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Colunas
[09/10/12]
12 anos antes, governo quer acabar com as concessões - por Mariana Mazza
Existem momentos na vida em que a gente prefere estar enganado mas,
infelizmente, não está. Nesta terça-feira, após ler várias matérias sobre a
apresentação do presidente da Anatel na Futurecom o maior evento de
telecomunicações do país fui obrigada a encarar essa realidade. No dia 28 de
setembro escrevi sobre os riscos do processo de verticalização completa do setor
de telecomunicações, inaugurado pela unificação de CPNJ das empresas do grupo
paranaense Sercomtel. Conclui o texto lembrando de uma conversa que tive com um
executivo das teles, anos atrás, sobre os planos das empresas de devolver as
concessões bem antes da data final do contrato, em 2025. E que todo esse
movimento associado ao CNPJ único podia ser o primeiro passo para que esse plano
fosse levado a cabo. Pois saibam que é isto mesmo que está acontecendo.
Como as teles sequer precisam mais se dar ao trabalho de expor suas ideias já
que elas e o governo têm tido um alinhamento ideológico impressionante , a
notícia foi dada por João Rezende. O presidente da Anatel defendeu que o governo
comece a partir do ano que vem uma reforma no modelo das telecomunicações,
eliminando as concessões públicas e, com isso, enterrando para sempre temas
importantes para a sociedade como os bens reversíveis e a universalização dos
serviços públicos. Rezende admitiu que a Anatel não tem nada a ver com isso
afinal, uma mudança de marco legal só pode ser feita pelo Congresso Nacional -,
mas ainda assim passou o recado.
Na visão da Anatel, o mundo será bem melhor sem um serviço público. Pode uma
coisa dessas? Usando a tática de sempre, o presidente da agência usou a falta de
ação do governo para justificar a nova maldade. Segundo Rezende, os acessos de
telefonia fixa têm caído até 10% ao ano. Esse desinteresse da população teria o
poder de desvalorizar a rede usada para a prestação do serviço. E, ai, seguindo
a lógica peculiar da Anatel, naturalmente a telefonia fixa deveria morrer como
um serviço universal e os bens reversíveis, extintos. Aceitaria o argumento se
ele tivesse saído da boca de um executivo, mas de um agente regulador, jamais.
Realmente a telefonia fixa está minguando a cada ano. O motivo é muito simples:
quem vai pagar uma assinatura básica de R$ 45, em média, se pode ter um celular
pré-pago? Da parte das empresas, é compreensível não querer investir nesse
serviço. Mas vamos falar francamente. Sem o devido estímulo, as empresas sempre
investirão o mínimo em um serviço público. A meta de uma empresa privada é
lucrar e não investir. Se para aumentar o lucro, os aportes precisam ser
cortados, sob pena de prejudicar a qualidade do serviço, nenhum conselho de
administração se furtará em aprovar a tesourada. Vide a baixíssima qualidade da
telefonia móvel serviço que vai muito bem, na visão da Anatel, apesar de a
própria agência admitir que a prestação é péssima. Mas a telefonia móvel não tem
tarifa, metas de universalização ou briga por bens reversíveis, que tanto
infernizam a Anatel. Não importa tirar a única garantia de comunicação prevista
na lei para o consumidor. Se for pra tornar a vida da Anatel mais fácil, vamos
matar a telefonia fixa.
É inacreditável que a agência reguladora use a queda no tráfego da telefonia
como álibi para que as concessionárias parem de investir na rede. Basta lembrar
que uma parte considerável dessa infraestrutura fixa é usada para carregar os
dados que circulam na oferta de Internet. Mesmo que a banda larga não existisse,
as concessionárias assinaram contratos onde se comprometeram a manter essa rede
atualizada. E não me lembro de nenhum artigo dizendo que, se ninguém usar o
telefone fixo, elas podem sucatear a rede.
O argumento de Rezende não é uma justificativa, mas sim um aval. Não é um
eventual sucateamento da rede que justifica o fim dos contratos e dos bens
reversíveis, porque os contratos não permitem que as empresas façam isso. É a
insistente postura do governo em eliminar o serviço público que permite às
empresas não investir. No fim elas sabem que tudo será resolvido em uma
canetada.
Se a Anatel está vislumbrando uma queda no investimento das empresas na rede
fixa, por que a agência reguladora não pune as concessionárias? Isso é quebra de
contrato e, sendo a agência a gestora da concessão, nada mais normal do que
processar as companhias que estiverem descumprindo o que foi acordado. Se as
pessoas estão deixando de ter um telefone fixo em casa, por que a agência
reguladora não toma medidas para tornar esse serviço mais atrativo? Tem muita
gente comprando banda larga por ai que, na prática, tem conexão semelhante a de
uma linha discada. Se é pra navegar no dial up, vamos dar o direito ao
brasileiro de pagar uma conta só, a do telefone fixo.
É óbvio que sou favorável a que todos os brasileiros tenham acesso à banda larga
barata, veloz e de qualidade. Mas também é desejável que os consumidores que
quiserem a comodidade de ter um telefone fixo em casa possam pagar por esta
linha. Tudo tem que caber no bolso e não só os serviços que a Anatel elegeu como
os bons.
O conceito de serviço público é uma das coisas mais nobres incluídas na Lei
Geral de Telecomunicação (LGT). Mais do que meras palavras, a ideia de um
serviço público inclui princípios muito importantes para a sociedade, como a
continuidade (a oferta não pode ser interrompida), a modicidade (a procura pela
menor tarifa) e a universalização (todos devem ter acesso ao serviço). Se o
plano externado por Rezende for levado adiante, a população pode dar adeus a
essas garantias. As metas de universalização serão trocadas por compromissos de
abrangência, onde a companhia assume a responsabilidade de cobrir uma certa área
geográfica ou atender a um número específico de pessoas, mas nada de todo mundo
ter o direito ao serviço. Se a oferta for interrompida, as penas são mais leves,
afinal, não há como cobrar da companhias a prestação ininterrupta no mercado
privado. Por fim, a modicidade tarifária deixa de existir pelo simples fato de
que não haverá mais tarifa e sim preço, acertado livremente pela empresa
privada. Aos agentes públicos só restará coibir abusos extremos, como o dumping.
É difícil aceitar que um agente público pior, um agente regulador defenda o fim
do serviço público sem substituí-lo por nada e com argumentos tão superficiais.
A coincidência entre os planos do governo e os interesses das empresas tem sido
efusivamente comemorada pelos executivos das teles. Enquanto o presidente da
Anatel falava sobre seus planos para o setor, o ministro das Comunicações, Paulo
Bernardo, ganhava o prêmio de Homem do Ano das Telecomunicações. Obviamente, o
prêmio foi entregue pelas grandes empresas representadas na associação das
teles, a Telebrasil, na Abinee e na organização da Futurecom. O presidente da
Telebrasil que também preside a Telefônica elogiou a coragem de Bernardo ao
entregar o prêmio. O senhor tem tido a coragem e o discernimento para tratar de
questões que são sensíveis e delicadas. E não tem se furtado a levar essa
discussão à sociedade brasileira, sempre com muita transparência, afirmou
Antônio Carlos Valente. Realmente é preciso de muita coragem para apoiar
reformas que irão soterrar os pilares que ainda protegem, mesmo que fragilmente,
a sociedade brasileira no setor de telecomunicações. E não custa lembrar que,
quando Bernardo assumiu o Ministério das Comunicações uma de suas primeiras
declarações foi de que ele seria o ministro das teles.
Apesar da perspectiva sombria que as palavras do presidente da Anatel apontam,
ainda é possível vislumbrar um efeito positivo disso tudo. Se o governo
completar essa reforma legal, talvez os parlamentares percebam que a Anatel não
terá utilidade alguma neste novo cenário de liberalismo total.