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Leia na Fonte: Portal da Band / Colunas
[21/09/12]
Após 14 anos, Anatel torna pública lista de bens reversíveis - por Mariana
Mazza (foto)
A
partir desta sexta-feira, 21, o cidadão poderá conferir na página da Anatel na
Internet a lista dos bens reversíveis, patrimônio bilionário que deverá ser
devolvido à União em 2025, quando as concessões de telefonia fixa expirarem. O
tema bens reversíveis não é muito conhecido pela população, mas é extremamente
importante para toda a sociedade. Boa parte desses bens foi comprada na época do
Sistema Telebrás e repassada para as empresas privadas no processo de
privatização da telefonia. Mas não é só isso. As evoluções tecnológicas feitas
nestas redes são financiadas por meio das tarifas públicas cobradas na prestação
da telefonia fixa. Ou seja, todos nós pagamos (e continuamos pagando) pela
existência dessa rede telefônica, daí a necessidade de devolvê-la à União quando
a concessão terminar.
A divulgação da lista dos bens reversíveis acontece 14 anos após a privatização.
Há quem diga: antes tarde do que nunca. Mas essa demora causou muitos danos à
sociedade. Uma quantidade incalculável de imóveis e outros bens foi vendida
pelas companhias telefônicas nos últimos anos, em muitos casos sem aval algum da
Anatel, dilapidando o patrimônio da concessão pública. A própria agência
reguladora admitiu hoje que só começou a fiscalizar a movimentação desses bens a
partir de 2006, um ano depois de, enfim, editar um Regulamento de Controle de
Bens Reversíveis. E a Anatel já quer mudar este regulamento. Usando a tese de
modernizar o acompanhamento dos bens, defende a flexibilização das transações
desse patrimônio. O cenário futuro é ainda mais sombrio. Há um forte movimento
na Anatel e no Ministério das Comunicações em favor de um pacto que transfira
definitivamente toda essa propriedade para as empresas privadas.
A divulgação da lista, mesmo com o brutal atraso em relação à privatização, tem
o lado bom de jogar luz a um patrimônio até então guardado a sete chaves pelas
empresas com a conivência das autoridades públicas. Mas a mudança, ainda suave,
de postura não veio naturalmente. A pressão da sociedade foi essencial para a
apresentação dessas listas, que preenchem nada menos do que 360 mil páginas. A
ProTeste, um dos mais atuantes órgãos de defesa do consumidor na área de
telecomunicações, teve que levar o assunto à Justiça para que as listas
aparecessem. O processo ainda está sendo analisado, mas o juiz do caso não tem
dado trégua à Anatel e exigiu que a agência entregue as listas à Justiça e anexe
tudo aos contratos de concessão como forma de evitar que esse patrimônio se
perca.
Mas, como nem tudo é perfeito, existem ainda vários problemas nas relações
divulgadas hoje. O principal é que nada do que está declarado nas 360 mil
páginas foi checado pela Anatel. Todos os bens foram listados pelas próprias
concessionárias. O presidente da agência, João Rezende, fez uma interessante
comparação da natureza dessas listas. É um processo como o do Imposto de Renda,
de autodeclaração. E, como bem lembrou o superintendente de Serviços Públicos,
Roberto Pinto Martins, responsável pela área que cuida das concessionárias, em
uma autodeclaração não há compromisso com a verdade, haja vista a enorme
quantidade de sonegadores que todo ano tentam burlar a Receita Federal no
Imposto de Renda. A lista que as empresas entregaram não é a verdade, declarou
Pinto Martins. Se você me perguntar você assina embaixo dessas listas, eu digo
não, arrematou o técnico.
Mas se há dúvidas da própria Anatel quanto a veracidade dos dados divulgados
hoje, o quê está sendo feito para garantir que as listas sejam realmente
precisas? Por enquanto, nada. A Anatel tem defendido a tese inclusive na Justiça
de que ela não é a responsável por estas relações. A base comparativa seria o
inventário do patrimônio da Telebrás leiloado em 1998. E, na visão da Anatel,
este inventário é um problema do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), que foi quem realizou o leilão. A Anatel, apesar de ser a
responsável por fiscalizar o uso desses bens, nunca se interessou em conseguir
essa lista original.
A primeira iniciativa nesse sentido foi concretizada há apenas duas semanas.
Isso mesmo: só no início deste mês a agência enviou um requerimento ao BNDES
pedindo a lista. Vale frisar que o inventário da Telebrás também pode ser
encontrado em outro lugar: no Arquivo Nacional. E, com a Lei de Acesso à
Informação em vigor, qualquer cidadão pode requisitar o material. A ProTeste
teve acesso a boa parte desse inventário original e repassou ao juiz João Luiz
de Souza, responsável pelo processo na Justiça. Apesar disso, a Anatel parece
não conseguir de jeito nenhum a bendita relação, ficando à mercê da
autodeclaração das empresas.
Mesmo com o discurso pró-transparência que pautou a divulgação dos dados
encaminhados pelas companhias, a agência reguladora optou por tornar uma parte
importante da lista sigilosa. Na relação do patrimônio imobiliário, a Anatel
censurou os endereços dos imóveis e terrenos reversíveis alegando a necessidade
de garantir a segurança das empresas. Será que as autoridades públicas acham que
a população vai sair roubando as centrais das companhias telefônicas? Em tempos
onde até os salários dos funcionários da Anatel estão divulgados no site da
agência é incompreensível limitar o acesso à informação de bens usados por
empresas que são concessionárias públicas.
Existe ainda mais um grave problema nas listas. O drama está em torno de quanto
vale todos esses bens. A Anatel projetou que o valor contábil, considerando o
ano de 2011, é de R$ 17 bilhões. A agência também apresentou um valor estimado
do patrimônio originalmente leiloado: R$ 25 bilhões. Mas deixou claro que este
não é um valor preciso. O que se pode dizer é que pode ser este valor ou maior
do que isso no momento da privatização, afirmou Pinto Martins. É muito dinheiro,
mas ainda assim o valor é bem menor do que as outras projeções feitas sobre este
patrimônio.
A ProTeste estima que, apenas a fatia imobiliária desses bens valha R$ 20
bilhões, sem correção. O Ministério Público Federal calcula que a lista completa
vale R$ 80 bilhões. Muito provavelmente essa diferença imensa não tem nada a ver
com fórmulas contábeis, mas sim com o fato de terem sido as próprias empresas as
declarantes dos bens divulgados pela Anatel.
Outro fato estranho nos dados tabulados pela agência reguladora é a monstruosa
depreciação que este patrimônio sofreu nos últimos 14 anos. Segundo os dados
divulgados, teriam sido investidos R$ 108 bilhões nos bens que compõe o rol
reversível, mas, como já foi dito, esse patrimônio só valeria R$ 17 bilhões
atualmente. O conselheiro Jarbas Valente justificou a disparidade alegando que a
evolução tecnológica tornou disponível equipamentos mais baratos e eficientes.
Mas a impressão que se tem ao olhar os relatórios é que quase nada evoluiu na
telefonia fixa nos últimos anos.
Pelas declarações das companhias, a Telemar (Oi) teria apenas 13% de sua rede de
voz cabeada com fibra óptica. A Telefönica, somente 7%. A base das redes
continuaria sendo o bom e velho par de cobre. E isso dito depois de vermos, dia
após dia, as companhias anunciando novos investimentos em fibra. Simplesmente os
números não batem. Essas fibras usadas também pela telefonia fixa são chamadas
de backhaul, outro alvo de intensas polêmicas com os órgãos de defesa do
consumidor. Os números divulgados hoje dão a impressão que o backhaul não
existe, apesar de a Anatel jurar que não tem dúvida alguma quanto a
reversibilidade dessa nova rede.
É muito saudável que a Anatel enfim tenha divulgado uma lista dos bens
reversíveis. Mas este é só o inicio da jornada. Agora a agência precisa checar
esse material. E, se constatar que as declarações não estão precisas, punir as
empresas, assim como faz a Receita Federal com os contribuintes que sonegam
impostos.