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Fonte: Conteúdo Jurídico
[26/06/13]
A desapropriação e os bens reversíveis - por Paulo Firmeza Soares
Sobre o autor:
PAULO FIRMEZA SOARES é Procurador Federal, pós-graduado em Regulação de
Telecomunicações e pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.
SUMÁRIO:
1. Introdução.
2. O instituto da desapropriação.
3. Os bens reversíveis e seu regime jurídico.
4. A desapropriação e os bens reversíveis.
5. Conclusão.6.Bibliografia.
RESUMO: O presente trabalho busca analisar osinstitutos da desapropriação bem
como dos bens reversíveis e verificar a relação que há entre eles.
Especificamente, a análise focará na verificação da possibilidade jurídica de
desapropriação, por parte dos diversos entes federativos, de bens reversíveisà
União, essenciais à prestação para a sociedade de serviços públicos de cunho
federal.
1. Introdução.
A concepção da figura do Estado muda com a passagem do Estado do Bem-Estar
Social para o chamado Estado regulador, ocasião em que surgem com bastante
abundância os entes privados prestando serviços públicos mediante vínculo
contratual com o Poder Público, na maioria das vezes por meio de contratos de
concessão. Sobrecarregado com inúmeras atribuições e diante de crises
econômicas, o Estado deixa de prestar, ele próprio, serviços públicos
diretamente à população, delegando essa tarefa aos particulares.
Nesse contexto, o vínculo consumerista passa a ser estabelecido entre o cidadão
e o particular (concessionária de serviços públicos), ficando o Estado com a
função de regular a prestação desse serviço, ou seja, de normatizar, traçar os
parâmetros de qualidade, prevenir e reprimir a prática de infrações, enfim,
calibrar a forma como o Estado espera que aquele determinado serviço seja
prestado à sociedade. A regulação, dessa forma, é levada a cabo pelas chamadas
agências reguladoras, braços do Estado responsáveis por essa intervenção estatal
num setor específico, esta última característica que, ressalte-se, não afasta a
análise multidisciplinar da regulação.
O Estado regulador, então, passa a se relacionar com o particular por meio de um
vínculo que: (i) do ponto de vista teórico, consubstancia delegação estatal,
passível de ser encampada pelo Estado a qualquer tempo mediante a devida
motivação; e (ii) do ponto de vista prático e econômico, pode consubstanciar
verdadeira relação de dependência, uma vez que o particular depende do Estado
para auferir seus lucros ao passo que o Estado depende do particular para
prestar o serviço público à sociedade.
Tecidas essas considerações, percebe-se que o Estado não pode ser totalmente
dependente do particular e das variações e riscos inerentes o mercado, sob pena
de os serviços públicos essenciais à população simplesmente deixarem de ser
prestados, prejudicando os cidadãos e, consequentemente, o interesse público. De
fato, como o repasse da prestação dos serviços público ao particular visa ao
interesse público, infere-se que esse arranjo jurídico-institucional de
delegação não pode servir de obstáculo ao atendimento desse mesmo interesse
público a que se visa atingir.
Se a concessionária enfrentar dificuldades financeiras ou mesmo falir e não
conseguir mais prestar os serviços públicos a contento ou simplesmente não mais
prestá-lo, o Estado precisa ter uma válvula de escape para garantir a satisfação
das necessidades dos cidadãos, que têm direito de ter acesso a água, energia
elétrica, esgoto, serviços de telecomunicações, transporte, etc.
Nessa linha, é preciso destacar que a continuidade é um dos princípios inerentes
aos serviços públicos, ou seja, é preciso que se garanta, salvo situações
especiais, a possibilidade de sua constante fruição pelos cidadãos, sem
interrupções indevidas. A Lei nº 8.987/95, em seu art. Art. 6º, §1º, aduz
claramente que o serviço deve ser prestado de forma adequada, assim
entendendo-se aquele que “satisfaz as condições de regularidade, continuidade,
eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e
modicidade das tarifas”.
Muito em razão da continuidade, portanto, é que surge a figura dos chamados bens
reversíveis, ou seja, aqueles bens necessários à prestação do serviço e que,
caso o particular tenha algum problema, retornam ao Estado para que ele próprio
preste o serviço.
De fato, de nada adiantaria prever, por exemplo, em caso de falência da
concessionária, que o Estado assumiria a prestação do serviço se este não tiver
os bens necessários a essa prestação. É que a concessionária já construiu toda a
infraestrutura que dá suporte à prestação dos serviços, de modo que seria
inviável que o Estado iniciasse a construção de uma nova infraestrutura em
duplicidade à já existente, sobretudo porque a já existente não seria mais usada
pelo particular (ineficiência) e porque o tempo da construção de uma nova
quebraria o princípio da continuidade. Afinal, quanto tempo seria necessário
para implementar, por exemplo, toda a rede de postes para viabilizar energia
elétrica por todo o Brasil?
Os bens reversíveis, então, resolvem esse problema, pois o Estado tem a
possibilidade de prestar o serviço público por meio da infraestrutura já
existente e garantir o atendimento às necessidades dos cidadãos, diretamente ou
por meio de nova delegação.
É, portanto, nesse contexto que o presente trabalho busca analisar o instituto
da desapropriação em contraponto à importância dos bens reversíveis para a
continuidade a prestação dos serviços públicos à população.
2. O instituto da desapropriação.
A desapropriação constitui uma forma de intervenção do Estado na propriedade, ao
lado dos institutos da servidão administrativa, ocupação temporária, limitação
administrativa, requisição administrativa e tombamento. A diferença básica da
desapropriação para os demais institutos é que neste últimos a intervenção é
menos drástica, representando apenas uma redução dos direitos inerentes à
condição de proprietário.
Já a desapropriação consubstancia supressão da condição de proprietário,
retirando, por consequência, todos os seus direitos. É a forma mais drástica de
intervenção do Estado na propriedade. Considera-se, por ficção legal, que a
desapropriação implica aquisição originária da propriedade por parte do Estado.
Diante do poder de império que o Estado possui, ao proprietário não cabe
contestar a desapropriação em si – e o interesse público ali defendido –,
restando-lhe discutir o valor da indenização a ser paga. É como se se tratasse
de obrigatoriedade de celebração de contrato de compra e venda, mas com
discussão dos valores envolvidos no ajuste.
A Constituição Federal traz, em linha gerais, os casos de desapropriação em seu
art. 5º, inciso XXIV, quando aduz que “a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social,
mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos
nesta Constituição”.
Sem pretender tratar de cada uma das desapropriações, vale destacar que, por um
lado, a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, é de
competência exclusiva da União. De fato, o art. 184 da Constituição Federal
dispõe que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”.
Por outro lado, a desapropriação por utilidade pública é de competência de todos
os entes da Federação, ou seja, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Com relação a este caso, o Decreto-Lei nº 3.365/41 é claro, em seu
art. 2º, ao afirmar que “mediante declaração de utilidade pública, todos os bens
poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito
Federal e Territórios”. Indo além, o art. 3º do mesmo Decreto-Lei reza que “os
concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou
que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações
mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato”. Assim, as
concessionárias de serviço público também podem promover desapropriações nesses
casos.
Diante desse cenário de múltiplas competências, contudo, é possível vislumbrar
um suposto conflito de competências e de interesses entre os entes federativos.
Qual utilidade pública deve prevalecer? A da União, a dos Estados, a do Distrito
Federal ou a dos Municípios? O que fazer se mais de um ente manifestar interesse
no mesmo bem?
Ora, primeiramente é preciso deixar claro cada ente federativo deve agir dentro
do seu âmbito de atuação e competências constitucionais, ou seja, os Municípios,
os Estados e a União devem se manifestar em favor, respectivamente, dos
interesses locais, regionais e de abrangência nacional, lembrando que o Distrito
Federal cumula as competências municipais e estaduais.
De qualquer forma, já para evitar conflitos a legislação veda a desapropriação
de bens da União por quaisquer entes federativos, ao passo que veda a
desapropriação de bens dos Estados pelos Municípios. Aduz, ainda, que é
necessária autorização legislativa para a desapropriação pela União de bens de
outros entes da federação, assim como pelos Estados de bens dos Municípios. É o
que se depreende do §2º do art. 2º do Decreto-Lei nº 3.365/41:
§ 2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios
poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas,
em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.
Vale ressaltar, nesse ponto, que a possibilidade de os Estados desapropriarem
bens municipais está adstrita aos bens de seus Municípios. Embora a redação do
dispositivo explicite essa regra, esse é o entendimento consolidado na doutrina
e na jurisprudência, uma vez que, do contrário, estar-se-ia quebrando o pacto
federativo, ao permitir-se que um Estado-Membro desapropriasse bens de
Municípios integrantes de outro Estado-Membro. De qualquer forma, o §3º do
Decreto-Lei nº 3.365/41 deixa mais claras tais vedações, como se vê:
§ 3º É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e
Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições
e emprêsas cujo funcionamento dependa de autorização do Govêrno Federal e se
subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do
Presidente da República.
Embora o referido §3º faça menção a ações, cotas, direitos representativos do
capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização da
União (governo federal), obviamente a vedação também se aplica aos bens da
própria União. De fato, não faria sentido proibir um Município de desapropriar
ações de uma concessionária de serviço público e permitir que ele desapropriasse
bens da própria União, ou seja, daquela titular do próprio serviço público
delegado.
Ainda nesse seara, vale a pena destacar que, para efeito de possibilidade de
desapropriação não há distinção entre a Administração Indireta e as respectivas
autarquias e fundações. Assim, um Estado também não pode, por exemplo,
desapropriar um bem de uma autarquia federal.
Dessa forma, estando clara a existência de uma ordem quantos aos entes
federativos no que concerne à possibilidade de desapropriação, é necessário
passar à análise dos bens reversíveis em si para, na sequência, adentrar no
cerne do presente trabalho.
3. Os bens reversíveis e seu regime jurídico.
Quando o Estado assume sua função de regulador, ele delega às concessionárias a
prestação dos serviços públicos, cuja titularidade, contudo, permanece com o
ente estatal. Como já dito, os bens reversíveis visam a garantir a continuidade
da prestação dos serviços públicos à população. São aqueles bens essenciais à
prestação do serviço, de onde se infere que são mutáveis ao longo do tempo, pois
sua utilidade varia com o tempo, sobretudo diante de avanços tecnológicos.
Assim, a construção de uma determinada infraestrutura mais moderna pode
simplesmente afastar a utilidade da infraestrutura substituída, já obsoleta para
as condições da época.
Os bens reversíveis, portanto, devem ser estritamente controlados pelo Estado,
especificamente pelo chamado poder concedente, ou seja, pelo ente responsável
pela outorga e que assina o contrato de concessão (ou outro ajuste) com o
particular.
Nesse ponto, vale dizer que o bem reversível não integra o patrimônio do Estado.
Não configura, a nosso ver, patrimônio público, como defendem algumas vozes. São
bens privados que integram o patrimônio também privado da concessionária. Ocorre
que eles são afetos ao interesse público, uma vez que necessários à prestação de
serviços públicos essenciais para a população. Assim, eles precisam ser
resguardados para a eventual hipótese de o Estado ter que assumir novamente a
prestação do serviço, diretamente ou por meio de nova delegação. A
infraestrutura, enfim, precisa estar à disposição do Estado.
Estar à disposição do Estado ou ser reversível não implica que o bem já é do
Estado ou que já foi revertido ao Estado. Como o próprio nome induz, o bem é
reversível ao Estado, caso o contrato seja encerrado, por exemplo. Antes disso,
os bens reversíveis são de propriedade da concessionária e como tal devem ser
considerados, o que não afasta o seu necessário controle estatal. Nesse momento
ainda não se discute a eventual amortização dos bens. Sua importância para a
continuidade dos serviços públicos é que justifica um regime jurídico
diferenciado, inclusive quanto à alienação, oneração, desapropriação, etc.
Observa-se, pois, que a concessionária possui, em linhas gerais, dois tipos de
bens em seu patrimônio, a saber: os reversíveis, essenciais à prestação do
serviço, e os não reversíveis, ou seja, aqueles que não são essenciais à
prestação do serviço. Diz-se em linhas gerais porque poder-se ia invocar aqui a
figura dos bens vinculados à concessão, dos bens de terceiros, materiais e
imateriais, assim como a sub-rogação de direitos, etc. Em razão do escopo do
presente trabalho, contudo, basta a concepção de que os bens da concessionária
podem ou não ser essenciais à prestação do serviço.
Nessa linha, os bens que não são essenciais à prestação do serviço devem ser
encarados como bens privados da concessionária e sujeitos ao regime jurídico
comum de direito civil. Por outro lado, os bens essenciais à prestação do
serviço devem ser controlados pelo Estado e submetidos ao regime jurídico dos
bens reversíveis.
Como já dito, tal controle deve focar em alienações, onerações e, também,
desapropriações. Quanto às onerações, destaca-se o art. 28 da Lei nº 8.987/95,
que dispõe que “nos contratos de financiamento, as concessionárias poderão
oferecer em garantia os direitos emergentes da concessão, até o limite que não
comprometa a operacionalização e a continuidade da prestação do serviço”. Ou
seja, os bens reversíveis não podem ser onerados, oferecidos em garantia ou
penhorados, por iniciativa própria ou até mesmo do Poder Judiciário. A
concessionária, no caso de determinação judicial de oneração de bem reversível,
por exemplo, deve apresentar bem não reversível em substituição.
Também é comum haver necessidade de aprovação do poder concedente para
alienações, onerações, etc. É o que ocorre com o setor de telecomunicações, em
que o art. 101 da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT)
determina que a alienação, oneração ou substituição de bens reversíveis
dependerá de prévia aprovação da agência reguladora.
Em razão do regime jurídico a que são submetidos os bens reversíveis é de se
questionar, então, se um bem reversível pode ou não ser desapropriado, o que
será analisado a seguir.
4. A desapropriação e os bens reversíveis.
Utilizando-se como parâmetro o dispositivo aplicável ao setor de
telecomunicações, chegam-se, então, a três premissas básicas: (i) o bem
reversível, para ser alienado, precisa de aprovação da agência reguladora; (ii)
os demais entes federativos (Estados, Distrito Federal e Municípios) não podem
desapropriar bens da União; e (iii) como o titular do serviço de
telecomunicações é a União, nos termos do art. 21, inciso IX, da Constituição
Federal, o bem reversível da concessionária que atua nesse setor é afeto ao
interesse federal, sendo a agência reguladora respectiva uma autarquia federal.
Como compatibilizar tais premissas, relacionando os institutos da
reversibilidade de bens e da desapropriação, é o desafio do estudo em tela.
Ora, há duas situações específicas a serem analisadas, a saber: (i) se os demais
entes federativos podem desapropriar um bem reversível de uma concessionária de
serviços de telecomunicações; e (ii) se a própria União pode desapropriar um bem
reversível de uma concessionária de serviços de telecomunicações, lembrando que,
atualmente, o único serviço prestado sob o regime de concessão e que
consequentemente está submetido à reversibilidade de bens é o Serviço Telefônico
Fixo Comutado – STFC (telefonia fixa).
À primeira situação aplica-se, preliminarmente, a vedação de que os demais entes
da federação não podem desapropriar bens da União. É que, embora o bem
reversível não seja propriamente um bem da União, e sim da concessionária, como
se viu, ele goza das prerrogativas de regime jurídico de um bem inteiramente
público. Assim, não pode ser onerado, dado em garantia e nem ser desapropriado.
Deve ser tratado como se bem da Fazenda Pública fosse.
Não se trata, aqui de aplicação irrestrita do §3º do art. 2º do Decreto-Lei nº
3.365/41, que veda a desapropriação, pelos Estados Distrito Federal, Territórios
e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de
instituições cujo funcionamento dependam de autorização do governo federal. Tal
vedação deve estar alinhada à reversibilidade de bens, de modo que se ele não
for essencial à prestação do serviço público não pode gozar de prerrogativas.
Deve, ao contrário, ser tratado como um bem privado qualquer. Assim, bens
secundários da concessionária que não sejam essenciais à prestação do serviço
público (não reversíveis) podem ser desapropriados normalmente pelos demais
entes da federação.
À segunda situação, por sua vez, aplica-se a vedação decorrente da exigência de
aprovação da agência reguladora para qualquer tipo de alienação de um bem
reversível. Se por um lado a desapropriação não consubstancia uma alienação
propriamente dita, deve como tal ser considerada para os efeitos em tela. Ora,
só a agência reguladora, responsável pelo controle de bens reversíveis, terá
capacidade e competência para analisar se a retirada daquele bem comprometerá a
continuidade na prestação dos serviços.
De fato, essa é a principal preocupação quando se trata de desapropriação de bem
reversível. Como permitir que um ente federativo, inclusive a própria União,
desaproprie, por exemplo, toda a infraestrutura de uma concessionária de
telefonia fixa? Caso isso aconteça o serviço deixará de funcionar no país, em
prejuízo de toda a população que depende diretamente da telefonia fixa e
indiretamente dessa infraestrutura para ter acesso a outros serviços de
telecomunicações, como a banda larga, por exemplo.
É para não impedir a continuidade da prestação do serviço que a desapropriação
não pode ter como objeto os bens reversíveis. Caso a agência reguladora aprove a
alienação-desapropriação é que se poderia falar na aquisição originária da
propriedade por parte do ente desapropriador. E essa aprovação seria em razão de
dois motivos possíveis, quais sejam: (i) o bem não fará falta à prestação do
serviço, ou seja, não é, na verdade, um bem reversível, embora já possa ter sido
um dia; ou (ii) a concessionária substitui o bem reversível por outro, de modo a
preservar a continuidade do serviço.
Assim, com a aprovação da agência reguladora é possível ocorrer a
desapropriação, mas nesse caso talvez a desapropriação já tenha perdido sua
característica principal, qual seja, a compulsoriedade, uma vez que ficará na
dependência de aprovação de outro órgão. Na verdade, até se entende que a
compulsoriedade persiste, no sentido de que, aprovada pela agência reguladora,
atestando que não haverá prejuízo à continuidade do serviço, o procedimento da
desapropriação pode ter seu curso normal. Seria, como costumam dizer, uma
desapropriação sui gereris. Mas aí a questão já é filosófica. O fato é que,
ordinariamente, é correto dizer que não é possível haver desapropriação de bens
reversíveis à União sem a chancela do poder concedente.
5. Conclusão.
O Estado regulador delega a prestação de serviços públicos aos particulares por
meio, em regra, de contratos de concessão. Daí surge a figura dos bens
reversíveis, que são aqueles integrantes do patrimônio das concessionárias e que
são essenciais à prestação desse serviço.
Em razão de sua importância à continuidade da prestação dos serviços públicos à
população, aos bens reversíveis devem ser aplicadas as prerrogativas dos bens
públicos, ou seja, como se de Fazenda Pública fossem. Assim, não podem ser
onerados, penhorados nem desapropriados.
A vedação à desapropriação surge em razão da necessidade de garantir-se a
continuidade da prestação dos serviços públicos à sociedade. Do contrário,
admitindo-se a desapropriação sem qualquer controle do poder concedente, o
serviço simplesmente poderia ser interrompido em prejuízo à população.
Assim, bens secundários da concessionária que não sejam essenciais à prestação
do serviço público (não reversíveis) podem ser desapropriados normalmente pelos
demais entes da federação. O mesmo não se pode dizer quanto aos bens
reversíveis, ou seja, àqueles efetivamente necessários à prestação do serviço.
No caso do setor de telecomunicações, por exemplo, em que o bem da
concessionária é reversível à União, de interesse federal, não há que se falar
em desapropriação, salvo com a aprovação da agência reguladora, e isso não
considerando essa peculiaridade como uma desnaturação do instituto da
desapropriação.
6. Bibliografia
ARAGÃO, Alexandre dos Santos de. Direito dos Serviços Públicos, Forense, 2ª ed.;
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Ed. Saraiva.
5ª edição. São Paulo. 2003;
ESCOBAR, João Carlos Mariense. Serviços de Telecomunicações – Aspectos Jurídicos
e Regulatórios. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005;
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. Ed. Malheiros. 1ª edição, 2ª tiragem.
São Paulo. 2000;
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica Jurídica Clássica. Ed.
Mandamentos. Belo Horizonte. 2002;
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Direito das Telecomunicações e Anatel. Direito
Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000;
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 19ª ed.,
Editora Malheiros;
SALOMÃO Filho, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e
fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001;