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Leia na Fonte: Teletime
[15/07/20]
Banda C e 5G: a convivência pacífica é possível - por Aníbal Diniz
* Aníbal Diniz, 57, é graduado em História pela UFAC. Atuou no jornalismo
(1984- 1992), foi assessor de comunicação da Prefeitura de Rio Branco
(1993-1996), secretário de comunicação do Governo do Acre (1999-2010), senador
da República PT-AC (2011 e 2014) e conselheiro da Anatel (2015 – 2019).
Quando o Conselho Diretor da Anatel, acertadamente, decidiu no início do ano
colocar em consulta pública sua intenção de ampliar a largura da banda de
espectro para a oferta de serviço móvel na tecnologia de 5ª Geração – o 5G – na
faixa de 3.5 GHz, ampliando de 300 MHz para 400 MHz, o mercado respirou aliviado
por entender que o regulador brasileiro havia chegado à equação possível para
aquele momento. E realmente tinha chegado! Com 100 MHz a mais na faixa de 3.5
GHz, estava viabilizado projetar múltiplos cenários para atender às expectativas
de todos os segmentos interessados, desde a indústria, passando pelas operadoras
de grande porte de âmbito nacional, possíveis entrantes e também as prestadoras
de pequeno porte, as PPPs, que prestam serviços de telecomunicações de forma
eficiente a mais de 11 milhões de assinantes em todas as regiões do país. A soma
dos lotes a serem ofertados nas faixas de 700 MHz, 2.3 GHz, 3.5 GHz, e 26 GHz
faz deste leilão de espectro o maior da história da Anatel e coloca o Brasil na
condição de primeiro país do mundo em quantidade de espectro destinado ao 5G
neste momento.
No início de 2020 estávamos todos a comemorar a possibilidade de um entendimento
a ser consolidado com os prestadores de serviço de TVRO (antenas parabólicas
exclusivas para recepção de sinal de TV aberta no sistema analógico), que
atualmente ocupa a faixa entre 3.8 GHz e 4.2 GHz. Os ensaios e testes
realizados, ainda que não definitivos, apontavam para uma convivência harmoniosa
entre a tecnologia de 5ª Geração (da faixa entre 3.3 GHz e 3.7. GHz) e a
manutenção, ainda que ligeiramente comprimida, da Banda C (faixa entre 3.8 GHz e
4.2 GHz). Em caso de haver qualquer interferência prejudicial na fronteira entre
as faixas 3.7 GHz e 3.8 GHz, seriam adotados filtros mitigadores para que nenhum
usuário de televisão por satélite fosse prejudicado.
Havia um ambiente propício para uma solução contemporizadora, com a TV por
satélite mantendo a banda de espectro necessária à sua operação, ao mesmo tempo
em que era aberto o caminho para a licitação dos 400 MHz destinados aos serviços
móveis em 5G. Estávamos diante de um autêntico jogo do ganha-ganha, em que os
resultados tendiam a ser razoáveis para todos os segmentos.
Novas agendas
Sobreveio a força maior da Pandemia da Covid-19, que alterou a agenda mundial. A
imposição do isolamento social afetou a vida das sociedades em todos os
segmentos, com paralisações de atividades que provocaram milhões de desempregos.
Segmentos como turismo, aviação, bares e restaurantes, hotelaria, etc. foram os
que mais sentiram os impactos provocados pelo novo coronavírus, que já causou
mais de meio milhão de mortes no mundo, sendo mais de 72 mil no Brasil, que vem
registrando, há pelo menos um mês, a triste média de mil óbitos por dia causados
pela doença.
Em meio à crise de tamanha gravidade, eis que o setor de telecomunicações se
apresenta como o suporte essencial para enfrentá-la. O isolamento social
aumentou consideravelmente a demanda por conectividade, tanto pela adoção
forçada da estratégia do trabalho em casa, o home office, quanto pela
necessidade das escolas e universidades suspenderem suas atividades presenciais.
Milhões de alunos passaram a acompanhar suas atividades acadêmicas por
plataformas de educação à distância. A infraestrutura de rede implantada na soma
de esforços de grandes e pequenos operadores mostrou-se forte e resiliente para
suportar um aumento entre 30% e 40% no tráfego de dados, que em poucas semanas
saltou de 7 TB para mais de 11 TB.
Com a quase totalidade das escolas públicas e privadas paralisadas, veio à luz
de forma intensa o enorme déficit de conectividade existente em nosso país. Essa
situação levou o Congresso Nacional a impor que o MEC adiasse a realização do
Exame Nacional de Ensino Médio – ENEM, levando em consideração o prejuízo de
milhões de alunos carentes de conectividade.
Autoridades públicas e planejadores de empreendimentos privados foram forçados a
se darem conta de que o setor de telecomunicações é essencial para qualquer
estratégia de retomada do crescimento da economia. Não há dúvida de que a crise
motivou a antecipação de muitas tomadas de decisões que inevitavelmente
aconteceriam, mas não necessariamente no primeiro semestre de 2020. Todas essas
decisões, ou pelo menos a maior parte delas, dependem de alguma forma das
tecnologias de informação e comunicação – TICs e de conectividade de alta
velocidade para fazer frente às exigências atuais e das que virão no futuro.
Nesse sentido, todos os esforços devem ser empreendidos para que as
infraestruturas necessárias ao desenvolvimento da tecnologia de 5ª geração, ou
seja, os cabos de fibra óptica e a rede de acesso por radiofrequência, estejam o
mais rapidamente possível disponíveis ao mercado. Os especialistas afirmam com
segurança que num cenário de 5G a conectividade em banda larga deve ser tão
acessível quanto é a energia elétrica nos dias atuais. Nada mais obvio: ou
promovemos a conectividade com todo incentivo necessário à implantação de
infraestrutura de redes em todas as regiões do país ou a tecnologia de 5ª
geração chegará apenas para poucos e não exploraremos plenamente todas as suas
potencialidades.
Escolha difícil
Aqui chegamos ao xis da questão. A proposta de migração da TVRO para a banda ku,
em que pese possa ser defendida como uma solução definitiva, até porque
liberaria pelo menos 400 MHz a mais para futuros leilões, não nos parece uma
solução exequível neste momento. O custo desta operação seria incompatível com o
espírito do leilão e com o interesse público que busca o menor custo para o
contribuinte. A própria política pública aponta para que o leilão seja mais
voltado a investimentos em cobertura e menos em arrecadação. Investimento em
cobertura é sinônimo de maior abrangência dos benefícios da tecnologia para o
maior número possível de beneficiários. Se no leilão do 5G for embutido o custo
da migração da TVRO para a banda ku, muito possivelmente teremos menos
investimentos em rede de 5G com o consequentemente encarecimento de cada lote.
A melhor solução para todos é a convivência mitigada a um custo compatível com
as condições dos adquirentes das frequências. Na hipótese de os lotes
regionalizados ficarem na faixa de 3.7 GHz, a mitigação de possíveis
interferências ficará facilitada, uma vez que cada adquirente de lote se
responsabilizará pela coordenação na sua área de abrangência. A solução virá.
Seja instalando filtros individualizados para cada usuário de parabólica quando
o número for pequeno, seja modulando a potência de irradiação de suas antenas ou
estações rádio base quando o número for maior.
A Anatel precisa manter seu protagonismo, continuar aberta a sugestões de
melhoria e aperfeiçoamento e garantir que o edital seja definido, submetido à
apreciação do TCU e publicado o quanto antes possível. É importante que o Brasil
possa emergir acelerado no ambiente pós-pandemia como um mercado atrativo aos
investidores. Aí vale uma sabedoria amazônica. "Quem chega primeiro à fonte,
bebe água limpa". Quanto antes o Brasil puder se habilitar à tecnologia 5G,
maiores serão as possibilidades de atrair investimentos para o setor. E, para
que isso aconteça, há que se promover uma grande concertação entre todos os
atores e segmentos envolvidos para que todos estejam no mesmo barco e remando
para o mesmo lado, em defesa do melhor para o país e para o seu povo, com
liberdade tecnológica que contemple também a indústria nacional, um tanto
afastada dos principais debates sobre o tema.
Torçamos para que a Anatel persista em sua intenção de disponibilizar lotes de
abrangência nacional e um lote de 100 MHz dividido em áreas geográficas, como
está na consulta pública, de forma a atrair entrantes e prestadores de pequeno
porte.
Há muitas conversas a serem feitas, o que está inteiramente dentro da
normalidade, porque a complexidade do tema exige mesmo que o verbo conversar
seja cada vez mais conjugado para encontrarmos o ponto ótimo de entendimento. O
mais importante é que estejamos imbuídos do propósito de defender o que for
melhor para garantir mais conectividade para os brasileiros e maior
competitividade econômica para o Brasil no pós-pandemia. Não é tarefa simples,
mas é necessária!