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Leia na Fonte: Observatório da Imprensa
[18/10/11]
Quem (de fato) ganha com a Lei 12.485? - por Venício A. de Lima
Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da
UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações –
História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011
Reproduzido da Agência Carta Maior, 14/10/2011; intertítulos do OI
“Mudanças na regulação das comunicações são
necessárias, mas precisam ser realistas, sem contaminações ideológicas
dirigistas. Um bom exemplo é o PL 116, que regula o mercado de TV por
assinatura. Após longa negociação entre todos os interessados, o projeto foi
aprovado em instância final no Senado”(editorial, O Globo, 22/9/2011).
No dia 12 de outubro, completou-se um mês que a presidenta Dilma Roussef
sancionou o PLC 116 (antigo PL 29) e o transformou na Lei n. 12.485 que “dispõe
sobre a comunicação audiovisual de acesso condicionado”. Trata-se de uma lei
complexa que, depois de longa tramitação no Congresso Nacional, iniciada ainda
em 2007, havia sido aprovada no Senado Federal no dia 16 de agosto.
Muito já foi dito e escrito sobre o tema. Especialistas comprometidos com a
democratização das comunicações têm elogiado a Lei e até mesmo afirmado que
aqueles que não a celebram “ainda não entenderam as mudanças que ocorrem no
mundo e vivem no passado”. Todavia, dúvidas importantes persistem, o debate
continua necessário e algumas questões não podem ser ignoradas, inclusive a
relação da Lei com o inadiável marco regulatório para as comunicações.
Para se compreender algumas questões polêmicas
1. Um dos objetivos da Lei 12.485 é unificar a legislação sobre a TV paga,
independente da tecnologia utilizada. Até aqui existiam legislação e/ou
regulamentos diferentes - e até mesmo conflitantes - para as diferentes
modalidades, isto é, cabo ótico; satélite (Direct-to-Home ou DTH) e micro-ondas
(Multipoint Microwave Distribution Services ou MMDS).
2. A nova Lei, libera completamente a participação do capital estrangeiro antes
permitido para as operadoras por DTH e MMDS e apenas limitado no cabo (a 49%). A
justificativa é estimular a competição e, segundo defensores da Lei, oferecer
“novas opções de conteúdo audiovisual de qualidade e melhores serviços, por
menores preços”.
Esse é o primeiro ponto polêmico. Brechas na regulação anterior já
possibilitavam a presença do capital estrangeiro em proporções maiores do que a
nominalmente permitida na TV a cabo. Além disso, como se trata de um setor
estratégico, não deveria haver algum tipo de proteção ao capital nacional?
Haverá incentivo real à competição permitindo-se a entrada no mercado das teles
que são oligopólios globais? Pode-se falar em competição quando ela ocorre entre
uns poucos oligopólios? Os preços dos serviços atualmente oferecidos por estes
oligopólios (telefonia fixa e móvel) não estão entre os mais elevados do
planeta?
3. Defensores da Lei destacam a distinção que ela estabelece entre os diferentes
elos da “cadeia produtiva” da TV paga, vale dizer: produção, programação,
empacotamento e distribuição. É a primeira vez que isso acontece no Brasil e,
diz-se, o futuro aponta para a necessidade de se separar a regulação da
distribuição daquela da produção de conteúdos audiovisuais. Alega-se, por
exemplo, que na América do Norte, em alguns países da Europa e na nossa vizinha
Argentina, a TV paga já supera a TV aberta. Esse é outro ponto polêmico.
A TV “consumida” por mais de 80% da população
Os
últimos dados disponibilizados pela Anatel indicam que, em agosto de 2011, a
TV paga chegava a 11,6 milhões de domicílios, ou seja, a 38,3 milhões de
brasileiros ou cerca de 20% do total da população. A densidade (assinantes por
100 domicílios) média dos serviços de TV Paga é de 19,4, mas treze estados estão
abaixo dela e há unidades da federação, como o Piauí, onde a densidade é de
apenas 4,3. Ademais, em cada 100 TVs pagas ligadas nos oito principais mercados
brasileiros, mais de 60 sintonizam os canais de TV aberta na maior parte do
tempo [agosto
de 2011]. Não nos esqueçamos, todavia, que o mercado de TV paga não é nada
desprezível. Em 2010, seu faturamento bruto atingiu R$ 1,011 bilhão. Isso
representou cerca de 4% do total da verba destinada à publicidade no país
(Projeto Inter-Meios).
Supondo que a TV paga, de fato, seja o destino pré-determinado para a maioria da
população brasileira, consideradas as imensas diferenças de renda ainda
existentes no país, em quanto tempo teríamos aqui uma situação semelhante, por
exemplo, à Argentina (cerca de 50% da população)? Não conheço (e não encontrei)
as projeções da indústria, mas suponho que ainda vá demorar, se é que vai
acontecer.
Se este raciocínio estiver correto, não faz sentido celebrar uma Lei por efeitos
que ela ainda não pode ter no que se refere à TV “consumida” por mais de 80% da
população (sem incluir aqueles muitos que a assistem na TV paga). De fato, a Lei
12.485 não se aplica à TV aberta (salvo, por óbvio, nas referências, diretas
e/ou indiretas, que a ela se faz no texto legal).
Regra funciona como reserva de mercado
Pela Lei 12.485, as empresas radiodifusoras, produtoras e programadoras não
podem atuar diretamente na distribuição de conteúdos da TV Paga, mas podem
controlar até 50% do capital das prestadoras de serviços de telecomunicações. Já
essas últimas, não podem prestar serviços de radiodifusão de sons e imagens,
produção e programação, e sua participação em empresas com essas finalidades
está limitada a 30%.
Alguns estão fazendo uma leitura dessa norma como se ela fosse um bem-vindo
primeiro controle da “propriedade cruzada” na mídia brasileira. Na prática,
todavia, ela significa, por exemplo, que a TV Globo (aberta) continuará
produzindo e distribuindo conteúdo e também continuará sócia [em até 50%] da SKY
(americana) e da NET (mexicana). Já a Telefónica de Espanha, por exemplo, não
poderá produzir conteúdo e se quiser ser sócia de uma empresa de radiodifusão
estará limitada a 30%.
Quem se beneficia com essa regra até o hipotético dia em que a TV paga
ultrapassar a TV aberta no país? Na verdade, a regra funciona como reserva de
mercado da produção e distribuição de conteúdo na TV aberta para as atuais
empresas de radiodifusão.
As “disposições retrógradas” da lei
E mais. A lógica do capital levará, mais cedo ou mais tarde, às empresas de
telefonia a pressionar pela sua entrada também na produção de conteúdo. Ou farão
isso “de fora prá dentro”, isto é, produzirão em estúdios em outros países e
distribuirão aqui (o que a Lei não impede). Neste caso, voltaríamos à questão do
item 1, acima: não seria o caso de se proteger a “indústria” audiovisual
brasileira?
4. A vigência dos artigos 16º ao 18º do Capítulo V que trata de proteção “Do
Conteúdo Brasileiro” está limitada (1) pelo artigo 21º que contempla o
relaxamento das normas, a critério da Anatel, diante de “comprovada
impossibilidade de cumprimento”; e (2) pelo artigo 41º que prevê o término da
vigência doze anos a partir da promulgação da Lei. Vale dizer, a partir de
setembro de 2023, não mais valerão as exigências, por exemplo, de: três horas e
meia de programação nacional por semana no horário nobre; em cada três canais
dos “pacotes” comercializados, um terá que ser brasileiro; ou metade do conteúdo
nacional terá de ser de produção audiovisual independente.
5. A Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM) solicitou à
presidenta Dilma o veto dos parágrafos 1º, 5º, 7º e 8º do artigo 32 da Lei. Por
quê? Eles vedam “a veiculação remunerada de anúncios e outras práticas que
configurem comercialização de seus intervalos, assim como a transmissão de
publicidade comercial” e preveem que “em caso de inviabilidade técnica ou
econômica”, a critério da Anatel, as operadoras fiquem desobrigadas de
transmitir os chamados “canais públicos de utilização gratuita”, isto é,
comunitários, legislativos, universitários, educativos, culturais, dentre
outros.
A presidenta Dilma não atendeu à solicitação da ABCCOM.
6. Para alguns “liberais” que repudiam qualquer tipo de interferência do Estado,
as “disposições retrógradas” da lei – válidas apenas para os próximos 12 anos! –
são: (1) o estabelecimento de cotas para produtores nacionais (inexpressivas
3h30 por semana quando se considera que no 1º substitutivo do projeto original
previa-se exatamente o dobro deste tempo e/ou quando se compara aos 50% exigidos
em países da Europa); e (2) o papel atribuído à Ancine que expedirá os
certificados de produção nacional ou independente para o que de fato merecer
essa classificação.
Lições possíveis
Vale registrar que não só o senso comum, mas também teorias vigentes na Ciência
Política, nos ensinam que uma das melhores maneiras de se identificar os
interesses em jogo em determinada decisão é verificar como se manifestam sobre
ela os principais atores envolvidos.
A epígrafe deste artigo aparece em editorial do jornal O Globo que começa
elogiando as privatizações do governo FHC; desqualifica os “governos populistas”
da Venezuela, da Bolívia, do Equador e da Argentina pelas “experiências
desastrosas” no campo das comunicações; condena as propostas da 1ª Confecom; e,
por fim, elogia a aprovação do PLC 116, considerado “realista” e livre de
“contaminações ideológicas dirigistas”. Não estaria aí uma boa indicação de
alguns interesses que estão sendo atendidos e de quem (de fato) ganha com a Lei
12.485?
Por fim, não podemos nos esquecer
(1) que o critério fundamental para avaliação de qualquer legislação aplicável
ao setor de comunicações deve ser sempre se ela possibilita o aumento da
participação de mais e diferentes vozes no debate público; e
(2) que a Lei 12.482 regula um setor importante, mas relativamente pequeno, do
enorme campo que deverá ser abrangido por um marco regulatório voltado para a
positivação do direito à comunicação no Brasil.
A ver.