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Leia na Fonte: Teletime
[24/07/19] 
Banda C: o primeiro grande desafio do 5G no Brasil - por Samuel Possebon
Uma vez validados, na próxima semana, os estudos técnicos da Anatel sobre a 
interferência nos serviços de satélite pelas transmissões de bandalarga móvel 
pelas tecnologias IMT 2020 na faixa de 3,5 GHz, a agência estará diante de um 
grande desafio, que envolverá uma grande quantidade de atores e possivelmente 
terá uma solução mais complexa do que foi a limpeza da faixa de700 MHz quando a 
frequência foi vendida para os serviços de 4G, em 2014.
A questão que se coloca é como vender a faixa de 3,5 GHz em 2020, considerada 
essencial para chegada do 5G no Brasil, e ao mesmo tempo minimizar um impacto 
social considerável nos serviços de satélite na banda C que operam em 
frequências próximas. As interferências existem, segundo a análise técnica 
conduzida pela agência (confira aqui o relatório preliminar que ainda será 
discutido pelo Comitê de Espectro e Órbita da Anatel). E a mitigação parece ser 
mais complexa do que a simples instalação de filtros, constataram os testes.
A banda C no Brasil
Para entender a complexidade do problema é preciso entender o que significa o 
uso da banda C pelos serviços de satélite. Segundo dados da Anatel, existem hoje 
11 satélites brasileiros operando em banda C. Eles são assim definidos quando a 
posição orbital está notificada ao Brasil pela UIT e o centro de operação do 
satélite fica no país. Há ainda 26 satélites estrangeiros com autorização para 
atender ao Brasil que também operam na banda C. Todos eles de alguma maneira 
podem ser afetados quando a faixa de 3,5 GHz for utilizada para transmissões de 
banda larga móvel em 5G. Mas a maior parte desta capacidade é dedicada a 
serviços corporativos, onde as antenas costumam ser maiores e onde existe a 
possibilidade de ajustes técnicos individualizados para contornar as eventuais 
interferências.
Mas alguns destes satélites em banda C carregam canais de TV não codificados, 
que podem ser facilmente captados com uma parabólica e um aparelho de recepção 
adequado para a frequência (o chamado serviço de TVRO). O problema maior está no 
satélite StarOne C2 (pertencente à Embratel, do grupo Claro Brasil), localizado 
na posição 70°W, com 28 transponders onde existem pelo menos 20 emissoras de TV 
com sinal aberto transmitindo de forma analógica e mais de 100 canais dedicados 
a emissoras de TV e rádio com sinal digital, mas não codificado, que podem 
portanto ser captados livremente. Entre os sinais analógicos estão todas as 
grandes redes de TV brasileiras (Globo, SBT, Record,Band, Rede TV…). Entre os 
sinais digitais não codificados há canais de interesse público, como TV Câmara, 
TV Senado, TV Brasil e TV Escola, entre outros.
A pesquisa PNAD/IBGE de 2017 aponta que existem cerca de 17milhões de domicílios 
no Brasil (24% do total) recebendo sinais de TV via parabólicas, dos quais cerca 
de 6 milhões captam o sinal exclusivamente por parabólicas, espalhados em todo o 
Brasil. Considerando-se 3,5 habitantes por domicílio (e há parabólicas que 
atendem também a grandes condomínios) tem-se uma ideia do problema social de que 
estamos falando. Apenas a título de comparação, no processo de limpeza da faixa 
de 700 MHz, foram distribuídos cerca de 12 milhões de kits de recepção para a 
população de baixa renda em apenas 1,4 mil das 5,6 mil cidades brasileiras, a um 
custo próximo a R$ 3bilhões.
Não se sabe precisamente quantas destas antenas parabólicas são de banda C nem 
quantas estão apontadas para o StarOne C2, mas presume-se que seja a grande 
maioria, pela relevância do conteúdo disponível no C2. Tampouco se sabe o 
endereço de instalação destas parabólicas, já que elas são livremente compradas 
no mercado e instaladas sem nenhum tipo de controle das emissoras de TV, muito 
menos do Estado.
Migração para a banda Ku
Segundo as análises conduzidas pela Anatel, a instalação de filtros em todas 
estas 17 milhões de antenas não resolveria o problema de interferência 
completamente. O secretário de telecomunicações do Ministério de Ciência, 
Tecnologia, Comunicações e Inovações (MCTIC), Vitor Menezes, declarou nesta 
quarta, 22, que o problema possivelmente só será contornado com a transferência 
dos canais para a banda Ku, faixa do espectro utilizada por vários satélites em 
transmissões de TV e que não sofre interferências das transmissões em 5G.
A razão pela qual o StarOne C2 se tornou o foco de praticamente todas as 
parabólicas é histórica. A posição orbital onde ele se encontra abrigou os 
satélites Brasilsat, da época da Embratel estatal, que atendiam ao mercado de 
TV. Com as emissoras todas já abrigadas naquela posição, a Embratel privatizada 
investiu em manter a posição atendida com satélites adequados para TV. Um 
substituto do StarOne C2 está inclusive em construção: o StarOne D2.
Mais complexo, contudo, é entender o modelo por trás das transmissões abertas de 
TV via satélite, e porque a discussão de viabilização da faixa de 3,5 GHz, mais 
uma vez, envolverá as grandes emissoras de TV, a exemplo do que aconteceu com a 
faixa de 700 MHz. Originalmente, o satélite era utilizado para o envio dos 
sinais das geradoras cabeça de rede para suas afiliadas pelo Brasil. Nos anos 
80, quando estas transmissões começaram a ser feitas pelo Brasilsat, em banda C, 
não havia por parte das emissoras por que se preocupar com a codificação dos 
sinais, pois ninguém tinha como captá-los deforma simples.
Os fabricantes de parabólica e receptores logo perceberam uma oportunidade, já 
que o sinal estava lá, aberto, e a cobertura terrestre das emissoras de TV era 
deficiente em boa parte do território brasileiro. Passaram então a comercializar 
kits de recepção residenciais de banda C, relativamente baratos e simples de 
instalar, capazes de pegar o sinal do satélite em qualquer local do Brasil, e o 
modelo logo se proliferou. Ato contínuo, a audiência das parabólicas tornou-se 
significativa para as emissoras e a tecnologia se tornou uma forma de integrar o 
país, atraindo inclusive outros canais para a posição orbital, alguns deles 
sequer transmitidos de maneira aberta. Outras emissoras locais aproveitaram a 
cobertura nacional do C2 para ampliar sua área de abrangência. A partir daí, 
nenhuma emissora teria mais coragem sequer de digitalizar os seus sinais (o que 
implicaria para o telespectador a necessidade de um novo equipamento), quanto 
mais codificá-lo, mudar de satélite ou cortar as transmissões.
Ambiente sem regras
Mas existe um problema nesse modelo: ele não está previsto em nenhum instrumento 
normativo ou legal. A rigor, não existe radiodifusão via satélite, muito menos 
radiodifusão de cobertura nacional. A concessão de radiodifusão é sempre local, 
outorgada a uma geradora, que pode ou não ter algumas retransmissoras ou ceder 
seus sinais a outras geradoras afiliadas de outras cidades, sempre com 
transmissão terrestre, e obedecendo a limites legais de concentração de 
outorgas.
Já o sinal transmitido pelo satélite é um sinal privado, destinado às afiliadas 
e retransmissoras. Do ponto de vista regulatório, se classifica como um Serviço 
Limitado Privado, mas que por não ter nenhum bloqueio tecnológico, pode ser 
facilmente captado ("interceptado") pelas 17 milhões de parabólicas residenciais 
em banda C.
Existe um único instrumento normativo que um dia tratou das transmissões de TV 
via satélite: trata-se da Portaria 230/1991, editada pela então Secretaria 
Nacional de Comunicações do Ministério da Infraestrutura do governo Collor, e 
assinada pelo secretário Joel Marciano Rauber. A portaria instituiu a Norma 
Geral de Telecomunicações Número 5 (NGT 05/1991). Lá pelas tantas, em seu item 
5.4, a NGT 05/91 dizia que "depende necessariamente de autorização, permissão ou 
concessão a exploração do serviço de radiodifusão via satélite". O problema é 
que serviço de radiodifusão via satélite não é um serviço definido em nenhum 
outro lugar e certamente não está previsto em lei. Há interpretações de que esta 
norma foi revogada com a Resolução 220/2000 da Anatel, e nada entrou no lugar no 
que se refere ao regramento das transmissões de TV via satélite. Mas há quem 
aponte que, por se tratar de radiodifusão, não caberia à Anatel revogá-la. De 
toda forma, não se tem notícia de que em algum momento da história recente o 
ministério, a quem cabe a regulação do mercado de radiodifusão, ou a Anatel, que 
regula o segmento de satélites, tenham cobrado o correto cumprimento da NGT 
05/1991 em relação à obrigação de outorga de radiodifusão como pré-requisito 
para as transmissões via satélite.
Dois desafios
Desta forma, colocam-se dois problemas para qualquer solução que envolva a banda 
C e a faixa de 3,5 GHz. O primeiro é justificar, do ponto de vista de políticas 
públicas, um esforço (inclusive financeiro) para mitigar um problema de um 
serviço que a rigor é privado. O impacto social das milhões de parabólicas 
recebendo sinais de TV na banda C certamente seria um argumento, mas como 
definir o que pode ser feito? Seriam distribuídos kits de recepção de banda Ku 
para população que hoje depende dos sinais da banda C? Quem teria direito a 
receber os kits? As antenas parabólicas serão reapontadas para outros satélites? 
Quais satélites? As emissoras teriam alguma responsabilidade de manter os sinais 
no satélite por quanto tempo e em que condições? Haveria algum processo de 
adequação regulatória destas emissoras por meio de um serviço de radiodifusão 
nacional? Neste caso, haveria algum limite no número de outorgas ou players no 
mercado? A conta desta transição seria paga pelos compradores da faixa de 3,5 
GHz, como aconteceu na faixa de 700MHz? O modelo de uma empresa administradora 
como foi a EAD nos 700 MHz, responsável por operacionalizar as políticas 
públicas de mitigação e limpeza da faixa, seria mantido? São perguntas que 
certamente terão que ser respondidas até o leilão de 5G, com forte impacto na 
modelagem e preço do leilão.
O segundo problema é mercadológico: as emissoras de TV mantêm seus sinais 
abertos na banda C porque têm uma audiência importante, e esta audiência decorre 
do fato de que todas as parabólicas de banda C (ou a maior parte delas) estejam 
apontadas para um único satélite, o StarOne C2, em 70°W. Para migrarem para a 
banda Ku e se manterem juntas na mesma posição, seria necessário haver 
capacidade ociosa, e ao que tudo indica não há lugar para todos no mesmo lugar. 
É como se dezenas de passageiros de um avião precisassem ser reacomodados em 
outros voos. Dificilmente todos seguirão juntos. Como seria feita escolha 
daqueles que seguem juntos e aqueles que seguirão separados? Por quem? Quais 
arranjos serão feitos pelas emissoras neste remanejamento e quais os efeitos 
concorrenciais desta mudança na audiência das redes de TV? Como seriam 
respeitados os limites territoriais das afiliadas locais, por exemplo? Como 
ficaria o consumidor sabendo que dificilmente captará os sinais no mesmo lugar?
As respostas a estes e outros questionamentos certamente precisam ser dadas 
antes do leilão de 5G, previsto para o primeiro semestre de 2020, em um trabalho 
de concertação que caberá à Anatel e ao governo, onde interesses das empresas de 
telecomunicações, radiodifusores, empresas de satélite e de milhões de usuários 
estão em jogo.