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Leia na Fonte: Carta Capital
[04/10/14]
4G: o leilão furado - por Bruno Marinoni*
* Bruno Marinoni é jornalista, doutor em sociologia pela UFPE e integrante do
Conselho Diretor do Intervozes.
Processo arrecadou menos que o previsto e reforça o quadro de concentração da
propriedade no setor de telecomunicações. Enquanto isso, novos canais públicos
de TV seguem sem espaço garantido
O governo brasileiro realizou, no último dia 30 de setembro, o leilão que
ninguém queria. A chamada faixa dos 700 MHz, uma fatia do espectro radioelétrico
brasileiro, que passará a ser destinada à tecnologia 4G de acesso à internet,
deve render ao Estado algo entre R$ 4,9 e 5,3 bilhões no fim do processo. A
previsão era a de que seriam arrecadados, no mínimo, R$ 7,7 bi. O ágio esperado
de R$ 300 milhões não passou, no fim das contas, de R$ 38,1 milhões. Mesmo
assim, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, considera o processo um
sucesso.
Aos defensores da democratização da comunicação, o governo Lula havia prometido
um espaço reservado na digitalização da televisão para as emissoras públicas.
Por uma infeliz coincidência do destino, a maior parte dessa reserva, alocada na
mesma faixa dos 700 MHz, acaba de ser entregue às multinacionais das
telecomunicações, sem que a garantia de alocação no espectro para os novos
canais públicos (inclusive os previstos no decreto que criou a TV digital no
Brasil) esteja dada.
Além disso, a estratégia de venda definida pelo governo reforça o quadro de
concentração de propriedade (e poder) no setor. Se hoje temos quatro grandes
operadoras de telecomunicação no país, apenas três delas arremataram os lotes
nacionais de 700 MHz: Claro, Tim e Telefônica (Vivo). A Oi desistiu de
participar do processo, surpreendendo alguns analistas.
Os tradicionais donos da comunicação no Brasil – as empresas comerciais que
povoam praticamente todo o espectro reservado à TV e ao rádio – são outras que
não estão exatamente contentes. Temem pelo futuro da qualidade de seus serviços
(e, logo, da competitividade dos seus negócios). A exploração da faixa de 700
MHz pelos serviços de banda larga móvel em 4G, a ser oferecido a partir de 2019
pelas empresas de telefonia que arremataram o leilão, pode causar interferência
nos sinais de radiodifusão, e o governo não quis esperar a realização dos testes
necessários para lidar com os eventuais problemas decorrentes.
Ainda assim, os empresários de radiodifusão conseguiram garantir uma
contrapartida. A chamada “limpeza da faixa de 700 MHz”, verdadeira operação de
“redução de danos” no setor comercial, que resultará na migração da radiodifusão
para outra parte do espectro, vai custar às operadoras de telecomunicação, novas
ocupadoras da faixa, algo perto de R$ 3,6 bilhões – gastos na compra de
equipamentos para que as emissoras hoje em operação transmitam em frequência
diferente.
As maiores beneficiadas com o processo, as empresas de telecomunicação, também
não saíram contentes. No dia 18, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
anunciou sua rejeição ao pedido de impugnação do edital do leilão. A solicitação
foi feita pelas quatro maiores operadoras do setor. De qualquer forma,
garantiram o seu lugar ao sol.
A ausência de competidores capitalizados para enfrentar as grandes das
telecomunicações é um fator fundamental para se compreender a disposição
apresentada pelas operadoras no leilão. Não se conseguiu vender nem todos os
lotes (dos seis, restam dois). Por que dar lances maiores se “tá tudo dominado”?
Todos bateram o pé para que esse processo não fosse feito assim. Exerceu-se,
assim, nada mais que o direito universal ao esperneio diante do Ministério das
Comunicações, que se fez de mouco. A discrepância entre as estimativas do
governo para o leilão e o seu resultado mostra o grau de segurança que devemos
ter diante da anunciada “consolidação da universalização da banda larga”, tão
comemorada pelo atual ministro.
O que fazer com o dinheiro?
Mesmo diante do fracasso da arrecadação do leilão, o recurso arrecadado poderia
ser utilizado para implementar uma política de democratização da comunicação.
Investir na comunicação pública, na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), no
fomento de ações independentes dos oligopólios de radiodifusão e
telecomunicação, no desenvolvimento de softwares livres etc. Propostas temos
muitas.
Todavia, o mais provável é que vejamos, mais uma vez, todo o recurso público
escorrendo pelo ralo sem fim do chamado superávit primário, que sangra o Brasil
em nome de uma dívida pública herdada e imposta ao país.