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Leia na Fonte: Tele.Síntese
[13/03/13]
Recondução de Rangel à presidência da Ancine recebe ataques de servidores da
agência
Em carta aprovada em assembléia, servidores afirmam que haveria uma articulação
pelo terceiro mandato, o que poderia comprometer independência, autonomia,
transparência e eficiência
Os servidores da Agência Nacional de Cinema (Ancine) realizaram assembléia na
terça-feira (12) e aprovaram - com 58 votos a favor, três abstenções e nenhum
voto contrário - uma carta rejeitando uma articulação do governo para reconduzir
Manoel Rangel para seu terceiro mandato como presidente. Segundo a carta da
Associação dos Servidores da Ancine (Aspac) a segunda recondução "contraria as
boas práticas regulatórias e representa uma séria ameaça de captura
governamental da Agência, comprometendo sua independência, autonomia,
transparência e eficiência, independentemente dos avanços e conquistas da Ancine
sob a gestão do atual diretor-presidente".
A entidade afirma que, se confirmado o terceiro mandato de Rangel, "a Ancine
corre o risco de deixar de ser uma Agência Reguladora para se tornar uma Agência
de Governo, com os interesses específicos de um governo ou de um partido
político se sobrepondo à autonomia política, administrativa e financeira
prevista em lei".
A Ancine tem atualmente cerca de 200 servidores, após a contratação de 80 há
poucos meses. Manoel Rangel foi uma das figuras importantes para a aprovação e
regulamentação da nova lei de TV paga no Brasil, chamada Lei de Serviço de
Acesso Condicionado (SeAC), que permitiu a entrada das empresas de
telecomunicações no setor para promover a concorrência e, entre outras coisas,
garantiu cotas de conteúdo nacional na programação e cotas para programadoras
nacionais. O setor de Tv paga cresceu 27% em 2012.
Leia a carta na íntegra:
Com a proximidade do final do segundo mandato do diretor-presidente da Agência
Nacional do Cinema (Ancine) aumenta a preocupação dos servidores efetivos com a
possibilidade de uma nova recondução. Declaração recente da ministra da Cultura
Marta Suplicy sugere que não se trata apenas de boato ou especulação, mas de uma
efetiva articulação para garantir um terceiro mandato, o que, no entendimento da
Associação de Servidores da ANCINE (ASPAC), contraria as boas práticas
regulatórias e representa uma séria ameaça de captura governamental da Agência,
comprometendo sua independência, autonomia, transparência e eficiência,
independentemente dos avanços e conquistas da ANCINE sob a gestão do atual
diretor-presidente.
Ainda que não haja na Medida Provisória 2228-1/2001, que criou a ANCINE, vedação
expressa a uma segunda recondução, tampouco ela está autorizada, conclusão a que
só se pode chegar por uma leitura casuística de uma lacuna da regra.
Considerando que todos os artigos da referida MP referentes à Diretoria
enfatizam o princípio da alternância no poder como essencial para o bom
desempenho da Agência (como a previsão de mandatos fixos e não-coincidentes e o
próprio modelo colegiado); considerando, também, que os marcos legais da maioria
das Agências Reguladoras Federais vedam o terceiro mandato, conclui-se que, no
caso da MP 2228-1, tratou-se de um descuido do legislador.
Não fosse assim, não haveria por que, no Projeto de Lei 3337/2004, atualmente em
tramitação no Congresso Nacional (“Lei das Agências Reguladoras”) a única
referência nominal à ANCINE, em seu Artigo 28, tratar justamente da
impossibilidade de uma segunda recondução (grifo nosso):
Art. 28. O § 2o do art. 8o da Medida Provisória no 2.228-1, de 2001, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“§ 2o O Diretor-Presidente da ANCINE será nomeado pelo Presidente da República,
e investido na função pelo prazo de quatro anos, admitida uma única recondução
por igual período, observado o disposto no art. 5o da Lei no 9.986, de 18 de
julho de 2000.”
Como se não bastasse, o princípio é reforçado em 4 artigos do capítulo V do PL
3337 para as demais Agências Reguladoras e especificamente no art. 26 para
alterar a Lei 9986 de julho de 2000 que dispõe sobre a gestão de recursos
humanos das Agências Reguladoras: (grifos nossos):
Art. 26. A Lei no 9.986, de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 6º O mandato dos Conselheiros e dos Diretores das Agências Reguladoras
será de quatro anos, admitida uma única recondução.
É importante ressaltar que a ausência formal de limites à recondução na ANCINE –
que possibilitaria a permanência ad eternum dos seus diretores – não guarda
simetria constitucional com o processo político brasileiro, dado que o instituto
da reeleição (recondução) de dirigentes político-executivos está condicionado a
apenas uma reeleição, ainda que passe pelo exame periódico das urnas, tal e qual
os dirigentes reconduzidos nas Agências passam pelo exame da sabatina no Senado.
O fundamento de base é garantir o acesso a novas visões e evitar o risco dos
vícios da permanência prolongada no poder.
O risco de um terceiro mandato acontece num momento em que as Agências
Reguladoras federais lutam para afirmar sua importância e autonomia como órgãos
de Estado, apesar das crescentes pressões para enquadrá-las como meras
executoras de políticas passageiras de Governos. Não é outro o sentido do
recente Acórdão 2261/2011 do Tribunal de Contas da União – TCU, resultante dos
trabalhos de auditoria realizada nas Agências Reguladoras de infra-estrutura
(ANA, ANAC, ANAC, ANEEL, ANATEL, ANTAQ, ANTT e ANP), que incluiu várias
recomendações que reforçam a importância de se preservar a autonomia das
Agências, entre as quais:
“9.7 recomendar ao Senado Federal que estude a viabilidade de se adotar rotina
mais rigorosa na avaliação dos candidatos aos cargos de direção das agências
reguladoras;
9.8.5. caracterização das agências em órgãos setoriais, desvinculando seus
orçamentos dos respectivos ministérios vinculadores;
9.8.6. estabelecimento de requisitos mínimos de transparência do processo
decisório das agências, tendo por parâmetro os procedimentos adotados pela
Agência Nacional de Energia Elétrica;
Em relação especificamente à recondução de dirigentes, no relatório que instruiu
o referido Acórdão, encontramos os seguintes itens (grifos nossos):
“119. As agências reguladoras deverão ter suas atividades resguardadas de
eventuais interferências políticas indevidas. Referidas interferências podem
prejudicar a autonomia decisória dos entes reguladores ao comprometer a
neutralidade das decisões regulatórias. Nesse sentido, a possibilidade de
recondução dos dirigentes é arriscada, pois pode incentivar o dirigente a
aceitar pressões do governo no intuito de permanecer no cargo.
120. No entendimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
– OCDE (2008), o cancelamento da possibilidade de renomeação dos dirigentes das
agências reguladoras tenderia a reforçar a sua autonomia, limitando o risco de
captura por recondução.
123. Ante o exposto, entende-se que a vedação da possibilidade do instituto da
recondução mitigaria o risco eventual de que os dirigentes das agências tomem
decisões injustificadas, visando somente à recondução ao cargo.
Verifica-se, assim, que a lógica da alternância é um fundamento principiológico
da própria constituição das Agências. Ela se concretiza na existência de
mandatos não coincidentes dos membros do seu colegiado, o que permite que os
diferentes governos eleitos possam indicar seus dirigentes, coexistindo no
colegiado a saudável pluralidade de opiniões, essencial à construção das ações
regulatórias, que devem possuir múltiplas visões, ponderar custos e benefícios e
harmonizar interesses entre agentes econômicos, poder público e sociedade. O
contraditório é fator determinante à regulação saudável; o hermetismo e
unicidade de visões representa a falência institucional do modelo regulatório
republicano.
A Associação de Servidores da ANCINE – ASPAC entende que, a se confirmar o
terceiro mandato, A ANCINE corre o risco de deixar de ser uma Agência Reguladora
para se tornar uma Agência de Governo, com os interesses específicos de um
governo ou de um partido político se sobrepondo à autonomia política,
administrativa e financeira prevista em lei, alicerce sem o qual todo o modelo
das Agências perde o sentido. Pelo risco que possa representar esse precedente,
não só para a ANCINE mas para toda a regulação brasileira, a ASPAC repudia
qualquer projeto de uma segunda recondução de diretor da ANCINE e de outros
diretores nas Agências Reguladoras.