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Leia na Fonte: Blog Circuito de Luca / IDGNow!
[26/05/13]
Internet não é serviço de telecomunicações! Mas até quando? - por Cristina
de Luca
Uma coisa todo mundo concorda: o regulamento do Serviço de Comunicação
Multimídia precisava ser revisto. Foi. E, a princípio, o maior temor de todos os
que defendem a separação dos serviços de internet dos serviços de
telecomunicações foi afastado.
Ao redigir o novo regulamento, Marcelo Bechara, conselheiro da Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel) não cedeu às pressões da AGU e do Ministério das
Comunicações para extinguir a Norma 4, de 1995, que define a Internet como
Serviço de Valor Adicionado. Veja a argumentação da AGU e do Minicom.
Bechara justificou sua atitude de não revisar a Norma 4 alegando que além de
ainda existir um mercado de conexão à internet por linha discada (diminuto, é
verdade), muitos provedores SCM com os quais conversou eram favoráveis à sua
preservação e da separação dos serviços de telecomunicações e internet.
Desses provedores SCM Bechara ouviu que a possibilidade de conexão à Internet
pela própria operadora SCM não impede a manutenção de atividades exclusivamente
prestadas pelo provedor de acesso à Internet. “Alguns provedores de acesso
estão, inclusive, investindo no fornecimento de serviços diferenciados, já que a
oferta de e-mail, de disco virtual e a conexão à Internet passaram a ser
prestados por provedores de conteúdo e provedores de serviços de
telecomunicação”, explica Bechara.
De fato, com o avanço do protocolo IP e a oferta da banda larga, fixa e móvel, o
provisionamento e o fornecimento de endereçamento IP, servidor de DNS recursivo
e serviço de encaminhamento de pacotes, típicos do serviços de conexão à
internet, passaram a ser realizados pelos próprios prestadores SCM, as empresas
de TVs por assinatura e principalmente, as operadoras móveis (veja tabela
abaixo, onde PSCI é a sigla de provedor de conexão internet). Já o email e o
disco virtual passaram a ser oferecidos pelos provedores de conteúdo (Google,
Microsoft, etc) e serviços na nuvem (DropBox, Microsoft, Google).
Portanto, no entender do conselheiro da Anatel, com a revisão proposta para o
regulamento SCM os provedores de serviços internet “não deixam de agregar valor
às redes de SCM, mas evoluem no mesmo contexto de convergência tecnológica
apresentando novas aplicações a seus usuários”.
“Não mexi uma linha na Norma 4. A Internet continua um Serviço de Valor
Adicionado, que não precisa da outorga da Anatel. Qualquer um que quiser abrir
um provedor pode fazê-lo, sem pedir autorização ou qualquer tipo de licença para
a Anatel”, me disse Bechara, em entrevista por telefone.
Ou seja, algumas atividades que são parte do serviço de conexão à Internet no
Brasil, como no mundo, seguem o modelo de independência de licença de órgão
regulador.
O que mudou para o usuário final?
Na prática, deixa de ser obrigatória a contratação do provedor de conexão à
Internet (que chamamos de provedores de acesso) para praticamente todos os
provedores de acesso de banda larga via tecnologia xDSL (que aproveita os mesmos
fios de cobre trançados utilizados por linhas telefônicas digitais comuns
fornecidas pelas operadoras de telefonia fixa) e muitos dos provedores de acesso
à internet via rádio e via cabo.
A questão está no artigo 3º do novo regulamento, que define o que é Serviço de
Comunicação Multimídia. Ele passou a incluir as tarefas de roteamento,
armazenamento, e encaminhamento de informações, implementação de protocolos e
administração de conexões à internet, além das já tradicional “oferta de
capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia,
utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de
serviço”.
Qual o tamanho deste mercado? Difícil dizer. O país tem hoje 3943 provedores SCM,
presentes em várias regiões. Eram 62 em 2002, logo após a criação do serviço em
2001 e o número só faz crescer. Desse universo, uma dúzia de empresas (talvez
menos) possui mais de 50 mil clientes. “O novo regulamento vai facilitar a
criação de novas prestadoras SCM para operar em áreas não cobertas pelas grandes
operadoras e contribuir para a massificação da banda larga e a inclusão
digital”, advoga Bechara. Isso considerando que os SCMs atuem como provedores na
última milha em regiões onde as teles não chegam.
Já os provedores xDSL são responsáveis por mais de 12 milhões de conexões de
banda larga, segundo a última edição do Barômetro da Cisco (2º semestre de 2012
– gráfico). Mais de 80% a oferta de internet está nas mãos de apenas cinco
grupos econômicos. Pensou nas grandes operadoras? Bingo! Segundo projeções
feitas para o Plano Geral de Atualização da Regulamentação das Telecomunicações
(PGR), o SCM atingirá 40 milhões de acessos em 2018.
Pontos de atenção
Outra mudança _ essa nada favorável aos usuários _ é o fato de agora as
prestadoras SCM estarem autorizadas a recusar atendimento alegando restrições
técnicas e de capacidade da rede, segundo a nova redação proposta pelo
conselheiro Rodrigo Zerbone no inciso VII do artigo 47 do regulamento (voto
abaixo).
Zerbone é o mesmo conselheiro que reivindicou a inclusão de uma citação ao
princípio da neutralidade de rede no novo regulamento SCM.
A proposta inicial de Bechara era retirar a menção à neutralidade de rede, dada
a necessidade de amadurecimento da discussão sobre o tema pelo Congresso
Nacional. Mas Zerbone argumentou que por ser “inequívoco o poder-dever da Anatel
de regular e garantir o adequado uso das redes de telecomunicações pelos
prestadores de Serviço de Valor Adicionado (SVA), podendo ser necessária “a
atuação da Agencia em casos específicos de violação à neutralidade de rede,
ainda que não tenha uma definição do Congresso Nacional sobre o tema”, ele
deveria ser citado nas Disposições finais da seguinte forma: ” Art. 75. As
Prestadoras de Serviço de Comunicação Multimídia devem respeitar a neutralidade
de rede, conforme regulamentação, nos termos da legislação”.
Trocando em miúdos, a redação praticamente prepara o regulamento para uma
possível aprovação do Marco Civil no Congresso delegando ao poder executivo (ou
quiçá à própria Anatel, dependendo do poder do lobbies) a tarefa de regulamentar
as exceções ao princípio de neutralidade definido na lei.
E o que muda para as empresas?
Primeiro, o valor pago pela licença.
Agora, em vez de desembolsar R$ 9 mil apenas pela licença SCM, o empresário
interessado em aventurar-se nesse negócio pode, pelo mesmo valor (R$ 9 mil),
obter 3 licenças: além da licença SCM, também uma licença STFC (telefonia fixa)
e uma licença SeAC (TV por assinatura), para oferecer os chamados serviços
triple play (que combinam voz, dados e multimídia sob um único canal de
comunicação de banda larga). Ou R$ 400 só pela licença SCM para prestação do
serviço a nível local e estadual.
Ao rever os valores, a intenção dos conselheiros da Anatel foi a de fomentar o
surgimento de mais provedores SCM de pequeno e médio porte em nichos específicos
de mercado.
No mesmo modo, o novo regulamento procura incentivar micro prestadores (que
atendam a menos de 5 mil usuários), liberando-os de quaisquer obrigações, salvo
a guarda de logs. Como todos, eles também devem guardar os registros pelo prazo
de um ano, em consonância com o definido no Marco Civil, embora a Polícia
Federal tenha defendido a guarda por um período maior (3 anos).
Outra mudança importante atinge as empresas de TV por assinatura que são também
provedoras de conexão internet. Elas agora terão que obter uma outorga SCM, já
que o novo regulamento suspende a validade do Regulamento 199, de 1999, que
permitia às empresas de TV por assinatura oferecer a conexão internet sem a
necessidade da contratação de um provedor de conexão.
Além disso, “toda prestadora SCM que ofereça acesso à internet por meio de um
provedor de conexão internet (PSCI) de seu grupo econômico deverá disponibilizar
ao assinante, em todas as ofertas, a gratuidade pelo acesso à internet. Isso não
se aplica às prestadoras de pequeno porte (menos de 50 mil usuários)”.
A bronca da Abranet
A Anatel argumenta que o novo regulamento ajudará aumentar a geração de renda,
de empregos qualificados e de investimentos em infraestrutura, e reforçará a
proteção e a defesa dos consumidores e vão também contribuir na divulgação, na
comercialização e no atendimento ao usuário final.
Mas a Abranet, associação que reúne toda a cadeia econômica da Internet no
Brasil (provedores de acesso, de serviços e de conteúdo) contesta. Em nota
divulgada antes da reunião de conselho da agência reguladora que aprovou o
regulamento, a entidade afirma que ele significará a eliminação do tratamento
isonômico e o risco do desemprego de mais de 150 mil trabalhadores diretos e
indiretos do setor.
Na opinião da Abranet, unir o serviço de telecomunicações com a camada lógica
(internet) seria verticalizar ainda mais esse mercado em benefício das
operadoras.
“Fomos surpreendidos pelas notícias de que esse assunto entrou na pauta da
Anatel depois de ficar apenas 30 dias em consulta pública. Esse é um tema muito
sensível porque vai mexer com o mercado. Gostaríamos que a agência retomasse
essa discussão, antes da votação”, argumentou à COMPUTERWORLD Eduardo Parajo,
presidente do Conselho Consultivo da entidade.
Com a aprovação do regulamento pela Anatel, Parajo afirma que a Norma 4 se
tornará inócua.
Na opinião de Parajo, na prática, o novo regulamento dá às operadoras de telecom
o direito de prestar o Serviço de Valor Adicionado de internet, algo que é
realizado hoje pelos provedores. Ele observa que as teles já vêm explorando essa
atividade, mas que contam com uma empresa de internet ligada ao grupo para fazer
esse trabalho. São justamente essas SCM (com mais de 50 mil assinantes) que
passam a ser obrigadas pelo novo regulamento a não cobrarem mais pelo acesso
internet.
Compare
Na comparação do regulamento atual com o novo regulamento, alguns pontos chamam
atenção.
Foram incluídas diversas cláusulas favoráveis aos usuários no que diz respeito à
qualidade da prestação do serviço.
E dois textos importantes sumiram:
1 - o parágrafo único do Artigo 7º do regulamento em vigor, que diz que “a
Anatel deverá estabelecer regras que assegurem a utilização das redes de SCM
para suporte ao provimento de SVA, dispondo também sobre o relacionamento entre
provedores destes serviços e prestadoras do SCM, conforme previsto no § 2º do
art. 61 da Lei nº 9.472, de 1997″.
Menção ao princípio de neutralidade de rede, já que o artigo 61 da Lei Geral de
Telecomunicações é justamente o que atribui à Anatel a competência para regular
a relação entre as prestadoras de serviços de telecomunicações e as prestadoras
de serviço de valor adicionado, bem como as condições para o uso das redes de
telecomunicações por estes últimos.
2 – o artigo do antigo regulamento (o 50º) que proibia a prestadora de
“condicionar a oferta do SCM à aquisição de qualquer outro serviço ou
facilidade, oferecido por seu intermédio ou de suas coligadas, controladas ou
controladoras, ou condicionar vantagens ao assinante à compra de outras
aplicações ou de serviços adicionais ao SCM, ainda que prestados por terceiros”.
“O que ninguém explicou aos clientes finais é que eles vão pagar conta: com
todos os serviços nas mãos das empresas de telecomunicações e sem a obrigação de
isonomia e transparência, acaba a competição, e os preços ficam à mercê dos
monopolistas”, diz a nota da Abranet.
Será?
De imediato, acho que muitos consumidores e alguns pequenos SCM saem ganhando.
Mas e no longo prazo?