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Fonte: Estadão
[07/08/14]
Emergência no Tesouro - Editorial
Com suas contas em muito mau estado, o governo tenta arrancar dinheiro de onde
puder para fechar o balanço fiscal, no fim do ano, com um resultado pelo menos
próximo do prometido no começo de 2014. No esforço para cavar mais alguma
receita, o Ministério da Fazenda tem pressionado a Caixa Econômica para entregar
ao Tesouro o dobro dos dividendos combinados, embora isso torne praticamente
inevitável um novo aporte de capital no próximo ano. Pela mesma razão, o
Ministério das Comunicações tem insistido em realizar neste ano, contra a
vontade da maior parte das companhias do setor, o leilão de telefonia 4G, mais
uma promissora fonte de recursos extraordinários para um orçamento depauperado.
O setor público deve fechar suas contas de 2014 com R$ 99 bilhões de superávit
primário, dinheiro destinado ao pagamento de pelo menos parte dos juros da
dívida pública. Uma parcela de R$ 80,8 bilhões deverá ser fornecida pelo poder
central (governo federal, Banco Central e Previdência). Mas a contribuição
poderá ser maior, se for insuficiente o resultado obtido pelos governos de
Estados e municípios e pelas estatais. Essa foi, pelo menos, a promessa
formulada há meses pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Conhecido o balanço fiscal do primeiro semestre, fica muito difícil de acreditar
no cumprimento de qualquer dessas promessas, exceto, é claro, por meio de novos
lances de criatividade contábil. A contabilidade criativa foi usada amplamente
nos últimos dois anos. Sem ela, o governo teria apresentado resultados muito
piores. O governo jamais conseguiu enganar a imprensa e os profissionais
especializados e a opinião pública foi informada sobre os truques, mas as
manobras têm sido repetidas.
Neste ano, até junho, o setor público produziu um superávit primário de apenas
R$ 29,38 bilhões, 43,67% menor que de igual período de 2013. O resultado
primário do governo central ficou em R$ 15,37 bilhões, 54,43% abaixo do obtido
de janeiro a julho do ano passado, mesmo com a redução do déficit da Previdência
de R$ 27,03 bilhões para R$ 23,16 bilhões.
A arrecadação do Tesouro ficou muito abaixo da previsão inicial e o aumento real
de receita estimado para o ano já passou de 3% para 2%. Mas os detalhes tornam o
quadro mais feio. Mais de dois terços do superávit primário do governo central
foram proporcionados por R$ 10,49 bilhões de dividendos, uma soma 36,3% maior
que a do primeiro semestre de 2013. O aumento desse tipo de contribuição
resultou, obviamente, de fortes pressões.
Com o baixo ritmo da atividade econômica e a manutenção das desonerações
fiscais, o governo passou a depender mais dramaticamente que nos anos anteriores
de receitas especiais. Essas receitas incluem dividendos, bônus de concessões e
pagamentos do Refis, isto é, do reescalonamento de dívidas tributárias. A
arrecadação prevista do novo Refis foi elevada, em pouco tempo, de R$ 12,5
bilhões para R$ 18 bilhões.
A pressão sobre a Caixa Econômica é parte desse jogo. Por acordo com o governo,
a Caixa deveria transferir neste ano só metade dos lucros normalmente
disponíveis para dividendos. O Ministério da Fazenda resolveu romper a
combinação e cobrar todo o resultado, estimado em cerca de R$ 5 bilhões. A
exigência complica seriamente a situação da Caixa, forçada também a participar,
juntamente com o Banco do Brasil, de uma nova operação de socorro ao setor
elétrico. O governo tenta, ao mesmo tempo, maquiar suas contas com dinheiro da
Caixa e socorrer empresas de eletricidade, seriamente prejudicadas pela mal
planejada renovação de concessões.
Os bônus de contratos para infraestrutura também entram nesse jogo. Nas últimas
semanas, o grande empenho do governo foi para realizar em setembro o leilão de
telefonia 4G. A ideia era obter uma receita de uns R$ 8 bilhões para reforçar as
contas do Tesouro. Além de atropelar a conveniência das teles, interessadas em
adiar o leilão para 2015, o governo enfrentou uma barreira criada pelo Tribunal
de Contas da União. O fechamento do balanço ainda vai dar muito trabalho.