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Colunas
[19/12/13]
Anatel quer o fim da telefonia fixa - por Mariana Mazza
Depois de anos dizendo que a telefonia fixa no Brasil está falida, a Anatel
agora prepara o golpe de morte no único serviço prestado em regime público no
país. A estratégia da agência reguladora é usar a revisão contratual que será
realizada em 2015 para exterminar as bases do serviço. E o mais estranho de
tudo: sem sugerir que nenhum outro serviço tome o lugar da velha telefonia fixa
com suas obrigações de universalização e qualidade. O plano da agência é ainda
mais maquiavélico. Ela usará a opinião da sociedade como álibi para retirar as
garantias de oferta das linhas fixas para toda a população.
O estratagema teve início na semana passada, com a abertura da consulta pública
53. Esta consulta tem como objetivo coletar a opinião dos diversos setores da
sociedade sobre a revisão contratual que acontecerá em 2015. Pela lei, a Anatel
precisa propor a reforma dois anos antes da mudança dos contratos. Esta revisão
inclui a atualização das metas de universalização e de qualidade, que garantem à
população o amplo acesso ao serviço telefônico fixo e à oferta em níveis
técnicos razoáveis.
Acontece que a agência reguladora não está propondo nada. Pelo menos, nada de
forma clara. Ao invés de apresentar uma proposta para os novos planos de metas e
contratos, a autarquia optou por uma abordagem pouco ortodoxa, lançando mão de
um texto analítico sobre a atualidade das telecomunicações e fazendo dezenas de
perguntas aos eventuais participantes da consulta. Mas uma leitura mais atenta
mostra a real intenção da agência ao usar essa nova abordagem da opinião
pública. A Anatel quer reformar o setor e não os contratos.
Com questões cheias de termos técnicos absolutamente ininteligíveis para o
consumidor comum, não há porque crer que o cidadão interessado no assunto
realmente contribuirá na consulta. Sendo assim, apesar de o modelo ser
diferente, restará como sempre a participação em massa das empresas diretamente
interessadas em não ter que cumprir mais nenhuma obrigação. Não bastasse essa
falha de método (caso a intenção fosse mesmo colher a opinião de toda a
sociedade), o texto que acompanha o questionário dá o tom de velório da
telefonia fixa, deixando aparente a completa indisposição da Anatel em manter
esse serviço como pilar da oferta de telecomunicações.
A preocupação da agência a cada argumento apresentado é em manter a
"atratividade econômica" do serviço para as empresas, ideia oposta ao conceito
de serviço prestado em regime público, onde o importante é assegurar que a
oferta cubra os custos da prestação com um lucro mínimo. Por acaso a telefonia
fixa está dando prejuízo para as concessionárias? Isso a Anatel não diz (aviso
logo, não está). Vejamos então qual o diagnóstico que a agência faz do regime
público de prestação do serviço. "O regime público embute o benefício de
propiciar universalização e continuidade do serviço, mas pode implicar também em
desincentivo à investimentos, pelo risco de reversão de todos os ativos
empregados na prestação do serviço. Quando se definiu a prestação em regime
público identificou-se que os benefícios compensariam eventuais encargos,
contudo essa conclusão não é estática, tendo em vista o dinamismo do setor." Ou
seja, a Anatel sugere que, como a telefonia fixa não é mais atrativa para as
empresas, talvez não valha a pena exigir que elas continuem oferecendo o
serviço.
Nos grandes centros urbanos, onde praticamente todos possuem um telefone celular
em mãos mesmo que seja um pré-pago sem crédito, dado o alto custo do serviço -
insistir na telefonia fixa pode parecer mesmo um contrassenso. Mas é preciso
lembrar que há milhões de brasileiros afastados dessas capitais e que ainda têm
no serviço fixo sua porta de entrada para as telecomunicações. Mais problemático
do que sugerir o fim das obrigações de expansão da oferta de telefonia fixa,
praticamente anulando as benesses da prestação em regime público para a
sociedade, é o fato de a agência reguladora não propor a substituição por
nenhuma outra oferta. No mesmo documento, a agência ressalta o crescimento da
banda larga no Brasil, que avançou 386% em pouco mais de sete anos (contra um
acréscimo de 12% da telefonia fixa). Por que não propor que a banda larga
torne-se o serviço prestado em regime público então?
Diga-se de passagem, propor a inclusão de novos serviços no regime público é uma
das atribuições legais da Anatel. Ao identificar que determinada oferta merece
uma atenção maior do poder público, incentivando sua universalização e elevação
da qualidade, o órgão regulador deve sugerir sua migração do regime privado para
o público. Não há na lei, no entanto, nada que autorize a Anatel a reformar o
modelo do setor. Este é um trabalho para o Legislativo, não para uma agência
reguladora.
Depois de 15 anos de privatização, os custos da rede de oferta da telefonia fixa
estão amortizados. Se este serviço está naturalmente estagnado, não deveria a
agência, antes de pensar em exterminá-lo, tomar todas as providências possíveis
para estimular a oferta? Com uma assinatura básica custando em média R$ 40 não
surpreende que as pessoas tenham cancelado suas linhas fixas depois da
popularização dos celulares.
Os contratos de concessão valem até 2025. Mas há anos comenta-se no setor que as
companhias telefônicas têm planos de devolver as licenças antes do fim do prazo.
O ponto-chave aqui é a reversibilidade dos bens. A oferta de telefonia fixa, por
estar no regime público, prevê que o governo deve garantir a continuidade do
serviço. Em português claro, esse serviço não pode parar de ser prestado do dia
para a noite. Se uma concessionária, por exemplo, devolver a concessão amanhã, o
Poder Executivo tem obrigação constitucional de assumir a oferta para que o
cidadão não seja prejudicado. Nem que seja para fazer um novo leilão de
concessão mais adiante.
Para garantir essa continuidade existe o princípio da reversão dos bens. A regra
básica é que todos os equipamentos essenciais à prestação do serviço devem ser
colocados à disposição da União no fim dos contratos de concessão. Se houve
algum incremento tecnológico nessas redes, o Estado avaliará se é o caso de
pagar uma indenização para a concessionária. Mas a base mínima para o oferta da
telefonia fixa deve ser devolvida à União de graça. Ao mirar nos pilares do
regime público de prestação, a Anatel pretende acabar com o estatuto da reversão
dos bens. Daí tanta atenção à manutenção da "atratividade econômica" do serviço.
Na lógica tortuosa do setor de telecomunicações, a reversibilidade é um preço
alto demais para as teles, mesmo que cada uma delas tenha concordado com essa
regra ao assinar os contratos de concessão em 1997. Para garantir que essas
empresas continuem investindo no Brasil é preciso presenteá-las com uma rede
construída com recursos públicos ainda na época do funcionamento pleno do
Sistema Telebrás. Isso em um setor que faturou nos últimos sete anos mais de R$
1,357 trilhão, sendo R$ 445 bilhões apenas com a telefonia fixa, segundo dados
do site Teleco.
Se a Anatel quer pôr fim à telefonia fixa prestada no regime público, proponha
isso. Se ela quer o fim da reversibilidade, escreva um novo contrato sem essa
cláusula. Mas usar uma consulta pública com perguntas genéricas para criar um
álibi que respalde essas propostas nocivas à sociedade não é o caminho correto.
Quem quiser se aventurar a participar da consulta da agência, o texto está
disponível no site da Anatel e receberá contribuições até o dia 31 de janeiro de
2014. Em apenas uma semana, o documento já recebeu 346 visitas mas apenas um
único cidadão fez sugestões até agora.