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Leia na Fonte: El País
[27/05/19]
O problema não é seu celular Huawei, o problema se chama 5G - por Ramón
Muños e Amanda Mars
A quinta geração da telefonia móvel se transformou na nova arma de destruição em
massa na guerra à China declarada por Trump
Um homem utiliza um celular em uma feira tecnológica na China CHINA STRINGER
NETWORK REUTERS
“O 5G não é uma bomba atômica; é algo que beneficia a sociedade. Não deveríamos
ser o alvo dos Estados Unidos só porque estamos na frente deles no 5G.” Com
estas solenes palavras, Ren Zhengfei, fundador e presidente da Huawei, advertia
ao mundo na semana passada que a quinta geração da telefonia móvel, supostamente
destinada a revolucionar a indústria e o cotidiano dos cidadãos do planeta, não
pode se transformar em uma arma de destruição em massa, como, no seu entender,
pretende a Administração de Donald Trump ao impor restrições à companhia
chinesa.
O veto do Governo norte-americano, primeiro às redes, e agora aos celulares do
fabricante asiático, é uma declaração de guerra que vai muito além das
hostilidades tarifárias. O anúncio do Google de que deixará de dar suporte aos
smartphones da Huawei foi um golpe de efeito mundial. Milhões de usuários se
levantaram na segunda-feira passada sobressaltados ao saberem que seus celulares
poderiam virar uma casca de ovo vazia, porque o Android, sistema operacional com
o qual operam, já não disporiam de atualizações do sistema do Google.
Por mais grave que seja o fato de uma decisão governamental condenar milhões de
aparelhos à obsolescência, isso é só o primeiro aviso do vulcão. A maior
erupção, a definitiva, está por vir sob a sigla 5G. Esta tecnologia não é só um
avanço a mais. Carros autônomos funcionarão graças a essa quinta geração de
celulares, e os robôs industriais poderão processar qualquer ordem em tempo
real, o que os transformará em máquinas eficientes e quase humanas, capazes de
substituir não só operários de uma fábrica, mas também permitir que um cirurgião
opere à distância, por exemplo.
O início da era da invenção
“O 5G marcará o começo do que chamamos de era da invenção. É muito mais profundo
do que o que vimos antes com a adoção do 4G ou qualquer avanço anterior. E não é
um exagero. O 5G e a inteligência artificial significarão bilhões de elementos
conectados, enormes quantidades de dados, e todos eles na nuvem. Mudará a forma
de compartilhar arquivos, as compras on-line e a reprodução de conteúdos”, disse
Cristiano Amon, presidente da Qualcomm, no recente Congresso Mundial do Celular
(MWC19) em Barcelona.
O 5G abrirá caminho para a quarta revolução industrial graças a saltos de
inovação que representam uma mudança tecnológica total. As conexões 5G são 10
vezes mais rápidas que as 4G atuais (embora em laboratórios se alcancem
velocidades 250 vezes maiores). Graças a esse imediatismo, será possível
assistir a conteúdos realidade virtual ou com qualidades inimagináveis, como a
televisão 8K.
Em segundo lugar, multiplica por 100 o número de aparelhos conectados com o
mesmo número de antenas. Resolve assim o problema da cobertura em grandes
aglomerações, como estádios de futebol e shows. Além disso, reduz também a uma
décima parte o consumo de bateria dos dispositivos (alarmes, células ou chips),
o que lhes dá mais autonomia para funcionarem durante anos.
Permitirá a condução autônoma
O maior avanço do 5G, porém, será a redução da latência, o tempo de resposta que
um dispositivo leva para executar uma ordem desde que o sinal é enviado. Quanto
mais baixa for a latência, mais rápida será a reação do aparelho que acionarmos
à distancia. O 5G reduz esse atraso a um milésimo de segundo. Uma reposta tão
instantânea permite que a condução autônoma de veículos seja segura, e também
que sistemas de comunicação, segurança e defesa sejam operados à distância. Por
isso Trump centrou toda a sua artilharia na Huawei, porque ela domina a
construção de redes 5G.
O que está por trás do duelo tecnológico entre os EUA e a China tem a ver com a
enorme preocupação norte-americana em ter a primazia em relação à China na
corrida militar, e o 5G figura no centro dessa inquietação. O Pentágono menciona
isso em um relatório ao Congresso, no qual destaca o desenvolvimento de empresas
como Huawei e ZTE e aponta que o esforço de Pequim para “construir grandes
grupos empresariais que obtenham um rápido domínio do mercado, com um amplo
leque de tecnologias, complementa diretamente os esforços de modernização do
Exército e traz consigo implicações militares sérias”.
Controle dos sistemas de comunicação e defesa
Numa linguagem muito mais contundente, expressava-se o general aposentado James
L. Jones: “A tecnologia 5G da Huawei é a versão século XXI do mitológico Cavalo
de Troia”, advertia num documento de recomendações publicado em fevereiro
passado pelo Atlantic Council, um dos grandes think tanks de Washington.
“Se controlar também a infraestrutura digital do século XXI, a China
intensificará a sua posição para os propósitos de segurança nacional e terá uma
influência coercitiva sobre os EUA e seus aliados, já que essas redes
processarão todo tipo de dados. E a China, obviamente, as usará para realizar
espionagem”, afirmou Jones. “A expansão do 5G chinês ameaçará a
interoperabilidade da OTAN, já que os EUA não poderão integrar sua rede 5G
segura com nenhum elemento dos sistemas chineses.”
O presidente norte-americano acredita que a Huawei pode instalar nas redes uma
camada oculta (conhecida como “porta traseira”), com a qual o Governo chinês
controlará as comunicações do mundo todo, incluindo as do EUA. Na última semana,
a Huawei reiterou diversas vezes que essa informação é falsa, oferecendo a
qualquer autoridade o acesso às suas redes para que possam constatar isso.
Liderança e tecnologia
A Huawei detém 35% do mercado na Europa nas redes de nova geração. Mais de 2.500
patentes relativas ao 5G levam seu nome. A empresa também tem contratos com
cerca de 40 operadoras. Se estas, incluindo as espanholas (Telefónica, Vodafone
e Orange) se unirem ao bloqueio à Huawei, não poderão lançar a tempo uma rede
5G. De fato, a Europa já está atrasada em relação a países como EUA, Japão,
China e Coreia. Somente a Nokia e a Ericsson podem lhe fazer frente nessa
disputa, mas a tecnologia e o posicionamento da empresa chinesa são mais
avançados e baratos.
“Nossas tecnologias 5G estão pelo menos dois anos na frente e serão líderes
mundiais durante muito tempo”, disse na última semana Zhengfei, em declarações
citadas por jornais chineses. “Nossas estações de 5G podem ser instaladas
manualmente. Não é preciso contar com torres e guindastes nem bloquear estradas
para construí-las, já que têm o tamanho de uma maleta. Por isso, é justamente o
departamento do 5G que tem sido alvo dos ataques dos EUA.”
O fundador da Huawei, cuja biografia começa como militar do Exército Vermelho,
tranquilizou o fervor da audiência, pedindo que não se recorra ao nacionalismo
nem ao populismo em resposta ao bloqueio norte-americano.
Resposta da China ao desafio de Trump
A China tem muitas armas tecnológicas e comerciais em seu arsenal para responder
ao desafio. A primeira: é o primeiro investidor mundial em inovação, e sua
retirada dos países ocidentais causaria danos consideráveis. O gigante asiático
também pode cortar o fluxo das exportações dos metais raros, imprescindíveis
para os telefones celulares. Mas, sem dúvida, a opção mais temível é que aplique
os planos de contingência que afirma ter para evitar o isolamento
norte-americano (o plano B mencionado pela Huawei) e desenvolva um sistema
operacional em substituição ao Android, acabando com o quase monopólio do
Google, que tem 85% do mercado.
O plano inclui também o desenvolvimento de seus próprios chips de processamento
e memória, rompendo o cerco imposto por fabricantes como Intel, Qualcomm, Xilinx,
Broadcom, Micron Technology e Western Digital, ou pela britânica ARM. Os
conglomerados industriais chineses como a Huawei teriam que realizar uma longa
travessia pelo deserto, mas no final estariam prontos para destronar gigantes
norte-americanos como Google, Cisco, Microsoft e Qualcomm, cujo domínio hoje
ninguém discute.
Está em jogo algo mais que a desilusão de milhões de usuários da Huawei. O 5G
representará 15% das conexões móveis globais em 2025, chegando a cerca de 30% em
mercados como China e Europa e 50% nos EUA, segundo a GSMA. Nesse ano, a
quantidade de conexões globais da Internet das Coisas vai triplicar, atingindo
25 bilhões. Agora, resta decidir se quem controla essas redes inteligentes e os
dispositivos à distância terá seu escritório em Pequim ou Washington.