WirelessBRASIL

WirelessBrasil  -->  Bloco Tecnologia  -->  Espectro de 2,5 GHz --> Índice de artigos e notícias --> 2009

Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo



Fonte: Teletime - "Revista Teletime - edição Fev 2009"
[15/02/09]  Ouro eletromagnético - por Mariana Mazza e Samuel Possebon

Sempre que o assunto envolve destinação do espectro de frequências, tecnologias e definições regulatórias, o ambiente se torna explosivo.
Isso já aconteceu quando houve, no passado, a discussão sobre a faixa do SMP, que poderia privilegiar o GSM ou o CDMA, dependendo da decisão. E o mesmo vale agora para a definição da faixa de 2,5 GHz, no Brasil utilizada por operadores de MMDS (historicamente um serviço de TV por assinatura por micro-ondas), mas cada vez mais cobiçada para serviços de banda larga por WiMax e, também, pela indústria de telefonia móvel.

Com a banda larga se tornando parte definitiva do negócio de telefonia celular, um problema imediato que se coloca para as operadoras é garantir fôlego para continuar competindo com as outras plataformas. E fôlego, nesse ambiente, se traduz um uma palavra: espectro.

O que pode acontecer quando a base de usuários de Internet pelas redes de telefonia celular passar dos cerca de 1,7 milhão atuais (ou pouco mais de 1% de penetração sobre a base total), segundo dados da Anatel, para percentuais mais expressivos de 8% como os registrados já hoje nos EUA, ou 30%, como os registrados na Europa, segundo dados da GSM Association?
Será que a infraestrutura das operadoras móveis terá capacidade para fazer frente à crescente demanda por mais banda e maiores velocidades de acesso?
A resposta para essa questão é óbvia: não, simplesmente porque existe uma limitação na quantidade de dados que se pode transmitir em uma fatia limitada do espectro.

A melhor alternativa para empresas de telefonia celular é, portanto, ampliar a fatia do espectro em que operam, comportando assim um número maior de usuários e taxas de transmissão mais elevadas. Esse é o horizonte futuro que tem balizado uma parte significativa da disputa por espectro nesse momento.

Não por acaso, o começo de 2009 tem sido marcado por uma forte disputa pelo espectro de 2,5 GHz, com discussões acaloradas entre fornecedores e operadores, e com acirradas disputas de pontos de vista dentro da própria Anatel. A batalha parece ainda estar longe do fim.

Além de parte do negócio dos operadores de MMDS, as frequências de 2,5 GHz são fundamentais para as operadoras móveis no futuro, já que a evolução tecnológica das redes 3G, chamada de LTE (Long Term Evolution), está toda programada para acontecer nesta parcela do espectro. Ou seja, para os operadores de celular, garantir a ocupação da faixa de 2,5 GHz equivale a fazer um seguro para pelo menos os próximos dez anos.

Os fornecedores tradicionais de redes para teles móveis e a GSM Association são mais enfáticos quando alertam para a importância de espectro adicional das operadoras. Mas os operadores, até para não passar recibo de que estejam trabalhando com limitações, expõem menos este problema.
"A necessidade que existe para as operadoras é função da tecnologia que existe para a evolução futura. O LTE precisara de frequências adicionais na faixa de 2,5 GHz. É uma questão da tecnologia, mas não quer dizer que a rede atual esteja limitada", diz Javier Rodriguez, vice-presidente de redes da Vivo.
Já João Cox, da Claro, reconhece que o uso das redes 3G para acesso a dados limitará, em algum momento, a capacidade das redes

Mais espaço
Para Lourenço Coelho, vice-presidente comercial e de marketing da Ericsson, a questão é um pouco mais urgente: "Estamos verificando que existe um grande aumento de tráfego com as redes 3G. Daqui a pouco, com esta ampliação do tráfego de dados, a migração do fixo para o móvel e os serviços de vídeo, vai faltar espectro", diz ele, ressaltando que este espectro que falta precisará vir de algum lugar.
"As operadoras de telefonia celular investiram bilhões, e por isso não podem ficar sem perspectiva de evolução. No caso da tecnologia LTE, são necessários mais 40 MHz por operador. Se no Brasil trabalhamos com um cenário de quatro operadores, serão necessários mais 160 MHz", diz o executivo, que lembra que a faixa de 2,5 GHz está ocupada por um serviço que hoje tem pouco mais de 300 mil assinantes (o MMDS).

No Brasil, segundo a GSM Association, os operadores de celular têm, em média, 80 MHz de banda, contra cerca de 90 MHz em mercados avançados (como Europa e EUA). A associação vem justamente pressionando para garantir, do ponto de vista político, esse espaço adicional futuro no espectro às operadoras móveis, alegando que nos EUA, por exemplo, já existe uma reserva adicional de 300 MHz para as empresas de telefonia celular.

Mas o outro lado do problema também se coloca: se por um lado existem pelo menos quatro grandes operadores de telefonia móvel, com cerca de 150 milhões de usuários, brigando para garantir um futuro tranquilo, por outro dar a eles o espectro pedido poderia criar uma reserva de mercado a estas mesmas quatro empresas, impedindo a entrada de novos concorrentes, que poderiam vir pela tecnologia WiMax.

Pouca gente sabe, mas em 2005 a empresa ClearWire (que depois veio a formar uma joint venture para exploração de WiMax com a Sprint, nos EUA) tentou adquirir a operadora de MMDS ITSA, que opera em cidades como Brasília, Belo Horizonte e Goiânia. Os executivos da empresa vieram ao Brasil, foram à Anatel pedir uma sinalização positiva mas, como não ficaram animados com o que ouviram, desistiram do negócio.
O que a Anatel disse a eles na ocasião foi que não havia certeza se o serviço de MMDS continuaria existindo no futuro e se as frequências continuariam nas mãos dos atuais controladores.

Já naquele momento, havia uma corrente de interpretação dentro da agência que acreditava que o espectro de 2,5 GHz era precioso demais para ficar na mão de alguns operadores de TV por assinatura.
Ricardo Tavares, vice-presidente da GSM Association, disse em entrevista ao TELETIME News em janeiro que no passado o aumento de espectro para as empresas poderia significar uma ameaça à competição, mas hoje todos os países já contam com pelo menos três competidoras. "Hoje há competição na região", diz ele. A GSM Association tem feito um intenso trabalho de lobby em coordenação com os principais fornecedores junto aos 14 mercados emergentes importantes (exceto China), que hoje concentram um terço dos usuários de telefonia celular no mundo, para conseguir espaço para tecnologias de evolução do GSM (HSPA e LTE) nas faixas de 2,1 GHz e 2,5 GHz.

A argumentação dos operadores de MMDS, contudo, é diferente. Eles entendem que pelo fato de o MMDS ter uma regra convergente, desde o princípio pensado para ofertar vários serviços, incluindo TV, ele é uma alternativa inovadora que o país deveria explorar, e não extinguir.
"O fato de termos apenas 300 mil assinantes do serviço não é justificativa para a Anatel acabar com o MMDS. Os investimentos foram feitos, mas boa parte do potencial do MMDS ainda não pôde ser explorado por conta da falta de equipamentos homologados", diz José Luiz Frauendorf, diretor geral da Neotec, associação que representa as empresas que hoje exploram a faixa de 2,5 GHz. A questão da homologação é crítica: quando a Anatel percebeu que haveria a necessidade de repartir o espectro de 2,5 GHz, suspendeu o licenciamento de equipamentos de WiMax na faixa, atrasando o plano das operadoras de MMDS.
Entre estas empresas estão a Telefônica (que adquiriu a operação de MMDS da TVA), a Sky (que está em processo de aquisição das licenças da ITSA) e a Net Serviços, que tem licenças de MMDS em Porto Alegre, Curitiba e Recife.

Investimentos
Em carta encaminhada à Anatel no dia 26 de novembro de 2008, obtida com exclusividade por TELETIME, a Telefônica deixa clara a sua insatisfação com a escolha feita pela Anatel de retardar as homologações de equipamentos de WiMax para a faixa de 2,5 GHz. A empresa informa que, desde que conseguiu autorização da agência para operar MMDS, em julho de 2007, investiu mais de R$ 100 milhões na digitalização dos serviços, programas de expansão comercial e outras ações técnicas voltadas para o aumento do número de assinantes e melhoria na qualidade do serviço. "Até o momento, em razão de não existirem equipamentos homologados para a prestação do serviço através da tecnologia WiMax, continuamos sem a possibilidade de ofertar novos produtos, o que acaba restringindo a competição nos mercados onde atuamos", protesta a operadora.

Coelho, da Ericsson, defende o alinhamento do Brasil às tecnologias que estão sendo adotadas em outros países, sobretudo na Europa, o que significa dizer que o país deve reservar a faixa de 2,5 GHz para a tecnologia LTE. "Já tivemos experiências de trazer para o Brasil tecnologias sem escala e elas acabaram ficando para trás", diz, citando o CDMA e o TDMA. "O WiMax móvel está patinando no mundo todo. Nós vamos insistir nisso", questiona o executivo. A Ericsson é um dos maiores fornecedores mundiais de equipamentos e suas apostas estão todas sobre o LTE, com ênfase no mercado europeu e na imensa base de celulares GSM da Europa, e é natural que esta seja sua abordagem.

Não é o que pensam fornecedores que apostam no WiMax, como Motorola e Intel.
Mas é o que pensam grandes empresas de telefonia celular, como a Claro.
Segundo João Cox, presidente da operadora, o problema central na discussão do futuro da faixa de 2,5 GHz é não deixar o Brasil de fora de um padrão mundial.

Para Frauendorf, da Neotec, é uma falácia falar em alinhamento tecnológico no caso da banda larga. "A realidade brasileira é outra. O WiMax é uma tecnologia de banda larga fixa e, eventualmente, móvel, que foi pensada para outras realidades diferentes da europeia. Por isso que países como Rússia, Índia e diversos países da América Latina têm apostado muito nessa plataforma".

"O que nós achamos é que a Anatel tem que dar total flexibilidade a qualquer operador para explorar serviços em qualquer faixa de frequência", diz Emílio Loures, gerente de novas tecnologias da Intel. "A neutralidade tecnológica é fundamental. A agência já fez isso na faixa de 3,5 GHz, prevendo a mobilidade nesta faixa, e precisa agora fazer o mesmo na faixa de 2,5 GHz";, diz Loures. Ele lembra que existem muitos municípios que não têm nenhum operador na faixa de 2,5 GHz e que precisam ser atendidos.

"O que precisa ficar claro é que em nenhum lugar a UIT ou quem quer que seja disse que a faixa de 2,5 GHz deve ser reservada exclusivamente ao serviço móvel, muito menos aos atuais operadores de serviços móveis", diz Frauendorf.

A regulamentação brasileira sobre a faixa de 2,5 GHz (Resolução 429/2006) prevê o seu uso para o Serviço de Comunicação Multimídia, o que em tese habilitaria qualquer empresa a pleitear frequências para a prestação de serviços de dados. Mas como hoje se trata de uma faixa atrelada ao MMDS, a Anatel precisaria definir, antes, como pretende conduzir a questão de novas outorgas para o serviço de TV paga.
Esse é um dos temas que estão em discussão na agência.

As operações de MMDS existentes hoje (com base nas autorizações expedidas pela agência) cobrem 320 municípios brasileiros, que representam cerca de 25 milhões de domicílios, o que representa um pouco menos da metade do total nacional. Não são 320 outorgas, naturalmente, mas como o raio de cobertura é amplo, uma licença de MMDS pega muitas vezes dezenas de municípios.
Assim, quase 60% do potencial de consumo do país está nessas áreas cobertas pelas licenças de MMDS, que ocupam 100% da faixa que poderia ser utilizada na casa dos 2,5 GHz. Ou seja, quem quiser entrar nesse mercado daqui para frente terá que fazê-lo onde não estão as operadoras de MMDS, ou negociar com elas.

Por esta razão é que uma das discussões mais importantes do ano deve ser a revisão da Resolução 429/2006, quando o futuro da faixa de 2,5 GHz será desenhado.

TELETIME teve acesso a uma das possibilidades desenhadas pela Anatel e que poderia ter sido colocada em consulta pública.
Pelos planos da Anatel, o MMDS operaria em caráter primário na faixa de 2.500 MHz a 2.690 MHz apenas até 31 de dezembro de 2012.
Depois disso, o serviço passaria a ter caráter primário apenas nas subfaixas 2.500 MHz a 2.530 MHz e 2.570 MHz a 2.650 MHz.

Nas subfaixas 2.530 MHz a 2.570 MHz e 2.650 MHz a 2.690 MHz, a operação seria em caráter secundário.

Em sentido oposto, o SMP poderia operar em caráter secundário em toda a faixa até 31 de dezembro de 2012.
Após esta data, o serviço passaria a ser primário nas subfaixas 2.530 MHz a 2.570 MHz e 2.650 MHz a 2.690 MHz, no lugar do MMDS.
E seria mantida a destinação de 110 MHz para o SCM, em caráter primário nas mesmas subfaixas definidas em 2006: 2.500 MHz a 2.530 MHz e 2.570 MHz a 2.650 MHz.
A novidade é que o serviço de telefonia fixa também passaria a ser previsto em caráter secundário na subfaixa 2.500 MHz a 2690 MHz.

Estudo
Mas na última hora, a Anatel mudou os planos. O conselheiro Antônio Bedran avaliou que seria importante promover um estudo mais amplo sobre o uso da faixa de 2,5 GHz, analisando as reais demandas e separando o que é lobby daquilo que é realidade. Não há prazo para que este estudo seja concluído, nem para a publicação da consulta pública que definirá o futuro da faixa de 2,5 GHz.

Da mesma maneira, a Anatel deve dar encaminhamento à renovação das outorgas dos 11 operadores de MMDS cujas licenças vencem em fevereiro desde ano. São as operações de MMDS em São Paulo, Rio, Curitiba e Porto Alegre pertencentes à TVA, as licenças de Goiânia, Belém e Brasília da ITSA, as autorizações da Net Serviços para Recife, Porto Alegre e Curitiba da Net Serviços e a licença da TV Show em Fortaleza.

Com isso, é esperado que estas operadoras consigam a renovação das outorgas por mais 15 anos, o que significará que até 2024 as faixas estarão ocupadas, pelo menos nestas grandes cidades. E com a decisão da Anatel, abre-se o precedente para que todas as dezenas de outorgas de MMDS existentes no país também sejam renovadas. Isso não significa que a agência não possa, com base na observação de que o espectro esteja sendo utilizado de maneira ineficiente, tirar frequências dos operadores de MMDS no futuro.

O que fica claro, contudo, é que a decisão é muito mais complexa do que parece e envolve interesses comerciais dos grandes fornecedores de redes 3G; perspectiva de crescimento e competitividade dos grandes operadores de telefonia móvel; o interesse de empresas que pretendem usar a faixa de 2,5 GHz para o serviço de banda larga por meio de redes WiMax, como a Telefônica; o interesse dos fornecedores de equipamentos para WiMax; e, obviamente, os usuários dos serviços de telecomunicações.

O tema, que já havia sido alvo de comentários do deputado Paulo Bornhausen (DEM/SC), defensor da posição dos operadores de MMDS, deve retornar ao Congresso em 2009.

Também o Tribunal de Contas da União está acompanhando o tema, movido por uma denúncia anônima. O ministro-relator do caso no TCU, Raimundo Carreiro, deixou essa preocupação clara em seu voto. "Diante desse contexto, reveste-se de grande importância qualquer serviço novo a ser oferecido pelos atuais prestadores na faixa de freqüência de 2,5 GHz, bem como a prorrogação das autorizações para uso dessa faixa, situações que exigirão novas licitações e/ou ajustes nos atuais termos relativamente a prazos, valores e condições, a serem estabelecidas pela Anatel conforme o caso", avaliou Carreiro.

São amostras do que deve vir pela frente.
A ainda existem uma série de outras faixas do espectro que devem gerar polêmicas semelhantes

Outras faixas polêmicas
3,5 GHz - Também existe uma disputa para definir se ela será destinada para o SCM com tecnologia WiMax ou se parte dela será destinada ao serviço móvel na tecnologia LTE.

700 MHz - Há pressão para que ela seja utilizada para serviços móveis e para cobertura de áreas remotas, mas hoje está destinada à transição
da TV digital.

800 MHz (hoje ocupadas pela banda A analógica do celular) -
Poderia ser redistribuída, e as sobras nas faixas de 1,9 GHz e 2,1 GHz, pleiteadas para o SMP.

450 MHz - Definida pela UIT como propícia para sistemas móveis em áreas remotas, também é objeto de estudos pela Anatel.