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Leia na Fonte: Teletime
[23/12/20]
Banda C: a importância da conciliação com o setor de satélites - por Samuel
Possebon
Um dos grandes desafios que se colocam para a Anatel na definição do edital de
5G é a conciliação de interesses e direitos do setor de satélites com a proposta
da agência de ampliação do espectro para serviços de banda larga móvel em quinta
geração. Na modelagem que vem sendo discutida até aqui pela área técnica da
Anatel, as empresas de satélite que operam na banda C perderiam 75 MHz do
espectro hoje autorizados a elas (entre 3,625 GHz e 3,700 GHz). Entre os três
grandes desafios da modelagem do leilão (restrição a fornecedores e
interferência nas TVROs), este é o menos comentado, mas um dos mais críticos
para as futuras implicações do edital, e ganha ainda mais relevância agora que
as operadoras de telecomunicações sinalizam que querem ajudar a agência a
encaminhar uma futura liberação do espectro até 4,2 GHz para possível uso para o
5G, o que envolverá ainda mais as operadoras de satélites.
Essa é uma questão complexa porque não existe certo e errado. Há argumentos
racionais e razoáveis em todos os lados, e fica nítido que uma conciliação mais
diplomática será necessária. Do lado das empresas de satélite, elas alegam, de
maneira geral, que estão autorizadas pela agência a operar na faixa e que
fizeram investimentos com base na presunção de que permaneceriam com esse
direito. Não são investimentos triviais, são satélites de centenas de milhões de
dólares projetados especificamente para operarem em uma faixa de frequência, e
todo o business plan das empresas é feito em cima da capacidade desses
satélites, com pouca ou nenhuma margem para acomodação sem efeitos reais nos
planos de negócio. Além disso, desde setembro de 2019, com a aprovação da Lei
13.879/2019 (o novo modelo de telecomunicações) essas empresas têm a justa
presunção de que poderiam ter o espectro renovado sucessivas vezes.
A agência, do seu lado, também argumenta corretamente que o espectro é um
patrimônio público e que cabe a ela zelar pelo melhor uso. O espectro, portanto,
não é propriedade de ninguém e faz parte do risco do negócio não mais ser
autorizado para uso de determinadas frequências, se a agência assim julgar
relevante. Essa seria a justificativa para tirar 75 MHz hoje utilizados pelas
empresas de satélite sem a necessidade de maiores indenizações.
Ao longo das várias situações em que a Anatel se deparou com a mesma situação,
ela usou critérios diferentes. Quando precisou liberar a faixa de 2,5 GHz para o
4G, mandou os operadores de MMDS (que de fato já era uma tecnologia moribunda
para TV por assinatura, mas ainda com algum potencial para a banda larga fixa)
para o sacrifício. Quando precisou liberar a faixa de 700 MHz para o 4G, não
economizou esforços para encontrar uma solução para a radiodifusão, o que
implicou em uma das mais bem executadas políticas públicas até aqui. Mesmo na
questão das interferência das TVROs que aparece agora com o 5G, a Anatel
mostra-se inclinada a dar a solução que contemple o interesse da radiodifusão. A
subjetividade do que é de maior interesse público é sempre complicada de ser
medida, e por isso é preciso confiar no bom senso do regulador.
Por isso é essencial entender o que é o setor de satélites. Não estamos falando
de uma tecnologia moribunda, como era o MMDS, ou de um setor que fica sentado em
cima da faixa para futura venda ou arrendamento, como fazem alguns
radiodifusores. As empresas de satélite são parte importantíssima do mercado e
da história das telecomunicações e da radiodifusão. Muito antes da disseminação
das redes de fibra, os serviços via satélite conectavam empresas e emissoras em
todo o país. Os serviços corporativos não seriam o que são hoje se não tivessem
utilizado as redes de satélite. Para a radiodifusão chegar a praticamente 100%
do território nacional, mesmo com a tecnologia terrestre, ela depende da banda C
dos satélites e da confiabilidade dos serviços. Em muitos lugares do país, só
existem serviços de telecomunicações porque há satélite. É um setor extremamente
competitivo, com quase uma dezena de players relevantes, intensivo em tecnologia
e investimentos e com perspectivas reais de inovação com satélites de cada vez
maior capacidade, constelações de órbita média e baixa para banda larga,
lançadores reutilizáveis entre outras. A banda Ka já começa a ter peso no
mercado de banda larga brasileiro, a banda Ku é essencial para a comunicação de
dados e ajuda a levar metade do mercado de TV por assinatura onde não há redes
de cabo, e a banda C é largamente utilizada em vários segmentos empresariais e
no atendimento a governos pela sua confiabilidade e abrangência. É um setor
muito tradicional, mas está longe de ser velho ou desimportante.
Em recente entrevista, o presidente da FCC norte-americana, Ajit Pai, reconheceu
a importância de chegar a uma conciliação com as empresas de satélite para que
aquele país pudesse levar adiante o seu plano de liderar a evolução do 5G. Ele
relata na entrevista que simplesmente não havia espectro intermediário
disponível para o 5G, e que era essencial liberar as frequências de 3,7 GHz a
4,2 GHz para a banda larga móvel. Foi feito um esforço de transição em que a FCC
manteve o controle das frequências (em lugar de liberar um processo de venda
direta no mercado) e fez um novo leilão, pagando uma indenização de US$ 9,7
bilhões às empresas de satélite (inclusive a StarOne, brasileira). Em troca,
liberou o espectro e conseguiu de várias delas que priorizassem investimentos em
fabricantes de satélites e foguetes norte-americanos para os novos artefatos que
iriam operar em outras frequências. Na entrevista, Pai destaca que seria
bastante interessante se outros países seguissem o mesmo caminho, o que
permitiria harmonizar o uso da faixa até 4,2 GHz para o 5G.
No Brasil, as empresas de satélite estimaram a compensação em cerca de R$ 750
milhões, o que a Anatel naturalmente questiona (afinal, esse dinheiro sairá dos
investimentos em redes 5G), e o pleito das empresas de satélite não está, até
aqui, contemplado nas minutas do edital. Também ai percebe-se que ainda há pouca
sintonia entre a agência e as empresas de satélite. Existe uma diferença
significa no dimensionamento da quantidade estações de banda C para uso
profissional. O setor fala em 33 mil, a Anatel reconhece um décimo disso. A
agência não reconhece investimentos feitos como algo passível de ressarcimento,
pois era parte do uso do negócio o risco de não mais poder operar nas faixas, e
também entende que não existe direito adquirido ao uso da faixa. A postura da
Anatel não é errada, mas é conflituosa com os argumentos do setor de satélites,
que no mais reclama pouco espaço para diálogo ao longo desse complicado ano de
2020, quando o problema se colocou.
O impasse no horizonte é que um conflito agora compromete ainda mais a
possibilidade de diálogo para uma eventual liberação mais ampla do espectro de
banda C, até a faixa de 4,2 GHz, como quer a agência e como também estão agora
sinalizando as teles. Até lá, caberá à agência achar um caminho de contornar o
impasse sobre a faixa de 3,625 GHz e 3,700 GHz para o edital definitivo do 5G de
2021. Os caminhos são a imposição de um prato feito, a negociação diplomática ou
simplesmente deixar essa faixa de fora do edital, e fazer um leilão de 5G com
320 MHz na faixa de 3,5 GHz. Mas as pontes queimadas (ou construídas) agora
certamente serão necessárias em uma futura licitação da faixa de banda C.