Dois atos do governo federal, no início deste mês, modificaram o cenário da
conexão em banda larga no Brasil. O primeiro foi o decreto 6.424, publicado
no Diário Oficial no dia 7 de abril, que altera metas do Plano Geral de
Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado (PGMU) e
obriga as operadoras de telecomunicações a levar backhauls de banda larga
até a "porta" de todas as cidades brasileiras até 2010.
O segundo foi um acordo firmado entre as teles e o Ministério das
Comunicações (Minicom), segundo o qual as empresas se comprometem a levar
acesso em banda larga a mais de 56 mil escolas públicas. Isto possibilitou
que o Minicom lançasse, no dia 8, o programa Banda Larga nas Escolas, que
pretende beneficiar 84% dos estudantes do ensino básico do País.
Os atos geraram reação imediata de entidades que representam, juntas, 1.700
provedores independentes. Elas reclamam a inconstitucionalidade de certas
partes do acordo, por considerarem que propiciam o monopólio. "Gostaria de
mandar um alerta à sociedade: estamos vendo o monopólio da internet no
Brasil aproximando-se", afirma Eduardo Parajo, presidente da Associação
Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet
(Abranet), que congrega 300 provedores independentes.
Ricardo Sanchez, presidente da Associação Brasileira de Pequenos Provedores
de Internet e Telecomunicações (Abrapitt), diz que o resultado do decreto e
do acordo entre as teles e o Minicom contraria o artigo 170 da Constituição,
que estabelece "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração
no país". "A troca não encontra suporte legal. Banda larga nas escolas todos
nós queremos, mas não às custas de troca da obrigação de universalização e
proporcionando mais concentração de mercado", opina Sanchez.
O Ministério das Comunicações informou, por meio de sua assessoria de
imprensa, que "o ministro Helio Costa vem defendendo publicamente que a
última milha seja feita pelos pequenos provedores. Com a banda larga
chegando pelo backhaul das operadoras a 100% dos municípios, quem ganha são
os provedores."
Parajo se disse surpreso, no entanto, com a publicação do decreto e do
acordo, pois um conjunto de associações de provedores – entre elas a Abranet,
a Abrapitt, a InternetSul, etc. vinha mantendo contato e estabelecendo
negociações com a Casa Civil e o Minicom para criar um modelo de negócios
que incluísse todos os setores.
"Desde o ano passado, vínhamos acompanhando o assunto e começamos a procurar
pessoas do governo, para estar dentro do processo. Em janeiro, fizemos uma
reunião com mais de 25 pessoas de vários ministérios, na qual apresentamos
nossa proposta. Ficaram faltando apenas detalhes jurídicos, que logo
acertamos, e propusemos uma nova reunião. Não obtivemos resposta", diz o
presidente da Abranet, Eduardo Parajo.
"Ficamos muito surpresos de simplesmente termos sido ignorados na proposta
que havíamos feito, e de o governo ter dado a função às operadoras, que já
são monopolistas", completa.
Lacunas e falta de clareza
Para Newton Scartezini, consultor na área de telecomunicações e de inclusão
digital, o decreto - dentre os dois atos, o único com força de lei - tem
diversas lacunas. Ele considera positiva a troca da obrigação de instalar
PSTs pela de instalar backhauls. No entanto, aponta que o texto não define
nada especificamente sobre acesso. "Isso é um problema: se tiver rede
disponível, mas não tiver acesso, não adianta muita coisa", diz.
De fato, o decreto apenas obriga as teles a "instalar backhaul nas sedes dos
municípios e localidades ainda não atendidos, em suas respectivas áreas
geográficas de concessão", estabelecendo o prazo de 31 de dezembro de 2010
para que a totalidade das cidades esteja atendida. Até final de 2008, no
mínimo 40% dos municípios já deverão estar com backhaul; até 31 de dezembro
de 2009, 80%.
"O decreto também não fala nada sobre um ponto crucial: quem pagará a conta
do acesso? São as teles? É o governo federal? A obrigação é disponibilizar o
acesso, mas não está dizendo se é gratuito. Se não é, quem paga?", questiona
Scartezini.
Segundo ele, deveria ser utilizado para este fim, especialmente nas
localidades mais pobres, o Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (Fust). Criado em agosto de 2000, ele já acumula mais de R$
6 bilhões, que não vêm sendo usados. "É para isso que existe o Fust, para o
tal atendimento social das entidades que não têm como pagar a conta",
defende o consultor.
Franklin Coelho, consultor em inclusão digital e coordenador do projeto do
governo fluminense de Cidades Digitais, concorda que alguns pontos não estão
claros no decreto. "Há um conjunto de questões que precisam ser
esclarecidas."
Ele reconhece que o decreto e o acordo do Minicom com as teles são um
"avanço em termos de caminhos de expansão do acesso e apontam a
possibilidade de chegar aos municípios uma banda maior". Mas defende: "Para
haver efetivamente em universalização do acesso, temos que pensar não só no
acesso nas escolas, mas também nos domicílios."
Coelho detalha algumas das questões que os dois atos podem suscitar: "Será
possível abrir sinal para além das escolas? Está prevista alguma coisa de
redução no custo do link comercial? Há planos para fazer o sinal chegar aos
municípios?". Fica para o governo federal a tarefa de responder a estas e às
demais perguntas.