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Leia na Fonte: Teletime
[05/05/14]  A conectividade deveria ser um direito humano fundamental, propõe regulador mexicano - por Fernando Paiva

Em regulamentação de telefonia celular, o México virou exemplo mundial: incluiu a conectividade como um direito fundamental de seus cidadãos na Constituição; criou um novo órgão regulador formado por técnicos do setor, o Ifetel (Instituto Federal de Telecomunicações); e inovou no leilão da faixa de 700 MHz, que será controlada por uma única operadora atacadista de quarta geração (4G), que se encarregará de vender o acesso a operadoras móveis virtuais (MVNOs) de forma isonômica, com preços controlados pelo Estado. As regras da licitação serão conhecidas em breve. A expectativa é de que a rede 4G em 700 MHz comece a operar em meados do ano que vem. MOBILE TIME aproveitou a visita ao Rio de Janeiro do chefe de política regulatória do Ifetel, Luis Lucatero, na semana passada, para entrevistá-lo.

MOBILE TIME - Não é perigoso entregar toda a faixa de 700 MHz na mão de um monopólio privado?

Luis Lucatero – Não porque não é um monopólio. É uma operadora atacadista que não pode vender para o consumidor final. As outras teles podem se juntar e fazer uma operação atacadista se quiserem. Afinal, há outras operadoras com espectro também, em faixas como 800 MHz. Elas podem se unir e competir contra esse operador atacadista.

Quanto de espectro as teles tradicionais têm em outras faixas hoje no México?

Ao todo, 246 MHz, somando todas as faixas, inclusive trunking. O operador atacadista terá 90 MHz na faixa de 700 MHz.

Há alguma restrição a empresas estrangeiras de participarem dessa operação atacadista?

Não. A Constituição do México mudou para permitir que teles sejam 100% estrangeiras. Mas a empresa precisará estar no México e nós vamos estar observando. O espectro não pode sair do país, certo?

Claro, mas me refiro ao risco para os dados sigilosos a serem trafegados pelas Forças Armadas do México. Não é arriscado trafegarem por uma rede controlada por uma empresa estrangeira? (N.E.: Haverá uma MVNO de segurança pública que vai funcionar na rede dessa operadora atacadista em 700 MHz)

Tecnicamente, com criptografia, é possível que um operadora não veja nada do que passa por sua rede. Há empresas que se dedicam a isso e que nos garantem que isso é possível sem riscos.

Haverá controle dos preços no atacado?

Não definimos como será o controle. Mas muito provavelmente haverá, sim, um limite.

Haverá limite para a quantidade de MVNOs?

Queremos que haja milhares de MVNOs. Pensamos que é possível ter mais de 1 mil operadoras móveis virtuais rapidamente em 700 MHz. Imaginamos operadoras virtuais de caráter local, municipal, de M2M (machine to machine), corporativas, ou de aplicações específicas etc. Empresas de vídeo streaming, como Netflix, poderiam criar suas MVNOs. Ou uma seguradora poderia instalar um módulo sem fio em automóveis e monitorar como dirigem seus segurados, cobrando seguro mais ou menos caro dependendo da maneira como conduzem.

Como surgiu a ideia desse modelo de gestão de espectro?

O dispositivo de conexão à Internet no ano 2000 era o computador pessoal, que pesava 20 kg, tinha umas 25 aplicações instaladas e custava US$ 3 mil. Em 2015 será o smartphone, que pesa 100g, tem uma oferta de 25 milhões de apps e custa US$ 30. A mobilidade representa a emancipação, é a liberdade da conectividade. Por isso é importante que a conectividade se converta em um direito humano fundamental. Em países desenvolvidos quando o preço do smartphone baixou para US$ 300, o produto começou a se popularizar, o que aconteceu a partir de 2009. Em 2014, o preço chegará a US$ 30, que é o limite para a popularização em mercados em desenvolvimento. Com telas grandes, processamento e capacidade cada vez maiores, os smartphones demandam mais conteúdo e mais dados. Tudo isso induz a um uso intenso da rede. Por isso inventamos uma nova métrica: Gbps por habitante por Km2. Em grandes centros urbanos há cerca de 23 mil pessoas por km2 de população flutuante nas horas de pico. Em pouco tempo, todas elas estarão conectadas. Diante desse cenário, três variáveis influenciam negativamente o modelo de negócios das redes: 1) falta de espectro; 2) falta de antenas; 3) e tecnologia inadequada. Devido a essas variáveis, a oferta cresce de maneira linear, enquanto a demanda cresce de forma exponencial. Isso é um problema muito sério.

E então o México decidiu resolver esse problema criando a figura da operadora atacadista...

Usamos o que chamamos de "teorema dos pratos quebrados". É mais arriscado um garçom carregar todos os pratos de uma vez do que dividir esses pratos entre dois garçons. Em telecom, há duas fontes de risco: infraestrutura e comercialização. Separando as duas fica mais fácil (gerir o risco). Separamos os riscos de rede de um lado e os de comercialização de outro. E o provedor da rede não vai competir com seus clientes (as operadoras que vendem o serviço para o consumidor final). E os atores de mercado não podem intervir nessa operadora atacadista.

Nesse modelo, que novos serviços de conteúdo móvel poderiam surgir?

Ofertas de vídeo móvel sob demanda vão se tornar uma realidade graças a esse modelo. Não dá para vender esse serviço hoje, pelo menos não com uma boa qualidade. O México terá a operadora com mais espectro em 700 MHz no mundo.

Como garantirão a isonomia da oferta? Como vão garantir que uma Telcel, por exemplo, não será privilegiada nos contratos com a operadora atacadista?

Todos os contratos firmados com o atacadista serão públicos. A operação será transparente.

Haverá obrigações de cobertura para o atacadista?

Sim, haverá obrigações fortes. Afinal, estamos dando a ele as joias da Coroa. Em contrapartida são necessárias obrigações. Será uma rede completamente IP, sem nenhuma infraestrutura legada, com poucos empregados, para atuar como uma fábrica de conectividade sem fio a baixo custo. Será uma operadora não discriminatória. Os serviços em 700 MHz só serão vendidos por redes virtuais.

Quanto esperam que a operadora atacadista invista em rede?

Cerca de US$ 8 bilhões em cinco anos é a nossa expectativa.

Há muitos investidores interessados nessa operação?

Mais de dez investidores nos procuraram. Os que mais se interessaram não são teles tradicionais, mas fundos de pensão, investidores em infraestrutura portuária e rodoviária, gestores de ativos, fundos de longo prazo.

Houve pressão por parte das operadoras móveis contra esse modelo?

Claro que as operadoras prefeririam receber espectro, mas não houve nenhuma pressão contra o regulador. Somos muito respeitados. O Ifetel não sofreu nenhuma pressão até agora. É um verdadeiro êxito institucional. Não recebemos ameaças, nos deixam trabalhar tranquilamente. Acredito que o Estado mexicano conseguiu de forma exitosa criar uma instituição verdadeiramente técnica.