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Fonte: Band / Colunas
[06/03/14]
Arrecadação X Metas - por Mariana Mazza
Em plena ressaca de Carnaval, o setor de telecomunicações foi bombardeado com
uma notícia um tanto preocupante. Na edição desta quinta-feira, 6, o jornal
Folha de S.Paulo noticiou que o Tesouro Nacional está apostando suas fichas no
próximo leilão de radiofrequências da telefonia móvel para equilibrar o ano
fiscal. De acordo com a reportagem, o núcleo econômico precisa do maior lucro
possível para conseguir atingir as metas fixadas para o superávit neste ano. A
intenção seria ao menos dobrar o valor estimado pelo Ministério das Comunicações
e pela Anatel, de R$ 6 bilhões.
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, correu para apagar o incêndio
provocado pela matéria. Mas acabou apenas confirmando que o secretário do
Tesouro, Arno Augustin, realmente o procurou querendo que a meta de arrecadação
com a disputa seja elevada. Bernardo disse, no entanto, que caberá apenas à
Anatel decidir se o pedido será ou não atendido.
A briga é boa. Há anos a Anatel vem investindo em um modelo de leilões
controverso para a velha guarda fiscal. A estratégia usada pela agência
privilegia a imposição de metas para as empresas em troca de uma redução no
preço das frequências. Essa tática começou a ser usada em processos envolvendo a
compra e fusão de companhias no setor mas pouco a pouco se expandiu também para
os leilões.
Em princípio, o esquema usado pela Anatel tem pontos positivos na medida em que
estimularia a expansão dos serviços, normalmente prejudicada após um alto
investimento financeiro para arrematar uma faixa em um leilão. Mas, a baixa
qualidade dos serviços móveis verificada nos últimos tempos tem colocado em
dúvida a eficiência deste modelo. Na prática, fica a impressão de que a economia
feita pelas companhias telefônicas não foi de fato revertida na melhoria do
serviço. Se for isso mesmo, o governo e a sociedade - afinal, o dinheiro
arrecadado nos leilões acaba sendo aplicado nas mais diversas áreas - teria
perdido duas vezes.
Com o aperto nas contas do governo é natural que o leilão previsto para este ano
tenha aguçado o interesse do Tesouro Nacional. Mas o choque entre as pastas,
agora exposto publicamente, se arrasta há muito tempo. Por serem insumos
escassos, as radiofrequências deveriam ser vendidas pelo maior valor possível.
Esta é a filosofia que ainda prevalece na administração pública para esse tipo
de leilão. Mesmo assim, a Anatel insiste que o modelo de metas gera mais
benefícios para o setor.
Existem dois aspectos importantes nessa controvérsia. O primeiro tem a ver com a
faixa que está sendo vendida, considerada a segunda parte do leilão do 4G. A
radiofrequência em questão é a de 700 MHz, atualmente utilizada por empresas de
radiodifusão. Ela é considerada uma faixa nobre, graças a capacidade de atingir
longas distâncias na transmissão. Durante os debates sobre o 4G no Brasil houve
muita briga sobre a viabilidade de desocupar essa faixa para dar espaço a
telefonia móvel. Como aconteceu em outras desocupações, a Anatel decidiu
insistir na destinação do 700 MHz para a telefonia móvel, prevendo uma
indenização para os antigos usuários da faixa. O valor dessa indenização ainda
não foi divulgado.
Essa negociação obviamente influenciou no preço estimado para arrecadação do
leilão. Afinal, quem comprar blocos nessa faixa terá que arcar também com o
custo da desocupação, além das tais metas de expansão. Os custos e a expectativa
de lances chegam perto dos R$ 15 bilhões, que seria o valor real da faixa.
Talvez por isso as operadoras móveis não tenham se mostrado muito felizes com o
leilão. Desde o ano passado, as empresas reclamam da pressa do governo em vender
essa faixa. Ainda mais em um momento onde todas estão sendo pressionadas a
aumentar os investimentos na tecnologia anterior, o 3G.
O segundo aspecto relevante é que historicamente o setor de telecomunicações é a
tábua de salvação do Tesouro Nacional. Além de ser um dos setores que mais
arrecadam no Brasil, a falta de políticas públicas para aplicar os recursos
recolhidos por meio dos encargos específicos que pesam nesta área a transformou
em uma mina de ouro. O caso mais célebre é do Fust, o Fundo de Universalização
dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Desde 2001, quando foi criado, este
fundo acumula R$ 12,3 bilhões. Um único projeto foi implementado em todo este
período, consumindo menos de 1% do valor arrecadado. Sem ser aplicado em sua
meta original, universalizar o acesso à telefonia fixa, o Fust acaba servindo
apenas para contribuir com o superávit primário. Este encargo vem do pagamento
de 1% da receita bruta dos serviços de telecomunicações pelas companhias
telefônicas.
Outro fundo pouco usado é o Fistel. O Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
foi criado para financiar as atividades da Anatel, mas a agência reguladora fica
apenas com uma parte minúscula do montante arrecadado a cada ano. Nos últimos 12
anos, já foram recolhidos mais de R$ 53 bilhões para o Fistel. E, novamente, o
que não é aplicado no setor soma-se na conta do superávit primário. Os leilões
também são uma boa fonte de renda para o Tesouro Nacional. Mesmo com o modelo de
metas utilizado pela Anatel, a arrecadação mostra números robustos. Até 2012, o
governo recolheu mais de R$ 22 bilhões com leilões de radiofrequência.
Esses números são uma amostra do peso das telecomunicações no caixa do governo.
E não há nenhum sinal de que o Tesouro Nacional pretende recuar na expectativa
de arrecadar grandes quantias também em 2014. Mas, apesar de a sanha
arrecadadora ser suscetível a críticas, a tentativa do Tesouro de recuperar o
antigo modelo de leilões no setor não pode ser ignorada. Está na hora de
discutir se o modelo de metas em troca da redução do preço dos lances realmente
está trazendo benefícios para o país. Até porque a Anatel tem ficado cada vez
mais audaciosa na elaboração dessas metas.
A mesma matéria da Folha traz uma informação alarmante. Segundo o jornal, o
comprador do maior lote deste futuro leilão ganharia de "brinde" o direito de
cobrar valores diferenciados dos clientes baseado no tipo de serviço buscado na
Internet. Clientes do Netflix, por exemplo, poderiam ter um tratamento
diferenciado dos demais usuários nos serviços de alta definição. Na prática, a
companhia vencedora poderia cobrar mais de quem for acessar serviços mais
pesados, jogando por terra a possibilidade de o Brasil exigir a aplicação do
princípio da neutralidade de redes. Este princípio proíbe justamente esse tipo
de diferenciação no acesso à web.
O ministro Paulo Bernardo negou que o tal "brinde" esteja no edital em
elaboração pela Anatel. Segundo Bernardo, tudo não passaria de especulação. Mas,
supondo que a agência reguladora tenha mesmo cogitado esta hipótese, a briga com
o Tesouro Nacional pode acabar minando a intenção de premiar os vencedores com
um passe livre contra a neutralidade. Ao mirar em uma arrecadação maior, o
Tesouro pode ter salvado os clientes de um golpe ainda maior.