juiz, dizendo coisas que não deveria dizer.
É exagero equiparar um interrogatório bem feito,
hábil e sem ameaças, com as velhas técnicas inquisitórias da Inquisição.
Nestas, o acusado de heresia era realmente torturado na “roda”; ou com ferro
em brasa, chicote ou engolindo baldes d’água. Se, graças à sua instrução e
inteligência, o juiz consegue obter a verdade — seja do réu, da vítima, das
testemunhas e do perito — que seja isso festejado, porque a missão do juiz é
buscar a verdade. Repito: as vítimas e a sociedade também merecem respeito.
Outro aspecto relacionado com o interrogatório
refere-se à comunicação entre o réu e seu advogado. O acusado tem todo o
direito de se comunicar com seu advogado, antes do interrogatório, mas não
durante o ato. Afinal, trata-se de um diálogo, não de uma mesa-redonda.
Imagine-se um grande empresário que comparece ao interrogatório acompanhado de
vários advogados, cada um especialista em determinada área do Direito: penal,
tributário, civil, administrativo, previdenciário, etc. A se permitir
comunicação em pleno interrogatório teríamos mais um comício cochichado que um
interrogatório digno desse nome.
No Hábeas Corpus em exame, diz o parecer da
Procuradoria Geral da República que o acusado teve oportunidade de se
comunicar previamente com seu advogado gratuito e estiveram presentes ao ato
dois defensores da Procuradoria da Assistência Judiciária. Conclui-se que a
condenação foi justa, em nada influindo a circunstância do uso da informática.
O único ponto mais forte na decisão concessiva
do HC está no fato de a videoconferência não estar prevista expressamente em
lei federal. Todavia, o Código de Processo Penal data de 1941, quando a
informática engatinhava no hemisfério norte. E é discutível a necessidade de a
legislação processual penal ter que se modificar a cada aperfeiçoamento da
tecnologia, o que ocorre com muita freqüência. Desde que assegurado o
contraditório, o amplo direito de defesa — como foi a condenação em exame —
não há que valorizar demais a ausência de menção expressa, em lei, da
videoconferência.
E ressalte-se que um CD com a visão do
interrogatório, transmitindo as falas do réu e do juiz permitirá aos tribunais
de apelação aquilatar mil vezes melhor a sinceridade do réu. Muito mais que
uma peça datilografada, que pode conter imprecisões. E não se fale em ameaças
não visíveis ao réu porque essas ameaças podem existir antes do
interrogatório, na forma tradicional de se ouvir o réu.
Na verdade, parece-me que a ojeriza maior dos
criminalistas contra a videoconferência está no dissabor profissional de ter
que ir ao presídio onde está o cliente — realmente um grande dissabor — para
assisti-lo durante o interrogatório. Muito mais nisso do que na importância
teórica do fictício “contato físico”, que nunca existiu mesmo.
Todos os ministros do STF são indiscutivelmente
honrados e notoriamente competentes, mas o excesso de trabalhos e atribuições
pode, em tese, propiciar julgamentos menos afinados com o melhor interesse da
justiça e das conveniências práticas, que também são importantes para o país.
Em tese, é possível que a decisão seja revertida pela alta Corte, em seu
conjunto, com alguns ministros revendo sua posição, o que só merecerá elogios.
Será uma demonstração evidente de personalidade e força interior.
Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de
2007
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