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Leia na Fonte: Monitor Digital
[15/01/20]
Telefonia 5G: Brasil tem a ganhar com a multilateralidade - por Por Vladimir
de Paula Brito. (Parte 04)
Se em relação à coleta de informações se perceberá, com a tecnologia 5G, um
aprofundamento do que já acontece, no tocante ao uso de ciberarmas seu emprego e
sua eficácia sofrerão uma revolução a partir de uma corrida armamentista entre
de potências, o que já vem acontecendo no presente.
Enquanto as redes digitais atualmente se limitam a afetar principalmente a
dimensão cognitiva da vida, informando, registrando e assessorando, os danos
causados por sua sabotagem podem ser graves, mas ainda não causam mortes
diretamente.
Um sistema financeiro inoperante, o correio eletrônico offline ou um sistema de
reservas de passagem sem funcionamento representam transtornos e grandes
prejuízos financeiros e sociais, todavia não ameaçam diretamente a existência
humana.
Por outro lado, automóveis e aeronaves não tripulados, geradores de energia
automatizados, linhas de produção robóticas e fábricas autônomas são processos
físicos que, ao passarem a ser geridos integralmente por algoritmos balizados em
redes de informação, podem afetar a vida.
O mesmo se dá com a robótica militar, que prepara uma verdadeira ruptura
tecnológica na arte da guerra, com mísseis, aviões e robôs autônomos, operando a
partir do uso de inteligência artificial e comandos a distância.
É lícito presumir que existirão ciberarmas instaladas na nova parafernália
Todos estes novos empregos da informação em rede trazem para o cotidiano físico
das pessoas o que antes era reservado aos sistemas de apoio à tomada decisão. A
título de exemplo, em um veículo operado por motorista, dados de geolocalização
são úteis para sua navegação, mas podem ser empregados ou não. Já em um carro
autônomo, a navegação à distância responde diretamente por sua operação.
Caso uma coordenada geográfica equivocada entretanto oriente uma pessoa a
dirigir sobre um abismo, ela em sã consciência jamais o fará. Um veículo
autônomo seguirá peremptoriamente as orientações que receber. Vale destacar que
tais tecnologias não são mais abstrações, já estão acontecendo no atual estágio
de desenvolvimento da Internet das Coisas.
Por conseguinte, baseado no comportamento histórico dos grandes Estados e de
seus serviços de inteligência, é lícito presumir que existirão necessariamente
ciberarmas instaladas em parte de toda essa nova parafernália operando a partir
das redes 5G.
Mais do que simples inferência, constata-se que os principais atores – Estados
Unidos, Austrália, Nova Zelândia, China, Rússia, Espanha – já empregam esse tipo
de recurso de maneira usual. Também é pertinente presumir que a farta
disponibilidade de meios digitais ofensivos incentivará o seu emprego, em mais
um caso em que a oferta acaba por sedimentar o uso.
No entanto, como observado, ao contrário do cenário atual, uma ofensiva
cibernética no futuro próximo pode causar centenas ou milhares de mortes. Aviões
podem se transformar em mísseis investindo contra prédios, caminhões podem
causar acidentes interrompendo o tráfego de rodovias em diversos pontos, trens
podem descarrilar, fábricas programadas para sabotar seus próprios produtos,
geradores de energia explodirem aleatoriamente e o aparato militar importado de
terceiros pode ser empregado contra si mesmo.
Para além da guerra declarada, poderão ser realizadas operações para sabotar uma
dada nação ou empresa sem que esta sequer perceba. Seus veículos podem ser
reprogramados para gastar um pouco mais de combustível ou para provocar mais
congestionamento em vias urbanas, aéreas ou navais. Suas fábricas podem ser
redesignadas para diminuir sua produtividade, mesmo que pontualmente, mas o
suficiente para perder a competição com a concorrência.
A durabilidade dos componentes que operarão integrados em um dado ambiente
tecnológico pode ser formatada para ser 5% ou 10% menor que o normal. Tudo de
maneira sorrateira e quase imperceptível. Em um mundo de hipercompetição, ao
longo do tempo essa taxa poderia significar a perda de mercados nacionais e
internacionais.
Interessante compreender que esse grande conjunto de mudanças não será em um
futuro distante. Boa parte destes processos está acontecendo agora, com
tecnologias em parte já maturadas ou em franco processo de homologação. Muitas
destas ainda não estão em pleno funcionamento porque exigem integração com
outras, como em um quebra-cabeças.
Um dos pontos de estrangulamento desse processo são justamente as redes 5G.
Quando estas redes entrarem em funcionamento, começará a se materializar uma
ampla sinergia de processos que multiplicará exponencialmente a velocidade com
que o futuro tecnológico se transformará, abruptamente, em um presente
corriqueiro.
Conflito informacional inevitável
Como observado no decorrer do texto, é possível presumir com razoável segurança
que os conflitos informacionais estão e continuarão sendo o primeiro fronte de
combate entre os dois grandes grupos de potências, capitaneados pelos EUA e pela
China, que se confrontam pela hegemonia global.
Em um mundo de armas atômicas, a esfera informacional é o campo natural para
tornar as guerras frias quentes. Pelas redes, governos podem ser derrubados,
economias nacionais sabotadas e, brevemente, até assassinatos em pequena ou
grande escala poderão ser realizados. Tudo acontecendo e podendo ser negado
publicamente pelo Estado atacante.
Sob o prisma do que ainda pode ser considerado como ações cibernéticas,
operações psicológicas ou operações de informação, essa disputa tem atravessado
diversos campos de batalhas informacionais pelo mundo, atingindo não somente as
nações mais frágeis, que estão na borda desse novo sistema, mas até mesmo os EUA
(eleições de 2016) e China (Hong Kong). É possível prever que esse conflito
continuará se agudizando nas próximas décadas.
Dentro deste contexto, cabe pensar então, profundamente, sobre as possibilidades
de escolha atualmente postas sobre as redes 5G. Como já visto, em que pesem os
benefícios financeiros e vantagens tecnológicas aparentes, essa escolha é
essencialmente geopolítica, com profundas consequências para a sociedade
brasileira em seu conjunto. Ou seja, é uma escolha muito maior do que as
supostas necessidades imediatas dos acionistas de operadores de telefonia, ou
mesmo do governo de plantão.
É uma seleção a ser feita como política de Estado e deve envolver a presidência,
a diplomacia e também as Forças Armadas. É igualmente importante ouvir os
diversos setores da sociedade civil e as universidades. Aqui cabe lembrar que
envolver e escutar não precisam se traduzir por ser moroso. Todavia, nesse caso
em particular, a pressa excessiva pode trazer imperfeições difíceis de sanar a
posteriori.
Embora essa escolha seja extremamente complexa, inclusive sob o viés
tecnológico, uma premissa que tem movido a nossa diplomacia há décadas pode ser
útil como guia desse processo decisório – a multilateralidade. Potências
regionais como o Brasil, distante dos centros globais, têm muito mais a ganhar
em um mundo com vários atores de peso do que sob a tutela da elite de uma só
nação. Onde existem muitos envolvidos, sempre existe espaço para negociação.
Exatamente o contrário do que acontece nos períodos imperiais, em que Roma
ordena e os demais cumprem.
Agindo como um ator em busca de seus próprios interesses, sem se perfilar com
essa ou aquela potência, as opções se ampliam exponencialmente e rompem
autolimitações postas pela preocupação com o externo. Nesta acepção, as escolhas
podem passar pela absoluta fragmentação do tamanho das bandas leiloadas, com o
uso de tecnologias diferentes, passando por exigências de produção local sob
supervisão, e até mesmo o incentivo a tecnologias nacionais.
Um mercado com mais de 200 milhões de habitantes e influência sobre a América
Latina pode fazer diversas exigências, desde que o compromisso daqueles que
fazem as opções seja de fato com o seu próprio povo.
Vladimir de Paula Brito
Doutor em Ciência da Informação, é agente da Polícia Federal.