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Fonte: Jornal do Dia
[06/05/14]
Leilão de 4G, o jogo estranho do governo - por Vivien Mello Suruagy
Vivien Mello Suruagy é engenheira, presidente do Sindicato Nacional das
Empresas Prestadoras de Serviços em Telecomunicações (Sinstal).
Ao anunciar um leilão para a concessão do serviço de telefonia móvel 4G no País
na frequência 700 MHz, provavelmente em agosto, o governo federal jogou no ar
uma quantidade enorme de dúvidas e pouca clareza de propósitos. Não pode ser
pela melhoria da qualidade do serviço, muito menos para beneficiar o consumidor
brasileiro. Ao contrário, se algum interesse sobressai aí é o de engordar o
caixa do Tesouro, de olho num futuro superávit fiscal.
O governo deveria ter bem claro – ao menos sua agência reguladora – que a última
licitação de 4G na faixa de 2,5 GHz foi recente. Os investimentos das operadoras
no seu desenvolvimento ainda são enormes; sem contar que, ao mesmo tempo, se
investe na tecnologia anterior, a 3G, a que melhor serve ao País no momento.
O governo age de forma açodada, deixando as operadoras, prestadores de serviços
e trabalhadores num beco sem saída. O certo é que tão cedo não haverá retorno
desse investimento. O resultado é claro: haverá perda de receita, os novos
investimentos serão desestimulados, o preço para o consumidor aumentará, a
qualidade e a penetração dos serviços serão reduzidas. Ninguém desconhece que a
faixa de 700 MHz é fundamental para a expansão da banda larga móvel no País e no
futuro trará ganhos para toda a sociedade brasileira.
Mas anunciar um leilão sem que as condições estejam muito bem explicitadas é
jogar para a plateia e dizer ao distinto público que se preocupa com a melhora
dos serviços. Discursos de palanque costumam esconder reais intenções. Há um
longo caminho a percorrer e entraves a remover antes que a telefonia móvel de
quarta geração funcione bem na nova frequência.
Nosso sindicato, com base nacional, agrega aproximadamente 1200 empresas
prestadoras de serviços para concessionárias de telecomunicações, de TV por
assinatura e público privado em geral. São responsáveis pela instalação de
telefones, de sistemas de internet e de TV por assinatura na casa de usuários,
pela operação de call centers e pela realização de reparos técnicos em
equipamentos, dentre outras várias atividades. E empregam atualmente centenas de
milhares de pessoas em todo o País.
Neste contexto, temos absoluta legitimidade e amplo conhecimento dos problemas
enfrentados no setor de telecomunicações, notadamente na área de telefonia
móvel. Por isso, causa grave preocupação a forma pela qual o tema da qualidade
do serviço tem sido enfrentado.
Sabemos que os usuários enfrentam sérios transtornos diariamente em todo Brasil
com ligações pelos celulares. É difícil efetuar uma chamada completa sem que
seja interrompida por problemas no sinal. É preciso desenvolver uma sólida
infraestrutura para que tudo funcione bem. Necessitamos investir rapidamente em
maior treinamento e qualificação de mão de obra para melhoria dos serviços
ofertados à população.
As autoridades competentes devem trabalhar num planejamento estratégico mais
eficiente para aprimorar a qualidade dos serviços atualmente prestados, antes da
aventura de novos leilões. Uma nova tecnologia, sem o preparo adequado e com
propósitos exclusivamente econômicos, só tende a agravar o quadro atual. Os
estudos econômicos realizados, cronogramas de liberação de faixas, soluções de
interferências e outros já deveriam ser de pleno conhecimento de todos. São
guardados a sete chaves, não devem ser impostos goela abaixo.
Essas questões, de indiscutível relevância e gravidade, podem e devem ser
analisadas no âmbito do Tribunal de Contas da União, consideradas as atribuições
fiscalizadoras dessa C. Corte, e pelo Legislativo. O que não se pode admitir é a
completa inércia do poder público em relação a essa matéria, com inegáveis
prejuízos aos usuários e ao próprio interesse público.
Evidente que o futuro edital deverá detalhar os estudos econômicos, com as
projeções de receita, de custos e despesas e o custo médio de capital,
considerados pela agência reguladora na formação do preço mínimo e demais
cláusulas. Entendemos também que o serviço e a projeção de receita associada ao
uso da faixa de 700 MHz são os mesmos relacionados ao uso da faixa de 2,5 GHz,
uma vez que as condições técnicas que proporcionam a fruição de tecnologia são
similares.
O setor faz algumas considerações:
-- condições de acesso devem ser cuidadosamente definidas, pois há implicações
para o cronograma de disponibilização, preço do espectro, prazos de pagamento,
custo para mitigação de interferências, custo das obrigações de cobertura e
qualidade e de remanejamento de canais;
-- importante considerar que, na avaliação do preço específico do espectro, o
uso da faixa não será fonte de novas receitas, pois o serviço 4G já está sendo
prestado na faixa de 2,5 GHz, adquirida recentemente e com infraestrutura ainda
em implantação;
-- além do custo do espectro, o preço final pago pela faixa deve considerar
todos os demais custos, como obrigações de cobertura, mitigação de
interferências, filtros e eventuais compensações para o setor de radiodifusão;
-- a imposição de obrigações para outorga do uso do 700 MHz deve se balizar pela
busca de sustentabilidade econômica das operações das empresas envolvidas, de
estímulo aos investimentos, da capacitação de mão de obra, além da razoabilidade
na definição de critérios para impor obrigações e definição do preço mínimo;
-- as condições de licitação devem ser muito claras sobre o cronograma efetivo
de disponibilização das faixas para uso móvel e, mais do que isso, estabelecer
que os pagamentos estejam associados a essa disponibilização;
-- levando-se em consideração todos os custos envolvidos na disponibilização e
implantação do 700 MHz, é importante que as regras do leilão não criem
mecanismos artificiais para aumento deliberado do preço, uma vez que isso se
traduzirá em maiores preços para o consumidor final e menor penetração dos
serviços.
Esse rol de preocupações tem toda a razão de ser. Afinal, o setor de
telecomunicações deverá pagar muito caro pela concessão dos serviços. E o
governo, além do dinheiro, quer receber também os aplausos.