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Leia na Fonte: Teletime
[01/02/21]
Edital de 5G pode mexer com disputa de fornecedores e alterar foco de
investimentos - por Samuel Possebon
O edital de 5G já está praticamente definido. Com dois votos a favor da proposta
do relator Carlos Baigorri, apenas uma improvável revisão de manifestação de um
dos três conselheiros que já votaram no dia 24 poderia alterar algum aspecto
central. Isso significa que as consequências do voto da Anatel já podem ser
medidos.
A principal surpresa, que foi obrigar aos operadores a instalação de ERBs que
obedeçam as especificações do 3GPP no release 16 tem potencial de mudar o jogo
de forças dos fornecedores no Brasil, os espaços consolidados e abrir novas
possibilidades.
A especificação 5GNR Release 16 saiu no ano passado e, portanto, ainda está em
estágios iniciais de utilização pelas operadoras. O que a Anatel fez, como disse
o conselheiro Baigorri, foi obrigar as operadoras a entregarem o 5G em todo o
seu potencial. Mas isso não significa necessariamente que as operadoras terão
que construir suas redes do zero, sem aproveitar nada das redes 4G. Isso não
está escrito no edital e a simples referência ao Release 16 não significa a
adoção de "redes standalone" (sem vínculo com redes legadas). O release 16
mantém tudo o que estava nas especificações anteriores do 5G, inclusive o uso de
redes "non-standalone", ou seja, baseadas nas redes 4G e 3G.
Mas, mesmo os especialistas mais criteriosos ouvidos por TELETIME, que
cuidadosamente preferem ressaltar que release 16 não é um imperativo para redes
novas, reconhecem que não faz muito sentido ir para o estado da arte e manter um
"core de rede" 4G, porque seria muito mais complicado implementar os conceitos
de conceitos de URLLC (Ultra Reliable Low Latency, que são redes ultra
confiáveis e de baixíssimas latências), mMTC (massive Machine Type Comunication,
que é a capacidade de conectar simultaneamente uma grande quantidade de
dispositivos), além do eMBB (enhanced mobile broadband, que é o aumento de
velocidade das conexões, já viabilizado nos releases anteriores).
Se tecnicamente release 16 é uma coisa e a definição se a rede será Standalone
ou non-Standalone são coisas separadas, o nível de serviços exigidos pela Anatel
na prática direciona a opção tecnológica para redes Standalone. O próprio
relator Carlos Baigorri deixou claro o entendimento de que a Anatel está
contando com implementações "greenfield" de rede, ou seja, com estruturas que
não terão necessariamente vínculo com as redes anteriores. Mas a Anatel não está
obrigando ninguém a fazer uma rede nova. Como explicou Baigorri a este
noticiário, o release 16 é uma obrigação para cumprir as obrigações do edital,
que prevê um número mínimo de ERBs a cada 15 mil habitantes por ano. Mas nada
impede que a operadora avance com o 5G em versões anteriores utilizando a faixa
em algumas cidades e depois evolua para o release 16.
A Anatel está apostando, contudo, que ninguém chegará nos níveis de serviço
demandados se não fizer uma rede do zero. A agência usa como argumento a
necessidade de garantir que o 5G no Brasil chegue em sua plena capacidade e que
seja de fato uma revolução, e não apenas um 4G mais rápido.
Fornecedores
A adoção de redes standalone pelas operadoras significa, em teoria, que as
vantagens que a Ericsson e a Huawei poderiam ter na disputa pelo 5G por já terem
presença no mercado de 4G, com a dominância quase total nas redes das operadoras
hoje, não terá tanto peso na definição dos vendors de 5G. Essa equalização é boa
notícia para a Nokia (que participa muito pouco do 4G) e para fornecedores
entrantes no mercado brasileiro, como NEC e Samsung, e aqueles novos vendors que
apostam no Open RAN. A Anatel inclusive vai criar um grupo com a
Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação para estudar OpenRAN e ver as
implicações regulatórias que este tipo de arquitetura pode, ou não, demandar da
agência. Isso está em uma das recomendações do voto de Baigorri.
Para as operadoras que já avançaram nos investimentos de 4G com vistas a um
upgrade para o 5G, como Vivo e Claro, isso também significa que será necessário
redesenhar o planejamento de evolução das redes e ajustá-lo à obrigatoriedade do
release 16. Nesse caso, elas terão que avaliar a amplitude dos contratos com os
fornecedores atuais, reavaliarem o que já pode ter sido comprado, reespecificar
equipamentos e rever os cálculos. Por isso estas duas operadoras estão mais
desconfortáveis com a decisão da Anatel, enquanto a TIM manifestou muito mais
conforto com a exigência. A TIM, inclusive já vinha defendendo publicamente a
adoção de redes standalone e em padrão aberto para o 5G.
Para Baigorri, contudo, o argumento de investimentos já feitos não tem peso
porque, para ele, as contrapartidas do edital não podem ser para investimentos
já feitos ou já planejados no negócio da empresa. Justamente o que a agência
busca, diz, é estimular investimentos que não seriam feitos de outra maneira, em
troca do direito de uso do espectro.
Cálculo completo
O fato é que a Anatel está calculando o edital com base nos custos e no
potencial de receitas do 5G Release 16. Isso significa que, se de um lado, a
rede custará mais às empresas porque terá que ser feita do zero, impactando os
investimentos iniciais, de outro ela poderá potencialmente gerar mais receitas.
E aí é que entram as diferenças. No governo a estimativa é de um preço mínimo
entre R$ 25 bilhões e R$ 35 bilhões, que precisariam ser compensados pelas
obrigações de investimento. Já as empresas calcularam, incialmente, menos de R$
20 bilhões como preço mínimo para todas as frequências. Essa conta agora
precisará ser refinada com o TCU.
Outra possível consequência é que o impulso que o 5G já estava proporcionando no
varejo, com a crescente chegada de smartphones preparados pelo menos para o 5G
DSS, e que provavelmente seria o grande "hit" das datas fortes de venda em 2021
(Dia das Mães, Black Friday, Natal etc), pode sofrer um revés, aguardando a
chegada dos smartphones compatíveis com o 5G Release 16 prontos para redes
Standalone.
A Anatel também terá que definir os critérios para fiscalizar se as operadoras
cumpriram os requisitos para implementar os conceitos de URLLC e mMTC, o que
provavelmente será feito a partir dos equipamentos certificados.
Vulnerabilidade
Há ainda uma importante variável geopolítica: redes standalone tiram das teles o
argumento de que, para barrar a Huawei, por exemplo, as empresas teriam que
trocar equipamentos também nas redes legadas. Ou seja, fica mais fácil
viabilizar um rompante governamental proibindo fornecedores chineses. Não por
acaso, este dispositivo, combinado com a afirmação de Jair Bolsonaro de que
"nada está decidido sobre 5G", está deixando muita gente no mercado preocupada.
Não que a empresa não tenha rede ou tecnologia para participar dos processos de
seleção das operadoras para redes standalone, mas excluir a empresa do 5G fica
mais fácil, caso o presidente Jair Bolsonaro retome esta pauta.
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