WirelessBRASIL |
|
WirelessBrasil --> Bloco Tecnologia --> Bens Reversíveis --> Índice de artigos e notícias --> 2013
Obs: Os links originais das fontes, indicados nas transcrições, podem ter sido descontinuados ao longo do tempo
Fonte: Portal da Band / Colunas
[15/08/13]
O que é supérfluo? - por Mariana Mazza
"Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia." A
célebre frase do escritor britânico Arthur C. Clarke descreve muito bem como nos
relacionamos com a tecnologia. É raro conseguirmos enxergar a complexidade
envolvida por trás dos serviços altamente tecnológicos que temos acesso hoje.
Escolhemos um nome em nossos celulares e (se a operadora colaborar) lá está a
outra pessoa conversando conosco. Ligamos nossos computadores e damos a volta ao
mundo com poucos cliques. Ligamos a televisão e cada vez mais pessoas conseguem
ter em casa dezenas de canais de outros países. Pura magia.
Não pensamos muito em como tudo isso funciona. E, na maior parte das vezes, nem
temos motivo nos preocupar. É claro que tudo muda de figura quando a coisa
falha. Essa dificuldade de enxergar para além da mágica dos serviços com base
tecnológica faz com que importantes decisões com impacto em toda essa massa de
consumidores conectados passem despercebidas. Estamos vivendo um desses
momentos.
Nesta semana, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a
venda da empresa Globenet para o grupo BTG Pactual em um negócio de R$ 1,745
bilhão. Mas quem é essa tal de Globenet? Este é o nome fantasia da Brasil
Telecom Cabos Submarinos (BTCS), empresa responsável por operar uma rede de 22
mil km em cabos submarinos interligando Brasil, Estados Unidos, Colômbia,
Venezuela e Bermudas. Desde que adquiriu a Brasil Telecom, em 2008, essa rede é
operada pela Oi.
A Oi decidiu vender essa empresa dentro da estratégia de capitalizar a
companhia, que luta para equilibrar suas contas. Nas palavras dos representantes
da Oi ao Cade, a proposta é "concentrar seus investimentos e esforços nas suas
atividades principais, alienando ativos ou participações que não estejam a elas
diretamente relacionados". É verdade que o principal negócio da companhia é a
prestação de serviços diretos ao consumidor. E o preço obtivo pela companhia é
bastante animador. Quando a Globenet foi adquirida pela Brasil Telecom em 2003,
o negócio custou US$ 46 milhões, pouco mais de R$ 100 milhões à época. O valor
obtido na venda é quase 1.800% maior. Não há dúvidas de que foi um bom negócio
no campo financeiro. Para o setor de telecomunicações, nem tanto.
Esta previsto desde o início das negociações que a Oi irá seguir alugando a rede
agora controlada pelo BTG Pactual. Sendo assim, os serviços oferecidos pela
companhia que precisam dos cabos vendidos não devem ser afetados. Mas em tempos
de espionagem norte-americana nas redes de telecomunicações e debates sobre
mudanças no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e no Marco Civil da Internet é
uma pena que as redes de cabos submarinos não sejam vistas como prioridade.
Apesar de antiga as primeiras redes submarinas surgiram ainda no século XIX ,
essa infraestrutura ainda é fundamental para o fluxo de informações de voz,
dados e sinais de TV. Na verdade, essas redes se tornaram ainda mais importantes
no século XXI com o intenso tráfego de informações entre continentes. Os cabos
submarinos servem para interligar os países, garantindo o trânsito de
informações em alta capacidade por todo o globo terrestre. Para se ter uma ideia
da importância dessas redes hoje em dia, quando circularam as denúncias de que a
agência norte-americana de segurança, NSA, estava espionando os cidadãos
brasileiros, o primeiro alvo do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, foi a
rede de cabos submarinos. Por ter dimensão mundial, Bernardo suspeitou
imediatamente que as informações tinham sido obtidas pelo governo dos Estados
Unidos por meio dessas redes. Também não custa lembrar que uma das medidas
anunciadas pelo governo para garantir a segurança dos dados trafegados no Brasil
foi justamente a construção de um novo cabo submarino em parceria com a Angola.
Para além das questões de segurança, o fato de uma empresa de telecomunicações
ter que abrir mão de sua rede de cabos submarinos é lamentável também para o
próprio setor e para os consumidores. A expansão da banda larga no país e a
modernização das redes de telefonia estão intimamente ligadas à capacidade dessa
infraestrutura submarina. Tanto é assim, que a primeira condicionante imposta
pela Anatel para que a Oi pudesse comprar a Brasil Telecom envolvia justamente
uma atualização na rede da Globenet com a intenção de garantir o aumento das
sedes municipais ligadas com fibra óptica.
A importância desses cabos para os consumidores de serviços de telecomunicações,
especialmente os de banda larga, fica evidente quando ocorre um problema nessas
redes. No início de 2013, o rompimento de um cabo localizado em Santos deixou os
clientes da GVT sem acesso a sites internacionais por horas. Problema semelhante
em um cabo em Fortaleza interrompeu a conexão de clientes da Embratel e da Net
em 2011. Um dos casos mais críticos aconteceu em 2008 quando cabos submarinos
administrados pela France Telecom se romperam duas vezes em menos de um mês
causando problemas nas comunicações entre Europa, Ásia e Oriente Médio por dias.
O impacto dessas falhas mostra como os serviços de Internet precisam
dramaticamente dessa rede de cabos para funcionar. E é por meio da atualização
dessa infraestrutura que garantiremos que a banda larga se expanda no país com
qualidade. Para se ter ideia do tamanho de uma rede dessas, basta dizer que o
maior sistema no qual o Brasil está ligado, o SAM-1, tem uma capacidade de
transmissão de até 10,8 terabits por segundo. Hoje, essa rede de cabos,
administrada pela Telefónica Internacional, utiliza pouco mais de 10% dessa
capacidade para circular informações entre nove países nas Américas, incluindo o
Brasil, e a Europa. Ou seja, o uso dessas redes ainda pode (e deve) aumentar
muito nos próximos anos para acompanhar o crescimento do volume de dados
trafegado todos os dias no mundo. Por ora, os cabos submarinos ainda são o
coração da operação de dados no planeta.
Sendo assim, fica a dúvida: é possível considerar uma rede dessas supérflua? É
óbvio que a Oi teve que fazer escolhas dolorosas nesse momento em que está
reordenando suas contas. Mas realmente é uma pena ver uma empresa de
telecomunicações tendo que abrir mão de uma rede tão importante para o avanço
dos serviços. Não é à toa que a maioria dessas redes de cabos submarinos é
controlada por companhias telefônicas. Ninguém melhor do que as teles para
saberem o momento certo para aumentar a capacidade dessa infraestrutura em
sintonia com o crescimento da oferta de serviços. Por mais que o negócio não
afete a concorrência e, por isso, foi aprovado pelo Cade transferir esse
patrimônio para um banco de investimentos é uma oportunidade perdida em um
momento em que discutimos tanto a necessidade de mais segurança nas redes e a
expansão dos serviços de banda larga no país. Só nos resta torcer para que esse
movimento, na contramão da expansão dos serviços de banda larga, não faça com
que a magia acabe.