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Fonte: Portal da Band
- Colunas
[24/10/11]
Toma que o filho é teu - por Mariana Mazza
Imaginem que os pais de uma criança adotada são chamados pela diretora da escola
porque o menino aprontou no colégio. E esses pais rebatem a diretora dizendo que
o problema não é deles, mas sim dos pais biológicos. Situação absurda, não? Pois
é mais ou menos o que a Anatel está tentando fazer o mundo acreditar sobre a
briga dos bens reversíveis.
Os bens reversíveis são todos os equipamentos, imóveis e contratos necessários
para prestar o serviço de telefonia fixa. A maior parte deles foi adquirida na
época em que a Telebrás controlava a oferta, ou seja, com dinheiro público. A
briga sobre o tema é que as concessionárias começaram a transferir esses bens,
inclusive as redes usadas para transportar os serviços de telecomunicações, para
outras empresas, às vezes do mesmo grupo econômico, sem qualquer aval ou
controle por parte da Anatel. Isso coloca em risco o funcionamento dos serviços
telefônicos quando as concessões terminarem, em 2025.
O assunto virou tema de uma ação na Justiça, movida pela entidade de defesa do
consumidor ProTeste. E ganhou como aliado o Ministério Público Federal que, no
início deste mês, produziu parecer criticando a postura da Anatel no caso.
Pela lei, a Anatel não só deve controlar os bens, como fiscalizar a gestão desse
material pelas empresas. O motivo é muito simples: em 14 anos, esse patrimônio
será devolvido à União, independente da propriedade ser das concessionárias. Em
outras palavras, trata-se de um patrimônio público que, no momento, está sob a
posse das empresas privadas. Mas a Anatel quer fazer crer que ela não tem nada a
ver com isso. Por quê? Porque não foi ela quem fez a lista dos bens reversíveis.
Esses equipamentos teriam sido listados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) no processo de preparação para o leilão de
privatização. Daí o exemplo dos pais adotivos. A Anatel quer nos levar a crer
que, como ela não deu a luz à criança, o problema não é dela. Mas é. A Lei Geral
de Telecomunicações diz que é ela, sim, a responsável pelo controle dessa lista.
E, se ela não tinha o documento, deveria ter providenciado um meio de
consegui-lo. Afinal, foi ela quem assinou os contratos de concessão, em nome da
União.
Passados 14 anos da privatização (pelo visto, sem a lista), a Anatel argumentou
em sua defesa na Justiça que só o BNDES é responsável pela relação. À Anatel
cabe apenas saber a categoria dos equipamentos. Mas quantos são, aonde estão e
como estão sendo usados não é problema dela, mas da empresa. No fim, a impressão
que a agência passa é que é impossível saber quais são estes bens de forma
detalhada atualmente.
Pois eu tenho boas notícias para a Anatel. Se ela não sabe como reconstruir a
lista, a ProTeste pode dar uma ajudinha. A entidade possui nada menos do que 669
documentos que reúnem escrituras de imóveis e bens adquiridos pela Telebrás e
que foram transferidos para as empresas. O patrimônio retratado nos documentos é
bilionário.
Há meses este material está sendo analisado e posso adiantar que as teles não
pouparam imaginação para dar um jeitinho de ficar com os bens para sempre. Se a
agência estiver curiosa, basta procurar o Arquivo Nacional, onde está registrado
o patrimônio da finada Telebrás. Está tudo lá.
Público X Privado
Outra armadilha usada pela Anatel para tentar desqualificar a discussão é o
debate sobre a propriedade desses bens. Hoje, esse patrimônio está sob a posse
das teles. A Anatel gosta de tratar posse e propriedade como se fosse a mesma
coisa. Não são.
Cito a própria Anatel. "O bem reversível integra o patrimônio da concessionária
pertencente ao grupo econômico vencedor do leilão de desestatização. Resta
sublinhar que o direito de propriedade desses bens indispensáveis à continuidade
do serviço público, no entanto, é mitigado durante a vigência contratual,
podendo ser resolúvel com a extinção da concessão". Traduzindo, os bens hoje
estão sob a posse dessa empresas privadas (fazem parte do patrimônio do grupo),
mas a propriedade pode ser retirada das empresas (e será) quando a concessão
acabar.
Para conhecer a íntegra da ação movida pela ProTeste clique aqui
O trecho citado é de uma nota técnica da Anatel de 26 de julho deste ano, mas a
frase também foi reproduzida na defesa feita pela agência na Justiça para tentar
argumentar que os bens reversíveis não são públicos, mas sim privados e,
portanto, só interessam às teles. De fato, eles "estão" sob a posse das empresas
privadas. Mas o assunto interessa a todos porque se esse patrimônio não for
repassado à União, os telefones irão parar de funcionar em 2025. Simples assim.
Então, não importa de quem é a propriedade neste momento e nem é isso que está
sendo discutido na Justiça pela ProTeste. O problema é o amanhã. É se os nossos
telefones funcionarão ou não sem esses bens. E o que a entidade quer é que a
Anatel cumpra a sua obrigação de zelar pela continuidade do serviço. A ação
também procura esclarecer quais redes são públicas afinal e assegurar que exista
o compartilhamento dessa infraestrutura, o que beneficia a sociedade brasileira.
Não me parece pedir demais. Aliás, o maior interessado em defender as redes
públicas deveria ser o Ministério das Comunicações, para garantir o sucesso do
Plano Nacional de Banda Larga e, enfim, promovermos a inclusão digital no
Brasil.
Agora, mesmo que a discussão aqui não seja quem comprou o bem, sabemos muito bem
quem pagou por ele. Fomos nós, por meio de impostos e das tarifas telefônicas.
Sendo assim, o mínimo que se espera é que a Anatel controle o patrimônio
adquirido com dinheiro do cidadão e do consumidor dos serviços telefônicos. Não
importa quem gerou a criança. Agora o filho é da Anatel.