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Leia na Fonte: Band / Colunas
[04/02/14]
No Ministério da Fazenda, a telefonia fixa ainda não morreu - por Mariana
Mazza
Terminou na última sexta-feira, 31, a consulta pública realizada pela Anatel com
as bases para a mudança dos contratos de telefonia fixa. Esses novos contratos
ficarão em vigor entre 2016 e 2020 e, por ora, a agência está apenas colhendo
opiniões sobre o que deve e o que não deve constar no acordo com as teles.
Quando a agência reguladora colocou seus questionamentos à sociedade em consulta
questionei até que ponto a autarquia estava sendo realmente neutra. O material
sugere um caminho claro já escolhido pela Anatel para o próximo ciclo
contratual, induzindo o leitor a crer que a telefonia fixa não tem mais futuro
no país e que, por isso, o fomento à expansão do sistema deve ser reduzido.
Algumas opiniões expressas na consulta revelaram que não foi apenas esta
colunista que ficou perplexa com o raciocínio exposto pela agência reguladora
das telecomunicações. Uma das contribuições mais impactantes é de autoria da
Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), órgão do Ministério da Fazenda
responsável pelas análises do ambiente concorrencial. Para a Seae a base da
consulta é questionável ao fomentar o fim da expansão da telefonia fixa sem
mostrar quais caminhos poderiam ser adotados para estimular este que é o único
serviço prestado em regime público no Brasil.
Este detalhe é muito importante. Por ser a única em regime público, apenas a
telefonia fixa possui obrigações de universalização, continuidade e de
qualidade. Aos demais serviços cabe o cumprimento de compromissos de expansão,
mas não há nada que obrigue as companhias a garantir, por exemplo, que a oferta
não seja interrompida. Essa peculiaridade não pode ser esquecida. Até porque
existe uma garantia constitucional de acesso às telecomunicações, que é cumprida
exatamente pelo serviço prestado em regime público, ou seja, pela telefonia
fixa.
Chama a atenção na contribuição da Seae a sinceridade com que o órgão coloca em
xeque a filosofia da Anatel por trás da consulta pública. "A proposta de
instruir a sociedade para a colheita de subsídios é falha, pois, ao não
apresentar com clareza as posições dissonantes hoje em disputa, corre o risco de
mais direcionar do que instruir o público em geral", afirma o coordenador-geral
de Indústrias de Rede e Setor Financeiro, Marcelo de Matos Ramos, responsável
pelo texto da Seae. Ramos está corretíssimo.
O material divulgado pela Anatel omite uma série de dúvidas públicas sobre o
modelo adotado pela agência para gerir as telecomunicações. O caso mais famoso
talvez seja a ação movida pelo órgão de defesa do consumidor ProTeste
questionando a eficiência da agência no controle dos bens
reversíveis, conjunto de imóveis e itens técnicos que
são usados pelas concessionárias de telefonia fixa mas que, na verdade, são de
posse da União. Na ação, a entidade levanta exemplos da venda desses
bens sem autorização da Anatel, o que seria ilegal.
Este assunto é relevante porque, na consulta, a Anatel sutilmente sugere o fim
da reversibilidade, alegando que esse mecanismo aumenta os custos das empresas e
torna o setor pouco eficiente. A ação da Proteste, inclusive, é citada pela Seae
como um elemento que deveria ter constado em uma consulta pública que busca
justamente a opinião da sociedade sobre o futuro dos concessões.
Existem hoje várias propostas para dinamizar a telefonia fixa e ampliar o acesso
a este serviço, em boa parte formuladas por órgãos de defesa do consumidor como
a própria ProTeste e o Idec. Sugestões como a adoção de uma tarifa flat - onde o
consumidor paga um valor único e usa sem limites o telefone para chamadas locais
- já são realidade em muitos países mas nunca receberam uma análise apropriada
da agência reguladora.
Ao contrário disso, um dos assuntos em que a agência mais se dedica durante as
revisões contratuais é a redução do número de orelhões em funcionamento no país.
Isso pode parecer algo natural para os consumidores com maior poder aquisitivo,
que moram nas zonas urbanas das grandes cidades e possuem condições financeiras
e técnicas para substituir seus antigos telefones fixos por celulares. Mas uma
parcela considerável da população brasileira continua longe do direito básico às
comunicações, tendo nos orelhões a garantia de acesso ao serviço dentro de suas
condições financeiras.
Em um país em que 80% dos celulares em uso estão no sistema pré-pago, será mesmo
que é possível preterir os orelhões? Diga-se de passagem, desde que a Anatel
começou a reduzir o número de telefones públicos, há mais de uma década, a
agência nunca apresentou dados concretos provando que este serviço é de fato
subutilizado ou dê prejuízo às companhias telefônicas. Nem mesmo a telefonia
fixa - que, sim, teve seu interesse diminuído desde a expansão da telefonia
celular - dá prejuízo às empresas. Será mesmo que os orelhões, que são monopólio
das concessionárias, é um serviço financeiramente tão ruim assim?
O jogo por trás desse choro contra a telefonia fixa como um todo é a vontade das
companhias telefônicas de forçar uma migração dos clientes para os serviços mais
caros. Sem orelhão, o consumidor de menor poder aquisitivo se verá obrigado a
usar seu celular pagando, lembrem-se, a tarifa mais cara do mundo. Uma das
formas de acabar com as distorções de custo dos serviços de telecomunicações
oferecidos no Brasil seria exatamente garantir o acesso básico à telefonia pelo
menor preço possível, exigindo das empresas a continua expansão e melhoria dessa
rede fundamental. Sugerir o fim das concessões é perigoso e só trará prejuízo à
sociedade brasileira.
A contribuição feita pela Seae mostra que a estratégia traçada pela Anatel para
reduzir ainda mais a telefonia fixa não encontra guarida em outras áreas do
governo. Ao que tudo indica é um movimento isolado, apoiado nas demandas das
empresas de telecomunicações, e que ainda carece de argumentos para convencer os
outros segmentos da sociedade. Fica a expectativa sobre qual será a real
proposta de novo contrato apresentada pela Anatel. E se o constrangimento de ver
seu plano criticado pelo Ministério da Fazenda terá ou não impacto nas propostas
daqui para frente.